O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 15
II.6 Surpresas.




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Os kucris desfizeram-se em baforadas fedorentas de fumo entre grunhidos aflitos. Goten respirou fundo, aliviando a tensão dos músculos, verificando satisfeito que o corredor estava totalmente limpo daquelas criaturas horrorosas. Começou a andar com cautela, limpando as mãos na túnica rasgada, vigiando as sombras esquivas do lugar.

Continuou sozinho por alguns metros, pensando no que tinha acabado de acontecer. Encontrara uma rapariga estranha que sabia o nome dele, estava todo coberto de uma papa verde, caminhava no interior do Templo da Lua, quando já tinha saído daqueles subterrâneos.

Encolheu-se subitamente com aquela memória. Tinha combatido contra Trunks até à morte. Ou quase… Não sabia precisar. O certo era que terminara com a sua derrota, um raio a atravessá-lo, a dor funda nas entranhas, perdera o conhecimento.

No fim daquele corredor havia um poço fundo e escuro. Goten espreitou-o. Para baixo não era caminho. Levantou um braço e disparou um raio. Passou pelo buraco que abrira e descobriu-se noutro corredor, mais arejado, menos sombrio.

E se acordava recomposto, dentro daquele emaranhado de passagens, quando fora tão gravemente ferido, só queria dizer uma coisa. Zephir curara-o. Com que intenção, por que motivo, era um mistério, tão ou mais intrincado que a presença daquela rapariga que o conhecia e que, bem vistas as coisas, o tinha retirado da caixa negra onde estivera a restabelecer as forças.

Focou a sua atenção no local, reconhecendo as auras do pai, de Vegeta, de Piccolo. Eles continuavam todos ali, deviam ter passado apenas algumas horas, as suficientes para que ele se curasse. O que, outra vez bem vistas as coisas, fora um golpe inesperado de sorte, pois assim ele podia regressar ao combate e eliminar o maldito feiticeiro.

Subiu uma rampa, viu uma moldura de luz mais adiante e sorriu. Escutou passos nos corredores, os kucris reagrupavam-se. Quando eram derrotados, os que integravam as fileiras mais recuadas desapareciam, camuflavam a sua presença. Mas depois ressurgiam com redobrada agressividade e atacavam com uma ferocidade cega.

Goten não os queria encontrar novamente nos subterrâneos e correu para a moldura de luz. Mas de um corredor, que entroncava naquele, apareceu alguém a correr. Parou, derrapando no chão rochoso. Estava tão distraído com a luz e com a ideia de escapar finalmente daquele pesadelo de escuridão, que não se apercebeu da sua aproximação.

Colocou-se em posição de defesa. Lera primeiro a sua força, descomunal, um adversário de uma têmpera diferente dos kucris, talvez um dos demónios. Depois, reconheceu-o e sentiu a garganta secar.

A memória regressou, como um relâmpago a fender aquele corredor. Voltou a encolher-se.

O outro também tinha parado, ao encontrar quem parecia perseguir e que quisera intercetar naquele cruzamento. Adotara também uma posição defensiva instantaneamente.

Mas algo na imagem que via lhe era estranha, os pormenores não estavam corretos. Gaguejou, baixando a guarda:

- Trunks?...

O tempo parara naquele instante, quando os dois se reconheciam na escuridão.

Recordou, enfurecido, que não devia aligeirar a sua posição. O amigo estava enfeitiçado e tinha-lhe furado as tripas com a intenção de o matar. A dor lancinante e o calor fervente, a memória que o fazia encolher-se regressou e colou-se às traseiras do cérebro, numa amálgama indistinta. Goten atirou-se para cima de Trunks, esmagou-o contra a parede, onde uma tocha ardia. Prendeu-lhe o pescoço com o braço, estrangulando-o, para o observar melhor. E conseguiu ver, com a ajuda do fogo aceso perto do rosto do amigo, que os olhos já não eram vermelhos. Eram azuis… e estavam embaciados.

- Goten-kun… És tu?

O amigo chamava-o pelo nome. Aligeirou a pressão do braço.

- E tu és Trunks-kun?

