O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 46
V.13 Shenron.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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A cortina de água ocultava a minha presença e era aí que me escondia, encharcada e enregelada, espalmada contra as rochas escorregadias. Tremia sem parar, agarrando-me ferreamente à bola de dragão de quatro estrelas.

Regressara à cascata, parecera-me um lugar suficientemente seguro para me esconder, disfarçado entre a vegetação cerrada. Mas se de manhã parecera um refúgio dos deuses, ao anoitecer assemelhava-se a uma armadilha do inferno.

Esperava numa solidão desencorajante.

Tentava ter pensamentos agradáveis e não sucumbir ao desespero, mas tornava-se cada vez mais difícil à medida que ficava mais escuro, que os minutos passavam sem que nada acontecesse, que eu ficava cada vez mais gelada. O ruído da água a cair no lago começava a cansar-me e a secar os derradeiros restos de esperança.

A vegetação moveu-se, provocando um restolhar diferente, pesado. Não era um animal, era alguém a rondar o sítio. Entrevi-lhe a silhueta para além da cascata. O demónio tinha chegado. Fechei os olhos, sustive a respiração, espalmei-me ainda mais contra as rochas escorregadias, escondi a bola de dragão atrás das costas.

Ele procurava, devagar, aumentando a minha tortura. Parou. Via-o como uma imagem ondulante, filtrado pela água. Estava mesmo à minha frente. Não se mexia, tinha provavelmente encontrado onde me escondia. Arrepiei-me.

Uma mão penetrou na cascata, agarrou-me, puxou-me. Um duche gelado molhou-me da cabeça aos pés, calou-me o grito, engoli água, tossi. Num reflexo sacudi o braço, ele soltou-me. Estranhei. Na meia-luz reconheci-o. O meu coração deu um salto – de alegria, de surpresa. Os meus olhos escancararam-se e desatei a chorar de alívio.

- Go… Go-Goku?

Abracei-me a ele, apertei-o contra mim. Estava quente, era saboroso, sólido, real. Um corpo maravilhosamente esculpido sob uma pele suave, o coração a bater compassado. Ouvia-lhe o coração e chorei ainda mais com esse milagre. Adorei conhecer-lhe o cheiro, um suor doce, levemente almiscarado, tentador. Estava a enlouquecer, ali, nos braços do herói, numa intimidade inusitada…

Ou melhor, era eu que o abraçava.

Acho que me concedeu tempo para que me acalmasse.

Depois, segurou-me pelos ombros e foi só então que me tocou, separou-me dele, inclinou a cabeça um pouco para a direita, mostrou-me um sorriso sereno.

- Já acabou. Estás a salvo.

Ficara ligeiramente confuso com o meu abraço, percebi.

- Estás a tremer… Espera, vou secar-te para que te sintas melhor.

- Como é que… vais fazer isso? – Perguntei acanhada.

Não me importava com novo abraço, mas desta vez que fosse ele a ter a iniciativa. Agarrava-me, apertava-me, aquecia-me. Mas em vez de me abraçar, estendeu a mão direita sobre a minha cabeça. Soltou um grito breve, uma onda invisível de calor desceu por mim e fiquei seca, confortável.

Saímos da proximidade da cascata. Já não tremia. Goku perguntou-me:

- A bola de dragão?

- Está aqui.

Quando lha mostrei, brilhou com intensidade.

- Ah!... Porque é que está a brilhar assim?

Enfiou a mão dentro da túnica, exibiu a esfera que guardava aí.

- É por estar perto de outra bola de dragão.

Riu-se como um menino. Adorava aqueles detalhes, aqueles mistérios simples que encantavam as crianças, magia inocente em estado puro. Ri-me com ele.

- Ana-san, com essa tua bola já temos as sete bolas de dragão e podemos convocar o dragão sagrado.

- Ah! – Exclamei. – Vou ver Shenron?

- E vais falar com ele. Vais ser tu que vais pedir o desejo. Vamos?

- Hai.

Toquei-lhe nas costas, agora timidamente, sem a ousadia de há pouco, preparando-me para viajar com ele. Goku inclinou o pescoço, para juntar os dois dedos à testa e no instante de um piscar de olhos encontrei-me na clareira da cabana. Foi uma viagem menos agitada do que a primeira vez que experimentara a Shunkan Idou, apenas me causou uma ligeira impressão na barriga, talvez porque a distância percorrida foi mais curta.

