O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 71
VIII.9 Quase tarde demais.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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Eu e Maron fugíamos pelas montanhas a pé, para não utilizar muita energia e passarmos, assim, despercebidas durante a nossa fuga desesperada.

Julep já não nos perseguia. Tinha sido apanhado por uma terrível explosão que destruíra parte do templo e acabara soterrado nos escombros, o que nos dera o espaço necessário para criarmos distância e, possivelmente, disfarçar de tal maneira a nossa presença que fosse impossível dar novamente connosco.

Maron mostrava-se paciente comigo por ser tão lenta, nunca me apressou. Vigiava a nossa retaguarda repetidas vezes, assegurando-se que continuávamos longe de eventuais perseguidores. Eu não estava habituada a atravessar desfiladeiros e a saltar rochedos, mas tentava fazê-lo o melhor possível, considerando que estava a usar um vestido comprido que me atrapalhava os movimentos.

A bainha ficou presa num pedregulho. Puxei-o e abri um rasgão no tecido. Maron olhou-me de esguelha, fez uma careta.

- Vê lá se o podes estragar… Esse vestido soa-me a presente especial de Zephir.

Perguntei-lhe aborrecida:

- Estás a troçar de mim?

Olhou para mim com os olhos semicerrados, com a mesma expressão indiferente e sobranceira da mãe, número 18. Respondeu-me com a voz afetada:

- Não.

Torci a boca. Continuava a pensar que troçava de mim.

- Não pretendo estimar o que quer que seja que venha daquele feiticeiro. Não lhe pedi isto… É tão pouco prático, especialmente para fugir.

- Porque é que o vestiste, então?

- Tinha escolha? Era prisioneira dele, estava cheia de medo… Não sei defender-me com os punhos como tu.

Retomou a caminhada, eu segui-a. Perguntou-me de repente, sem se voltar:

- E porque é que estás sempre a mexer nisso?

Soltei o medalhão, nem me tinha apercebido que estava a agarrar outra vez no triângulo dourado. Encolhi os ombros.

- Não sei… Acalma-me, acho eu.

- Esse objeto mete-me mais medo do que qualquer guerreiro de Zephir.

Estranhei a confissão.

- Porquê, Maron?

- Primeiro, porque não posso tocar nesse medalhão. Depois, porque ao andares com isso ao pescoço tenho a certeza que teremos um demónio atrás de nós ou outro monstro qualquer enviado por Zephir.

- O que queres que eu faça? Não o posso deitar fora. Além disso, o feiticeiro haveria sempre de me perseguir, com ou sem medalhão.

Parou. Parei atrás dela. Olhou para o céu, crispando os punhos. Senti o habitual arrepio de um mau pressentimento gelar-me por dentro. Empurrou-me repentinamente berrando, parecendo mais assustada que eu:

- Foge!

Não consegui. Uma luz ofuscante serpenteou vinda do alto, atravessou-se entre mim e Maron. Desequilibrei-me, caí batendo com as costas num rochedo pontiagudo que me esfarrapou o vestido. Escutei um baque seco, um grito, o ar tremeu.

- Maron? – Chamei.

Apareceu um homem, com uma estatura mediana, sem aquela imponência melindrosa dos demónios gémeos. Mas seria muito poderoso, porque os músculos estavam bem desenhados, tinha um porte seguro, o aspeto de lutador convencido e invencível. E tinha também aquele odor particular que eu aprendera a distinguir. Notei-lhe a cabeleira negra desgrenhada, espetada em todas as direções, como uma assinatura única que o identificaria ante os da sua raça. O saiya-jin de Zephir.

Maron soerguia-se apoiada num cotovelo, levava uma mão à boca que sangrava.

O saiya-jin voltou-se para mim. Estava carrancudo, contrariado, era mais medonho que qualquer demónio, notei o “M” negro na testa, a marca do Makai. Tinha a impressão que era capaz de me desfazer só por capricho, mas que não o fazia por causa das ordens de Zephir. Contemplou demoradamente as duas metades do Medalhão de Mu. Procurava por aquilo, não por mim. Mas acabara também por me encontrar e eu não acreditava que o conseguiria convencer a deixar-me para trás se lhe entregasse o medalhão. Mas iria tentar. Com a mão a tremer agarrei em ambas as correntes douradas.

