Semana de volta as aulas. Quando o seu despertador toca, Nhonho já havia se levantado há um bom tempo. Ele se olha no espelho. Ele está triste.  

Ele se veste, mas nem tem motivação para pentear o cabelo. Ele pega a escova, mas no meio do caminho ele desiste. Na sala de jantar seu pai toma café e lê o jornal como em todas as manhãs.

“Você vai receber o aluguel hoje?”

“Sim.”

“Quero ir com você depois da escola.”

“Tudo bem.”

Depois de tomar o café, Nhonho pega sua mochila e vai esperar o pai no carro.

*

Na hora do intervalo, Nhonho dessa vez sai da sala de aula. Geralmente ele fica na sala estudando, ou então vai direto pra biblioteca. Dessa vez ele resolveu comer seu lanche como todos os outros alunos.

Ele avista Chiquinha, que está sozinha e de cabeça baixa. Ele se aproxima. Ela não fala nada por alguns bons segundos.

“Cadê o Quico?” Nhonho pergunta para tentar quebrar o gelo.

“Não sei e nem quero saber.”

“Ainda ta com raiva de mim?”

“Não é isso...” Os dois continuam com um silêncio constrangedor. “Desculpa por ter ficado com raiva de você. Você foi mais vítima do que o Chaves.”

“Você gosta muito dele não é?”

“Que nada...”

“Ele só levou um tiro no braço por minha causa e você já ficou sem falar comigo por quase uma semana...”

“O que importa é que ele já tá bem agora. Desculpa mais uma vez.”

“Tudo bem.” Os dois continuam em silêncio por mais alguns segundos. Nhonho insiste. “Cadê o Quico?”

“Nem me fala esse nome.”

“Por que?”

“Ele fez uma parada aí.”

“Que parada?”

“Não posso te contar.”

“Por que?”

“Não posso, deixa pra lá.”

“Eu não vou sair contando pra todo mundo... até porque pra quem eu iria contar? Vocês são meus únicos amigos.”

Chiquinha olha pra ele com uma feição tenra. Ela nunca havia parado pra pensar em como aquele garoto sentado ao seu lado era solitário. Ela só percebeu quando essas palavras saíram de um modo triste da boca de Nhonho. E depois de pensar sobre, ela decide contar para Nhonho que Quico havia revelado naquela noite da boate.

“Você, jamais, pode contar isso pro Chaves, ouviu?” Chiquinha enfatiza, logo após contar a história nos mínimos detalhes.

“Claro... ele ficaria devastado. Só de pensar em seu melhor amigo transando com a garota que você ama.” Depois de pensar sobre o que acabara de falar, Nhonho muda de assunto. “Você achava mesmo que o Quico era gay?”

“Sim... e ainda tenho minhas dúvidas.”

“Por que?”

“Eu tenho um amigo gay que uma vez me disse que viu um dos meus amigos em uma boate gay, mas não quis dizer quem era.”

Nhonho muda de assunto, e então os dois começam a conversar sobre outras coisas. Ao longo da conversa, Nhonho percebe que deveria fazer aquilo mais vezes. Contato humano.

*

Como prometido, o Seu Barriga busca o Nhonho na escola e esses vão direto para a Vila. Seu pai vai cobrar os inquilinos enquanto Nhonho vai procurar pelo Chaves.

Antigamente era fácil de encontrá-lo, era só procurar no barril. Hoje em dia Nhonho procura nas casas dos amigos até achá-lo na casa da Paty.

“Entra aí Nhonho.” Paty abre a porta e convida carinhosamente para entrar.

A casa de Paty está dessarumada. Caixa de pizza pelo chão, peças de roupas espalhadas e algumas latas de cervejas em cima da mesa de centro que fica na sala. Sobre a mesma mesa está os pés do novo namorado da Paty, quer dizer, depois de uma semana não é o novo namorado da Paty... e ao lado do namorado da Paty está o Chaves. Ele tá uma tipóia no braço esquerdo. Nhonho se senta no sofá menor.

“Ei...” Ele fala com Chaves.

“E ai cara, beleza?”

“Como é que você tá?”

“Tô bem... e você?”

“Sério, ta tudo bem com seu braço, ta se recuperando normal?”

“Claro, não se preocupa”

“Ei, eu já falei antes e vou repetir... qualquer despesa com seu braço eu posso pagar, sem probl...”

“Ei, sério... não precisa. Tô super de boa”

Nhonho olha nos olhos do Chaves e viu que ele estava mesmo “de boa”.

“Obrigado mais uma vez.” Nhonho agradece com toda sinceridade e ternura.

“Sem problemas cara... vamo assistir esse filme.”

“Não posso, tenho que ir fazer o dever de matemática...”

“Que dever de casa?” Paty que estava beijando o namorado se assusta ao ouvir Nhonho falar sobre os deveres de casa.

“O que o professor passou?”

“Também não tava lembrando.”

“Puta merda, eu sou péssima em matemática...” Lamenta Paty.

“Eu posso te ajudar se você quiser.”

“Ninguém melhor pra te ajudar do que o Nhonho.” Chaves elogia o amigo dando um tapinha nas costas do mesmo com o seu braço bom.

“Ou, você poderia fazer pra mim né.”

“Mas aí você não vai aprender matemática.” Retruca Nhonho.

“É verdade Paty, aliás, ele já tá fazendo o meu trabalho.”

“Eu tô?” Nhonho pergunta confuso.

“Claro.” Ele olha para o braço ferido.

“É, eu vou fazer o trabalho do Chaves.”

“Argh... ta bom. Eu vou na sua casa e você me ajuda. Às 3 ta bom pra você?”

“Sim.”

Nhonho então se levanta pra ir embora, e Chaves também. Ele vai acompanhá-lo até a porta da vila. Os dois vão conversando, e Nhonho eventualmente pergunta se não era estranho ele ficar segurando vela pra garota que ele ama. Chaves dá com os ombros e chuta o chão, sem responder nada. E Nhonho então agradece mais uma vez por Chaves ter lhe salvado a vida. E depois disso, Seu Barriga saí e ele e seu filho vão embora. Poucos segundos depois um forgão preto aparece na frente da vila, Chaves já estava de costas, entrando na vila, quando ouve seu nome. Ele se vira e dois homens o seguram e o jogam dentro do forgão.