- Tu estás mesmo aqui?... Vivo? Não és nenhum feitiço?

- Estás a brincar comigo, baka? Tu é que estavas enfeitiçado!

Afastou-se, soltando-lhe o pescoço. Mirou-o confuso, os pormenores continuavam a não estar corretos. Os olhos já não eram vermelhos, claro, mas o cabelo, a roupa, os sapatos, a atitude. Goten recuou, apertando os lábios, sentindo-se gelar. Os pormenores eram importantes e ele não estava a sonhar. Então, pela lógica, aquele não era quem ele julgava que era.

Não conseguiu afastar-se mais, Trunks atirou-se para cima dele, esganando-o num abraço.

- Goten-kun. Tu estás… vivo!

- Hai, estou vivo… Solta-me.

Empurrou-o, quase em pânico.

- Tu não és o meu amigo – rematou.

Foi apanhado pela túnica. Goten sacudiu os ombros, soltou-se, recuou, tentando escapar-se daquela ilusão.

- Espera, Goten! Sou eu, sim… O que é que se passa?

- Como é que podes ser o meu amigo? Tens o cabelo curto e estás vestido com esses calções… Onde está o teu dogi?

- Ora, para ti podem só ter passado nove dias, mas para mim e para os outros passaram nove meses.

- Nani?

- É uma história muito comprida. Não queres que ta conte aqui e agora, pois não? Não temos tempo a perder.

A rispidez com que lhe disse aquilo, com uma pitada de presunção, foi-lhe familiar. Só Trunks é que lhe falava daquele modo. Franziu o sobrolho direito, arqueou o esquerdo, dividido entre a dúvida e a crença.

- Como é que quebraste o feitiço?

- Foi depois de te ter atingido – explicou Trunks e encolheu-se, como se sentisse a mesma dor daquela memória que incomodava tanto Goten. – E tu, como é que ressuscitaste?

- Acho que nunca cheguei a perder a vida. Fui curado.

Abriu os braços, exibiu o rasgão da túnica, a pele imaculada, os músculos abdominais bem vincados.

- Nani? Estás no Templo da Lua. Quem é que te curou?

- Provavelmente… Zephir?

Trunks negou com a cabeça, parecendo assustado.

- Isso não faz qualquer sentido.

- Pois não. Mas estou aqui, não estou?

Um movimento nas profundezas deixou-os alerta.

- Kumis aproxima-se – disse Trunks.

- Hai. É melhor sair daqui. Ouve… Vais contar-me essa história comprida, não vais? Como é que dizes que se passaram nove meses e continuam aqui todos? O meu pai, o teu, Piccolo-san…

Trunks entremostrou um sorriso.

- Claro que ta vou contar, podes contar com isso.

Mas o sorriso, que era tão frágil, desfez-se como se nunca tivesse existido. Trunks acrescentou com a voz embargada:

- Gomen nasai, Goten.

E foi a vez de Goten sorrir.

- Ei… Está tudo bem. Eu estou vivo e tu já não estás enfeitiçado.

Os olhos de Trunks tremeluziram e duas lágrimas escorreram pelas faces, como duas pérolas transparentes, iluminadas de vermelho pela tocha que dava luz à cena. Goten sentiu o coração trespassado pela angústia de estar a ver o amigo a chorar. A sua curiosidade agudizou-se sobre o que tinha acontecido naqueles nove dias, que tinham sido nove meses de distância, em que dormira nos subterrâneos do Templo da Lua.

Um ronco manso e preciso rolou nas profundezas. O chão entrou em convulsão e começou a tremer. As paredes abriram rachas e começou a chover pó. Trunks limpou a cara e disse:

- Isto vai desmoronar-se. Vamos embora daqui.

- Hai!

Os dois desataram a correr para a moldura de luz que se esbatia, como se nunca tivesse estado ali de verdade. Com uma sacudidela mais forte, sumiu-se de vez, ficando tapada por escombros do teto acabado de desmoronar. Trunks travou, puxando Goten pela túnica.

- Isto é uma estupidez. Por que é que estamos a correr?

- Não sei.

