Esconderijo escrita por Anny Andrade


Capítulo 1
Capítulo Único




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Em muitos momentos não entendo o que está acontecendo comigo. Não sei o que está acontecendo entre nós. E quando ela desliga o telefone sinto como se um vazio tomasse conta de mim. Foram tantos momentos em tão poucos meses.

            Um encontro inesperado.

            Um passeio para descobrir mitos e descobrir segredos.

            Uma bandeira de um país que não tem nada a ver com nenhum dos dois.

            Um feriado.

            Uma dor na alma.

            E tudo ficou ainda mais confuso, ainda mais difícil.

            Algo em mim quer pegar o primeiro trem e chegar até ele. Um pedaço quer sorrir porque definitivamente o “costeletas” jamais ficará perto dela novamente, jamais ligará no momento errado, jamais terá sua foto na tela do computador. Mas um pedaço sente a dor dela, sente a voz pelo telefone, e percebe que nada está bem.

            Depois de se despedir, preciso ir para meu quarto me trancar enquanto busco a força necessária para me manter assim. Longe dela. Longe da dor dela. Me segurando. Mantendo meus sentimentos em silencio. Eu não posso dizer o que sinto sem ter a certeza de que nada sairá fora do controle. Porque ter o controle é o que me mantem firme.

            Com o som ligado eu consigo entender perfeitamente o que o cantor quer dizer, eu não o conheço e nem mesmo sei como cheguei até sua música, mas ela diz que “E mesmo se o tempo passar por mim... Eu ainda não posso voltar atrás”. Eu não poderia desistir de tudo, mesmo que ficar com ela fosse melhor e mais agradável. Mesmo que com ela eu fosse eu mesmo.

            “Porque todos os sonhos que você nunca pensou que iria perder... Foram jogados fora ao longo do caminho.” Me vejo lembrando não apenas em como ela parecia assustada na primeira vez que a tirei do quarto, e também como parecia feliz sempre que falava sobre a melhor amiga, e sobre o “costeletas”. E agora todos os seus sonhos, todas as expectativas tinham sido jogadas fora.

            Muito parecido comigo, com meus sonhos de acabar a escola e poder finalmente decidir onde morar, e poder voltar para a minha casa, para onde minha mãe sempre esteve me esperando. E por um motivo desconhecido não sei se o futuro permanecerá do jeito que imaginava, se terei para quem voltar.

“E cartas que você nunca quis mandar... Foram perdidas ou jogadas fora” Porque o medo faz isso. Ficamos esperando os momentos certos, mesmo sabendo que talvez eles nunca cheguem, porque nós que deveríamos transformar os momentos, em inesquecíveis. Nossas cartas sempre escondidas em mangas, e em bolsos, e de repente tudo perdido. Ela com o medo de perguntar o que o “idiota” com bandinha sentia, e eu com medo de dizer o que sinto. De colocar um fim naquilo que se tornou acomodação, e me deixar levar por um sentimento forte e novo. Nossas cartas enterradas.

“E agora nós crescemos como órfãos... Que nunca souberam seus nomes” Nós somos tão parecidos, e nem é pelo medo, ou por estarmos descobrindo o quanto o mundo pode ser decepcionante. Mas nós crescemos com pais tão idiotas e mesquinhos. E mesmo que ache o meu incrivelmente pior que o dela, sei o que significa querer ficar o mais longe possível daquele que te deu a vida. Realmente é como se tivéssemos crescidos como órfãs de boas influências. Crescemos como filhos de pessoas quem nunca souberam nossos nomes, nossos desejos.

“Nós não pertencemos à ninguém... Isso é uma vergonha” Porque deveríamos pertencer. Eu por exemplo não tenho nem mesmo uma nacionalidade, e enquanto tento disfarçar que sou uma mistura só gostaria de ter um lugar fixo, só gostaria de pertencer a algo. Isso é uma vergonha, mas talvez eu queira pertencer a alguém, pertencer a ela.

E pertencer a ela talvez fosse a única chance de pertencer a algo.

“Mas se você pudesse se esconder ao meu lado... Talvez por um instante” Estou escutando nossa conversa no telefone, mesmo que agora já tenha se passado horas. A mesma música tocando faz com que eu esqueça de que o tempo passa, e passa rápido. Ela parecia tão triste e com a voz tão pequena. Eu queria ter sugerido que ela viesse para cá. Mesmo que isso nunca fosse acontecer.

Mas no final apenas fugi dos meus sentimentos e apenas a comparei ao meu melhor amigo. Ela provavelmente deve me achar um insensível. Mas talvez por um instante pudéssemos voltar ao dia de ação de graças, e dessa vez ela pudesse se esconder ao meu lado, do mesmo jeito que me escondi ao lado dela. Por um instante.

“E eu não vou dizer para eles o seu nome... E eu não vou dizer para ninguém o seu nome” Porque será somente nosso segredo. Somente nós dois saberíamos como aqueles dias foram especiais. Um segredo não por vergonha, apenas para que seja um momento só nosso, meu e dela. Eu gosto de dizer “eu e ela”. É como se realmente existisse nós dois, juntos.

Quando acordo escuto a música ainda tocando, porque eu esqueci de desligar o “repetir”, e mesmo que tentando não consigo deixar de pensar nela, e nos nossos momentos. E em como eu gostaria de acordar ao lado dela e fingir que durmo apenas para escutar sua respiração, e sentir o perfume de limpeza em seu quarto, e saber que ao abrir os olhos poderei enxergar sua mecha branca, e os pijamas engraçados que ninguém mais usaria.

E pela primeira vez desde que desci do avião penso em como o tempo poderia passar mais rápido. Em como eu poderia voltar para Paris e voltar a vê-la. Pela primeira vez não consigo evitar o impulso de falar com ela.

Então só me resta ligar o computador e tentar bancar o melhor amigo que na realidade queria estar junto dela.

“Já se acostumou ao fuso horário? Que droga, não consigo dormir. Eu ia ligar, mas não sabia se você está acordada ou fazendo qualquer coisa com sua família. A neblina na baía é tanta que não consigo ver através da janela, mas, se pudesse, certamente descobriria que eu sou a única pessoa viva em São Francisco”

...

Depois de escrever milhões de e-mails esse foi o menos ruim, ela não se assustaria e não entenderia errado, ou certo. Mas depois de nenhuma resposta quem começou a ficar ansioso fui eu.

Já acordou?

Acorda. Acorda, acorda, acorda.”

Ficar sem vê-la me fez perceber uma coisa. Não quero que ela seja meu esconderijo apenas por um instante. Quero que Anna Oliphant, viciada em limpeza, com complexo de ser americana e critica de cinema, seja meu esconderijo para sempre.

Só preciso descobrir um jeito de ajeitar as coisas. De arrumar minha vida, antes de me deixar arrumar a “nossa” vida. Porque um dia devemos ser “Anna e Étienne”. Seremos um lar. Porque lar não é necessariamente um lugar, mas sim uma pessoa.

Anna é meu lar.

            


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Notas finais do capítulo

Essa one só existi por causa de umas pessoinhas que meio que me convenceram... Então espero que elas gostem... beijos Winnie e Mayara!!! PS: Acho que a dona Maga vai gostar também.



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