Quando ia abrir a boca para propor o negócio, o saiya-jin sumiu-se do meu campo de visão. Arquejei com a surpresa. Maron surgiu de pé, ofegante, a baixar a perna que utilizara para pontapear o inimigo, dizendo zangada:

- Eu disse-te… para fugires.

Levantei-me com as pernas a tremer. Ao dar um passo, tropecei na bainha do vestido e caí de joelhos. Rebolei, levantei-me e quando me obriguei, finalmente, a correr ouvi Maron gritar. Não consegui avançar mais. Olhei por cima do ombro e vi que o saiya-jin tinha voltado e que a segurava pelos braços, levantando-a no ar. Os pés dela agitavam-se a poucos centímetros do solo.

- Atacaste-me? Vais pagar pela ousadia, miúda estúpida!

Apertou-lhe os braços com mais força, esmagando carne e osso. Maron gritou mais alto e o meu coração subiu-me até à garganta. Comecei a rastejar às arrecuas, sem contudo despegar os olhos daquela cena de tortura.

Maron berrava a plenos pulmões, o eco reverberando pelas montanhas como uivos dolorosos. Tentava soltar-se, tentava lutar, mas era demasiado fraca para aquele saiya-jin sem piedade que sorria excitado perante o sofrimento que lhe estava a causar.

Eu deveria fazer alguma coisa, pensei, atarantada com o fluxo de adrenalina que me fazia ter medo até de respirar. Fechei os olhos. Qualquer coisa serviria, qualquer coisa para acabar com os gritos.

Sem que fosse um gesto expectável, as mãos do saiya-jin abriram-se e soltaram Maron. Tinha perdido os sentidos. Não a deixou tocar no chão, agarrou-a pela blusa, susteve-a no punho. Alçou o outro punho e socou-a brutalmente na cara. Vi o sangue espirrar, pingar junto às sabrinas cinzentas que eu calçava.

Então, soltou-a. Maron caía. Em câmara lenta. Eu inspirei profundamente, a aresta de um dos triângulos dourados a abrir um sulco profundo na palma da minha mão. O saiya-jin assestou-lhe outro soco, Maron soltou um ronco. Embateu bruscamente nas rochas, ao meu lado esquerdo. Desapareceu.

Então, levantei-me. Corri para onde Maron tinha caído. Devia correr para sair dali, fugir daquele saiya-jin que era bem capaz de me dar uma sova para melhor me transportar de volta ao Templo da Lua, mas não. Corri para me juntar a Maron, saber se estava muito ferida, protegê-la sabia lá com que forças ou com que ideias, pois eu não sabia lutar e não estava a conseguir raciocinar.

Mas um braço puxou-me. Fiquei sem chão onde correr. Voava, transportada por alguém. Gemi, a derramar lágrimas cobardes.

A viagem foi curta.

Escutei o ruído inconfundível de um soco. Consegui ver o saiya-jin a cair, derrubado por um qualquer golpe traiçoeiro. Atiraram comigo, aterrei de gatas. Senti um par de mãos a segurarem em mim. Era Maron, zonza, com um olho negro, os cabelos loiros desalinhados, sangue a correr de um sobrolho aberto e da boca rebentada, que me ajudava.

Tentei perceber o que é que se estava a passar.

A resposta estava à minha frente. E o meu coração deu um salto quando os vi. Nunca me pareceram tão especialmente belos como naquele momento que iria recordar até ao final dos meus dias.

- Goten! Trunks! - Exclamei.

- Maron, consegues levar a Ana? – Perguntou Goten.

Ela agitou a cabeça numa espécie de aceno.

- Hai

- Depressa, fujam daqui. Isto vai ficar demasiado perigoso.

Olhei para Trunks, que estava de costas e vigiava os movimentos do saiya-jin que se sumira algures atrás de umas rochas que soltavam baforadas de poeira. Quis abraçá-lo, mas o braço de Maron a segurar na minha cintura com firmeza indicava que não havia tempo para esse tipo de reencontros.

Trunks voltou-se para Goten.

- Lembras-te do que te disse?

- Hai. Keilo é um saiya-jin que atinge o nível três dos super saiya-jin.