Afastou-se, para dar espaço ao amigo que esticava um braço. Com um berro, Trunks enviou um disparo de energia que rasgou tijolo, terra e alicerces até ao exterior. Os dois rapazes impulsionaram-se pelo buraco e quando sentiram o vento frio no rosto rejubilaram. Sorriram, respiraram fundo, bateram punho com punho, como costumavam fazer quando eram meninos e conseguiam fazer alguma façanha na raia do impossível.

O tremor de terra continuava. Olharam em volta, estavam num pátio, ainda dentro do perímetro do templo, delimitado por colunas grossas, no centro havia uma fonte de onde saía um fio de água.

- É o saiya-jin de Zephir – observou Goten a concentrar-se nas vibrações que sentia. – Está a convocar um enorme poder.

- Está a lutar com Goku-san – concordou Trunks, também concentrado. – O saiya-jin de Zephir está a transformar-se em…

- … Super saiya-jin, nível três! – Exclamou Goten.

- Hai!

O tremor de terra terminou e calou-se um grito potente que certamente ecoara por todo o planeta.

- O meu pai também se vai transformar em super saiya-jin, nível três.

- Goku-san está à altura do saiya-jin do feiticeiro, não vai ter problemas em derrotá-lo. Vamos, Goten. Temos de encontrar Piccolo-san e o meu pai.

O pátio foi inundado de passos, grunhidos e rosnadelas. Trunks e Goten esqueceram os lutadores do céu. Colaram costas com costas e encararam os próximos adversários. Os kucris juntavam-se, a rodeá-los rápida e perigosamente, a ocuparem diversas posições para lançarem um ataque em força.

- Estes bichos irritam-me! – Confessou Trunks.

- Não têm energia suficiente para nos derrotarem, mas atrapalham-nos por serem tantos.

- Preparado?

- Hai, Trunks-kun!

No momento em que começava o segundo tremor de terra, quando também Son Goku lançava um grito que vibrava por todos os cantos do planeta e se transformava em super saiya-jin, nível três, os kucris atacaram em magote, garras em riste.

O combate começou. Trunks e Goten varriam a maré negra com pontapés, socos, disparos ocasionais de energia, sem apurar demasiado a técnica. Qualquer que fosse a forma utilizada, o resultado seria sempre igual: os kucris desfaziam-se em fumo, empestando o pátio de um cheiro acre a enxofre. Demasiado fácil, sem preocupações, quase que poderiam derrotar as criaturas de olhos vendados e com um braço atado.

Trunks acabou com três bichos, Goten acabava com cinco. Vinham mais três a caminho, grunhindo, exibindo as presas amarelas e as garras curvadas.

Uma explosão retumbou no interior e abanou os alicerces do templo. Rolos de pó irromperam de uma porta que dava acesso ao pátio e atrás do pó entrou novo bando de kucris que fugiam frenéticos. Ouviu-se, a seguir, um berro intimidador e, na porta, apareceu a figura imponente e arfante de Piccolo.

O namekusei-jin gritou:

- Cuidado!

Trunks voltou-se mas o kucri estava demasiado perto. As garras arranharam-lhe a face direita.

A dor daquela ferida foi inédita. Deixou-o dormente, azuado e, sobretudo, irritado. Matou o kucri que o tinha atingido com um murro que o furou de lado a lado, o sangue peganhento e as tripas moles do bicho a escorrerem-lhe pelo braço. Um instante de raiva pura, de invencibilidade. O kucri fez-se em fumo, assim como o sangue e as tripas. Enxofre e nada.

Endireitou-se, limpou a cara. Os dedos ficaram sujos de sangue. Sentia-se tonto.

Piccolo investiu para ele, a rugir ameaçadoramente. Não percebeu a reação, lembrou-se de um feitiço, Zephir a voltá-los um contra os outros, o raio a atravessar Goten, o sangue de amizade. Abriu as pernas, ia defender-se, mas sentiu-se fraquejar. Um joelho foi ao chão. A tontura foi insuportável, apoiou também uma mão no chão.

