O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado
O mercado da aldeia tinha terminado e a mulher arrumava na furgoneta as caixas com os legumes e a fruta que não tinha conseguido vender naquele dia. Estava satisfeita com o dinheiro que ganhara, tinha sido um excelente dia.
Descansou as pernas por uns momentos, sentando-se num banco. Limpou o suor da cara com um lenço e deitou uma olhadela à caixinha de papelão onde guardava o amuleto. Trazia-o porque lhe dava sorte. Sempre que o deixava em casa, o dia nunca era tão proveitoso. Arranjara-lhe até um cordão dourado para o pendurar ao pescoço, só que quando o usara dera tanto nas vistas que preferira, dali em diante, guardá-lo num sítio mais discreto.
Mas o amuleto não estava na caixinha de papelão. Abanou-a, entrou em pânico, mas depois lembrou-se que o filho tinha a mania de surripiar-lhe o amuleto e andar a exibi-lo aos amigos, distribuindo bênçãos de boa sorte a todos os pirralhos que conhecia ou que se aproximavam dele. Fungou aborrecida. Não gostava desse tipo de ostentação, podia secar a boa fortuna que o amuleto carregava. Quando o seu filho regressasse, iria castigá-lo.
Recomeçou a arrumar as caixas.
A sombra de alguém sobre a bancada quase vazia chamou-lhe a atenção. Anunciou sem olhar para o cliente atrasado:
- Já fechou. Volte amanhã. Terei legumes frescos.
A sombra não desmobilizou. A mulher empurrou uma caixa para dentro da furgoneta. Limpou as mãos no avental, voltou-se,
- Não me ouviu? Já fe… chou…
As palavras diluíram-se-lhe na boca desdentada.
A sombra pertencia a um homem horroroso e a mulher assustou-se. Era alto, musculado, tinha a pele branca como o leite, cabelo cor-de-laranja, uma argola na orelha direita e uns olhos vazios e vermelhos.
Num gesto brusco, o homem levantou a bancada e atirou-a para longe, desfazendo-a em tábuas. Os olhos viajaram rápidos, perscrutando as caixas fora e dentro da furgoneta. Pararam, as pupilas minguaram. Lançou uma manápula e agarrou na caixinha de papelão. Esmagou-a entre os dedos.
- Onde é que está? – Perguntou.
- Onde está… o quê? – Gaguejou a mulher.
- A bola de dragão!
O homem conhecia a existência do amuleto. A mulher engoliu em seco.
- Eu não tenho nenhuma bola de…
O homem puxou-a pelo avental.
- Ouve-me bem, mulher. Não gosto de me repetir, fico irritado. Volto a perguntar apenas mais uma vez: onde está a bola de dragão?
A mulher cerrou os dentes. Teria de proteger o amuleto, que estava com o filho. Protegia-os aos dois. O homem percebeu a relutância dela, que não nascia do medo, mas da teimosia. Rugiu:
- Sou um dos demónios de Dabura, o Príncipe do Mal. Não me queiras enganar, ou levo-te já esta noite para os Infernos. Eu sei que guardavas a bola de dragão dentro daquela caixinha de papelão. Onde é que está?
A mulher fechou os olhos.
Nisto, ouviu-se um grito:
- Solta a minha mãe. Imediatamente!
O filho chegava, pronto para defendê-la. A mulher estremeceu ao vê-lo, pequeno, espevitado, descalço, calças desfiadas abaixo do joelho, camisa desfraldada. O amuleto pendurado ao pescoço. A magnífica bola brilhou quando um raio de sol a atravessou e o demónio arreganhou os dentes. A mulher gritou:
- Filho, foge!
Mas o demónio era rápido. Soltou-a, agarrou no miúdo pela cabeça, puxou pela bola, partindo o cordão dourado, deixando-lhe um vergão no pescoço. Soltou-o de seguida, o miúdo caiu no chão duro com um gemido. Mas ainda teve ânimo para exigir furibundo:
- Dá-me o amuleto. Não é teu!
A mulher rastejou até ao filho, abraçou-o. Pediu num murmúrio:
- Cala-te, por favor. Deixa-o ir…
- Mas ele está a roubar-nos o amuleto!
- E achas que o podes desafiar, filho? Está calado.
O demónio soltou uma gargalhada.
O miúdo debatia-se, tentava soltar-se dos braços cansados, mas firmes, da mãe. Não compreendia o que estava a acontecer, talvez ela lhe explicasse quando o fosse deitar naquela noite, a incrível sorte que tinham tido por terem provocado um demónio e sobrevivido. E isso também viera da proteção do amuleto. A última vez que os haveria de proteger.
Antes de partir, o demónio fixou neles os seus terríveis olhos vermelhos. Falou para a mulher:
- Dá-te por feliz por tirar-te apenas o precioso amuleto e não tirar a vida a ti e ao imbecil do teu filho.
Aquele olhar haveria de lhe causar pesadelos nas noites vindouras.
Depois, Julep subiu no ar com a bola de dragão de duas estrelas e foi para o Templo da Lua.
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Próximo capítulo:
Uma desforra antiga.