- E nós só atingimos esse nível com aquela nossa técnica especial.

- Estou preparado!

- Ainda te lembras dos passos? Olha que não podemos falhar… Não temos margem para isso.

- Eu sei.

O saiya-jin levantou-se com um salto, lançando as rochas que o cobriam pelo ar. Estava furioso, iria devolver a humilhação de ter sido atacado à falsa fé com uma punição exemplar. Berrou:

- Vão pagar esta afronta, seus fedelhos! Não vou ter qualquer misericórdia. Preparem-se para morrer hoje!!

Trunks e Goten afastaram-se ligeiramente um do outro, criando um pequeno espaço entre eles. Adotaram cada um a respetiva posição, como se um fosse o espelho do outro e começaram um bailado em simultâneo, três passos em bicos dos pés, os braços a descrever uma curva por cima das cabeças.

- Fu

Inclinaram-se um para o outro. Tocaram-se com os dedos indicadores esticados. Os seus corpos formavam um arco perfeito, sincronizado.

- …sion!!!

Um brilho intenso inundou aquele desfiladeiro rochoso. Eu fechei os olhos para os proteger daquela luz intensa e quente. Escutei o grito assombrado do saiya-jin.

Quando o brilho se diluiu, entreabri uma das pálpebras para espreitar o que se passava. Já não havia Trunks, nem Goten. Os dois tinham-se fundido num só. Eu conhecia aquela técnica, Maron também. Mas o saiya-jin não. E já não estava furioso, mas completa e totalmente pasmado ao presenciar aquele fenómeno.

Gotenks riu-se. Era uma mistura dos risos de Trunks e de Goten. A sua voz era igualmente uma mistura das vozes dos dois rapazes quando se dirigiu ao saiya-jin com um indesmentível toque de presunção:

- Surpreendido com esta técnica, Keilo? Hum… Já vi que mesmo sendo o famoso super saiya-jin lendário, ainda te falta aprender muitas coisas. Pois aprende comigo!

O saiya-jin recuperou a postura de desafio. Recuperou ainda a fúria, o despeito, o orgulho e a maldade. Cerrou os punhos, convocou toda a raiva que fervia no seu coração negro. Surgiu um vendaval que começou a fustigar o desfiladeiro com pequenas pedras.

Gotenks pediu a Maron:

- Leva-a daqui. Rápido!

O segundo aceno de Maron foi mais assertivo. Gotenks aproximou-se. E fez algo inimaginável para um guerreiro empedernido que combatera adversários terríveis e que atingia um nível superior de poder dos super saiya-jin.

Agarrou no queixo de Maron e no meu queixo, ao mesmo tempo. Entreabriu um sorriso sedutor e mágico. Olhou para Maron, olhou para mim.

- Hum… Os meus dois amores.

Inclinou-se devagar. Beijou Maron. Depois, beijou-me a mim. Sorriu para as duas, piscou-nos o olho.

Afastou-se para ir enfrentar o saiya-jin.

Ainda sentia na boca a frescura dos lábios daquele personagem que não era mais que metade Trunks e metade Goten, mas que possuía a personalidade mais estranha deste mundo, quando gaguejei:

- Esse Gotenks não regula lá muito bem, pois não?…

- N-não.

Gotenks chamou o saiya-jin para o combate. Altivo e soberbo como um herói, achei-o irresistível naquela pose de punhos apoiados na cintura, pernas afastadas, a cabeça bem levantada, a cabeleira rebelde de cor negra, com madeixas cinzentas.

Maron puxou por mim, arrancou-me dos meus sonhos e fui atrás dela, que coxeava ligeiramente, não que isso fosse empecilho pois o passo manco dela era determinado.

Deixámos Gotenks e o saiya-jin para trás. Esqueci o maravilhoso Gotenks. Afinal, ele não existia. Aparecia só de vez em quando para defrontar algum adversário excecionalmente forte. Quem existia era Trunks e era o filho de Vegeta que dava metade da magia a Gotenks. Goten dava a outra metade.

Uma explosão fez tremer o céu e a terra. Agarrei-me a Maron com o susto. Ela não esboçou qualquer palavra ou gesto para me tranquilizar. Também se assustara.

O combate entre Gotenks e Keilo começava.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O melhor combate de sempre.



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