O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 29
IV.2 O amuleto.




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O mercado da aldeia tinha terminado e a mulher arrumava na furgoneta as caixas com os legumes e a fruta que não tinha conseguido vender naquele dia. Estava satisfeita com o dinheiro que ganhara, tinha sido um excelente dia.

Descansou as pernas por uns momentos, sentando-se num banco. Limpou o suor da cara com um lenço e deitou uma olhadela à caixinha de papelão onde guardava o amuleto. Trazia-o porque lhe dava sorte. Sempre que o deixava em casa, o dia nunca era tão proveitoso. Arranjara-lhe até um cordão dourado para o pendurar ao pescoço, só que quando o usara dera tanto nas vistas que preferira, dali em diante, guardá-lo num sítio mais discreto.

Mas o amuleto não estava na caixinha de papelão. Abanou-a, entrou em pânico, mas depois lembrou-se que o filho tinha a mania de surripiar-lhe o amuleto e andar a exibi-lo aos amigos, distribuindo bênçãos de boa sorte a todos os pirralhos que conhecia ou que se aproximavam dele. Fungou aborrecida. Não gostava desse tipo de ostentação, podia secar a boa fortuna que o amuleto carregava. Quando o seu filho regressasse, iria castigá-lo.

Recomeçou a arrumar as caixas.

A sombra de alguém sobre a bancada quase vazia chamou-lhe a atenção. Anunciou sem olhar para o cliente atrasado:

- Já fechou. Volte amanhã. Terei legumes frescos.

A sombra não desmobilizou. A mulher empurrou uma caixa para dentro da furgoneta. Limpou as mãos no avental, voltou-se,

- Não me ouviu? Já fe… chou…

As palavras diluíram-se-lhe na boca desdentada.

A sombra pertencia a um homem horroroso e a mulher assustou-se. Era alto, musculado, tinha a pele branca como o leite, cabelo cor-de-laranja, uma argola na orelha direita e uns olhos vazios e vermelhos.

Num gesto brusco, o homem levantou a bancada e atirou-a para longe, desfazendo-a em tábuas. Os olhos viajaram rápidos, perscrutando as caixas fora e dentro da furgoneta. Pararam, as pupilas minguaram. Lançou uma manápula e agarrou na caixinha de papelão. Esmagou-a entre os dedos.

- Onde é que está? – Perguntou.

- Onde está… o quê? – Gaguejou a mulher.

- A bola de dragão!

O homem conhecia a existência do amuleto. A mulher engoliu em seco.

- Eu não tenho nenhuma bola de…

O homem puxou-a pelo avental.

- Ouve-me bem, mulher. Não gosto de me repetir, fico irritado. Volto a perguntar apenas mais uma vez: onde está a bola de dragão?

A mulher cerrou os dentes. Teria de proteger o amuleto, que estava com o filho. Protegia-os aos dois. O homem percebeu a relutância dela, que não nascia do medo, mas da teimosia. Rugiu:

- Sou um dos demónios de Dabura, o Príncipe do Mal. Não me queiras enganar, ou levo-te já esta noite para os Infernos. Eu sei que guardavas a bola de dragão dentro daquela caixinha de papelão. Onde é que está?

A mulher fechou os olhos.

Nisto, ouviu-se um grito:

- Solta a minha mãe. Imediatamente!

O filho chegava, pronto para defendê-la. A mulher estremeceu ao vê-lo, pequeno, espevitado, descalço, calças desfiadas abaixo do joelho, camisa desfraldada. O amuleto pendurado ao pescoço. A magnífica bola brilhou quando um raio de sol a atravessou e o demónio arreganhou os dentes. A mulher gritou:

- Filho, foge!

Mas o demónio era rápido. Soltou-a, agarrou no miúdo pela cabeça, puxou pela bola, partindo o cordão dourado, deixando-lhe um vergão no pescoço. Soltou-o de seguida, o miúdo caiu no chão duro com um gemido. Mas ainda teve ânimo para exigir furibundo:

- Dá-me o amuleto. Não é teu!

A mulher rastejou até ao filho, abraçou-o. Pediu num murmúrio:

- Cala-te, por favor. Deixa-o ir…

- Mas ele está a roubar-nos o amuleto!

- E achas que o podes desafiar, filho? Está calado.

O demónio soltou uma gargalhada.

O miúdo debatia-se, tentava soltar-se dos braços cansados, mas firmes, da mãe. Não compreendia o que estava a acontecer, talvez ela lhe explicasse quando o fosse deitar naquela noite, a incrível sorte que tinham tido por terem provocado um demónio e sobrevivido. E isso também viera da proteção do amuleto. A última vez que os haveria de proteger.

Antes de partir, o demónio fixou neles os seus terríveis olhos vermelhos. Falou para a mulher:

- Dá-te por feliz por tirar-te apenas o precioso amuleto e não tirar a vida a ti e ao imbecil do teu filho.

Aquele olhar haveria de lhe causar pesadelos nas noites vindouras.

Depois, Julep subiu no ar com a bola de dragão de duas estrelas e foi para o Templo da Lua.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Uma desforra antiga.



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