Os olhos azuis de Trunks cintilaram quando eu apareci.

Pelos vistos, estavam à nossa espera com alguma ansiedade. Vegeta, Piccolo, Goten e Trunks. E também Toynara. A clareira estava esturricada e da cabana, nem sinal. O combate com o demónio tinha sido duro e reparei que Piccolo estava ferido.

Vegeta abriu um cofre prateado e despejou três bolas de dragão junto a outras duas que já estavam no chão. Goku depositou a sua bola de dragão e, por último, também eu deixei a bola de dragão que guardara comigo na minha fuga atribulada.

Goku reforçou o que me já tinha dito.

- Ana-san, vais ser tu que vais pedir a segunda metade do medalhão de Mu a Shenron, entendido?

Fiz um gesto afirmativo com a cabeça.

- Acho que podemos tocar apenas numa das metades do medalhão, só não podemos tocar no medalhão inteiro. Mas, pelo sim, pelo não, deves ser tu a pedir o desejo e agarrar no medalhão.

- Certo – respondi, sem convicção.

O sorriso de Trunks, tão cintilante quanto os seus olhos, deu-me toda a confiança que precisava naquele momento em que eu era o centro das atenções.

No chão, as bolas de dragão brilhavam, como pedras redondas incandescentes. As estrelas vermelhas no interior apagavam-se com o brilho intenso.

Goku aproximou-se das sete bolas de dragão, elevou a voz e apelou num tom solene:

- Shenron! Nós invocamos-te. Vem até nós para que concedas os nossos desejos.

Era estranho ouvi-lo dizer aquelas palavras complicadas, mas era uma fórmula que repetira várias vezes ao longo da sua vida que provavelmente já fazia parte dele, da memória e da matéria.

As bolas de dragão brilharam com mais intensidade e começaram a soltar pequenos feixes de luz intermitente. O céu tornou-se abruptamente escuro, mais escuro do que uma noite normal. O brilho das bolas de dragão aumentou até se formar uma espécie de neblina amarela por cima do conjunto. Do céu negro vinham grandes relâmpagos que estalavam por todo o lado.

 Então, a neblina engrossou e um dos relâmpagos do céu caiu sobre as esferas e, como se fizesse ricochete, irrompeu destas transformado num raio volumoso e muito brilhante, que subiu até furar as nuvens das alturas. Os relâmpagos prosseguiam, ameaçadores, ensurdecedores.

O raio, depois de atravessar as nuvens, descreveu uma curva e mergulhou na nossa direção, começando a ganhar forma. Surgiram patas, uma crista escamosa, a cabeça de um dragão. Com um rugido aterrador, aquele que nascera do poder das sete bolas de dragão, aparecia em todo o seu esplendor.

Shenron era impressionante! Recortado na escuridão da abóbada celeste, tinha a majestade dos animais míticos.

O dragão sagrado rugiu uma segunda vez. Encolhi-me com aquele rugido ensurdecedor. Vi Toynara embasbacado e pálido, de rosto voltado para os céus.

Shenron disse:

- Reuniram as sete bolas de dragão e chamaram por mim. Aqui estou, ao vosso serviço. Digam-me: quais são os dois desejos que querem ver realizados?

Goku deu-me um leve toque nas costas.

- Ana-san…

O tamanho descomunal daquele animal que nascia do chão, de uma poça luminosa onde se juntavam sete esferas brilhantes, intimidava-me, mas não fraquejei e com toda a coragem pedi:

- Shenron, queremos a segunda metade do Medalhão de Mu. É esse o nosso desejo… É possível?

O dragão regougou. As barbas esverdeadas ondulavam, a enorme cabeça vagueava no espaço. Uns segundos de ansiedade e, depois, Shenron respondeu:

- Fácil. O vosso primeiro desejo será atendido.

Instintivamente estendi a mão direita.

Os olhos vermelhos de Shenron brilharam e um raio desceu dos céus até mim. Desviei a cara com a aflição, pensei que me iria queimar. Mas ao sentir o toque frio do metal, olhei sem medo e tinha a segunda metade do Medalhão de Mu a pesar-me na mão.

- Já o temos! – Exclamou Goku.

Vegeta sorriu. Trunks e Goten saltaram e gritaram de alegria. Piccolo sorriu discretamente.

O vozeirão de Shenron interrompeu a nossa pequena celebração de vitória.

- O vosso primeiro desejo está cumprido. Qual é o vosso segundo desejo?