Trunks tentou fugir de Piccolo, mas estava zonzo, as imagens da Dimensão Real a deixar-lhe a cabeça lotada de memórias que o entonteciam ainda mais. Piccolo agarrou-o pela t-shirt, arrastou-o até a fonte do centro do pátio, enquanto matava alguns kucris. Fechou os olhos. Sentiu a mão fria e molhada do namekusei-jin nos lábios.

- Bebe água. Depressa!

Abriu um olho.

- Porquê?...

- Foste ferido pelos kucris. Se não beberes água imediatamente, morrerás.

Esticou um braço, encheu a mão em concha de um pouco de água que saía irregular da bica. Bebeu algumas gotas, sentiu as forças regressarem, as tonturas a levarem a confusão. Meteu a boca na bica, bebeu três grandes goles. Apalpou a face direita. Já não tinha nada, sangue, dor, nem sequer uma nervura na pele, um leve indício de cicatriz. Piccolo soltou-lhe a t-shirt, repreendeu-o:

- Não te deixes ferir pelos kucris. Se não tiveres água por perto, será o teu fim.

- E como sabias isso, Piccolo-san?

Piccolo voltou-se para quem o interpelara. Gritou de espanto.

- Goten-kun!

- Sim, ele está vivo – contou Trunks, esfregando a face direita, para se certificar que a cicatriz não existia. – Nunca chegou a perder a vida e Zephir curou-o.

- Nani?

- Não me perguntes, sei tanto como tu. E Goten também não sabe de nada, afinal passou estes últimos nove dias inconsciente.

E antes que Piccolo fizesse a pergunta seguinte, concluiu:

- É mesmo ele, não é nenhum feitiço. O ki não mente.

- Estranho…

- Concordo. Mas temo-lo de volta e é o mais importante. Logo deslindaremos o mistério mais tarde. Mas voltemos à pergunta inicial: como sabias que a água cura as feridas mortais dos kucris?

E assim que terminou a pergunta verificou, pelo canto do olho, que os bichos escapuliam-se dali, limpando o pátio da sua horrorosa presença. Goten também via o mesmo e ficava tenso.

- Fui em tempos o príncipe das trevas, conheço todas as criaturas que vivem nesse mundo. Oiçam, rapazes: não devemos perder tempo. Vamos procurar pelo feiticeiro e acabar com isto de uma vez por todas.

- Primeiro, terão de passar por mim!

Kumis soltou uma gargalhada ao perceber como os tinha surpreendido.

Nisto, o ar vibrou em ondas quentes. O demónio olhou para cima. Piccolo, Goten e Trunks imitaram-no.

O choque de duas forças colossais nos céus gerou uma explosão avassaladora, uma vaga luminosa que submergiu tudo. Uma chuva de destroços descambou sobre o pátio. Kumis, Piccolo, Trunks e Goten abrigaram-se debaixo do pórtico.

Quando a calma regressou, o pátio estava parcialmente coberto de entulho. Trunks saiu do abrigo, Goten também.

- O que raios acabou de acontecer?

- Acho que metade do templo foi pelos ares.

Kumis empurrou dois enormes blocos de pedra que o tinham soterrado, sacudindo a cabeça. Piccolo juntou-se aos dois rapazes e avisou, fixando o demónio:

- Este fica para mim. Quero que entrem no templo e que procurem pelo feiticeiro. Compreendido?

- E consegues dar conta do recado?

A observação de Trunks ofendeu-o. Piccolo retorquiu entre dentes:

- Antes de vocês os dois nascerem, já combatia piores adversários que este demoniozinho. Afastem-se! Kumis é meu.

Goten segredou:

- Não devias ter dito aquilo, Trunks-kun.

Encolheu os ombros.

- Saiu-me…

O corpo do demónio brilhou com toda a energia que se alojou nos seus músculos. Era incrível como tinha estado debaixo de pedregulhos e não exibia qualquer ferimento, mas Piccolo não se deixou impressionar. Arqueou as costas, também concentrou energia nos músculos, gritou com o súbito aumento de poder.

- Vamos embora, Trunks-kun?

- Espera… Deixa isto começar. Quero ver como é que o nosso príncipe das trevas se sai. E depois, podemos ir.

O combate entre Piccolo e Kumis começou.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Destruição.



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