Goku admirou-se:

- Segundo desejo?

- É verdade, temos direito a dois desejos - lembrou Piccolo. - Ao criar estas bolas de dragão, Dende conferiu-lhes mais poder.

- E o que vamos pedir como segundo desejo? - Perguntou Goku a coçar a cabeça.

- Porque é que não mandamos Shenron embora? - Opinou Vegeta. - Voltaremos a convocá-lo daqui a dois meses. É possível e já foi feito.

- Pode ser…

- E o que vamos pedir daqui a dois meses? – Perguntou Goten.

- Não sei. Qualquer coisa. O que nos vier à cabeça nessa altura – replicou Vegeta.

- Então… Vamos mandar Shenron embora? - Perguntou Goku a olhar para cima.

- Não - disse eu.

Todos olharam para mim.

- Não, existe um segundo desejo. – Levantei a cabeça e interroguei o dragão. – Shenron, podes ressuscitar todos aqueles que perderam a vida quando Zephir conquistou o Templo da Lua?

- Nani?! – Exclamou Vegeta ao ouvir tal pedido.

Toynara reagiu com igual surpresa. Fixou-me uns olhos esgazeados, húmidos.

- Queres ressuscitar os monges e os sacerdotes do Templo da Lua? - Perguntou Goku. – Porquê?

- Porque… Eles são vítimas inocentes de Zephir. – Gaguejei pois Goku tinha uma expressão intensa e exigente. – Acho que merecem voltar a viver porque morreram injustamente.

- Todos os sacerdotes desse maldito templo são feiticeiros, iguais a Zephir – protestou Vegeta.

- Toynara é também um feiticeiro – defendeu Piccolo. – E está do nosso lado, a combater Zephir. Os sacerdotes do Templo da Lua não utilizam a magia para fins malignos, Zephir é uma exceção. O templo existe há muitos anos e nunca causou qualquer problema.

- Concordo com Piccolo – disse Goku. – E com a Ana-san. Vamos ressuscitar todos aqueles que morreram por causa de Zephir. De qualquer modo, haveríamos de o fazer, se o feiticeiro atacasse alguma cidade do planeta e matasse todos os seus habitantes.

Vegeta virou-lhe costas, cruzando os braços.

- Humpf…

O que queria dizer que estava de acordo. O feitio daquele saiya-jin roçava o insuportável, pensei.

Goku voltou-se para o dragão e foi ele que pediu o segundo desejo:

- Shenron, queremos que devolvas a vida a todos aqueles que foram mortos por Zephir.

Como fazia sempre, Shenron rosnou e demorou alguns segundos antes de responder.

- Não posso ressuscitar todos.

- Nani? Porquê? - Perguntou Goku admirado.

- Existem alguns que já ressuscitei quando, no passado, foram mortos por Cell.

- Mas podes ressuscitar os outros, não podes?

A cabeça do dragão oscilou.

- Será muito fácil.

Os olhos vermelhos de Shenron brilharam pela segunda vez naquela noite, o que significava que os amigos e companheiros de Toynara viviam novamente. Espreitei-o, não mostrava o menor indício de emoção, ou sequer de gratidão. Encerrava-se na redoma do seu mundo interior atormentado. Não me importei, não precisava da sua admiração. Sentia-me de algum modo feliz por ter contribuído para alguma coisa de bem, no meio de toda a desgraça que sucedia desde que Zephir se dispusera a conquistar o Universo.

- Agora que já vos concedi os dois desejos, devo partir. Até à próxima!

Shenron soltou um derradeiro rugido. O corpo esguio esticou-se e desfez-se numa explosão de luz. As sete bolas de dragão seguiram-no. Subiram num círculo perfeito, juntaram-se uma última vez e, depois, desenharam no céu ainda escuro sete riscos luminosos. Separaram-se, cada esfera tomou uma direção, espalharam-se pelo planeta como simples pedras redondas vulgares. Só dali a um ano recuperariam o seu poder e voltariam a exibir as estrelas vermelhas no seu interior.

Missão cumprida.

Guardei a segunda metade do Medalhão de Mu.

Despedimo-nos e cada um regressou à sua casa. Separámo-nos e fomos como as sete bolas de dragão, deixámos um rasto no céu em direções diferentes.

Estremeci. Ir para casa, era sinónimo para mim de franquear, pela primeira vez, os portões da Capsule Corporation.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
A bênção da vida.



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