As portas estavam cerradas bem a minha frente.

Em algum lugar dentro daquele lugar, todos os objetivos por qual eu tenho lutado iriam se revelar.

Sanctus estava com a minha vida. E eu a queria de volta. Simples assim.

Inspirei fundo. Os vultos que estavam ao meu redor, começaram a emitir um som macabro.

Parecia como um canto de salvação ao seu próprio Senhor, mas ainda assim, reconheci ainda mais como o canto de minha morte.

As notas pareciam serras em meu corpo e a melodia era como fogo em minha alma. Era extremamente insuportável.

Em outras palavras, eu consegui entender pura e claramente o que a canção dizia.

- Chegara a hora.

Fechei meus olhos e deixei que me carregassem.

Eu teria que estar em pânico, pavor ou em terror puro. Mas tudo o que eu conseguia sentir era... Nada.

Absolutamente nada.

Eu já sabia de meu destino. Só precisava garantir o de Nero.

E isso eu iria garantir. Com a minha própria vida.

Por isso, deixei-me levar até o grande centro do Submundo.

O Salão de Sanctus. O verdadeiro Sanctus.

                                        ***

As portas se abriram.

O negrume que se veio em seguida pronunciou bem o local.

A sala era toda escura, aparentemente sem chão algum. No local do chão, um imenso buraco negro era composto por neblina negra. E eu tinha sérias dúvidas do que eu iria encontrar caso pisasse naquele local.

A neblina foi ficando mais espessa e melodiosa. Foi aí que eu entendi.

Aquela neblina não era neblina. Eram os vultos que estavam sustentando todo o perímetro com sua malignidade e perversão, cantando aos meus pés, como se a canção se pronunciasse:

Este chão será o último que você irá pisar. E, o que, definitivamente te derrubará.

Ao redor da negritude, tudo o que eu podia ver eram a negritude e a canção.

Ela nunca parava. Pelo contrário, intensificava-se.

A dor em minha alma piorou, e eu tive sérias dúvidas de que conseguiria sair daquele primeiro estágio.

De repente, uma negritude maior surgiu no centro. Os vultos-neblina se intensificaram e proporcionaram uma forma escura e maligna.

Cobri meus olhos diante do brilho negro.

Os vultos envolveram a forma e começaram a pulverizar um formato que começou a crescer e a completar metade do perímetro do centro do grande salão.

Com um urro de possessão, o rosto do antipapa apareceu em sua forma maligna, com vultos saindo de suas entranhas e sua boca, e esguichando-se de seus olhos perversos.

Uma língua de serpente colocou-se em seu lugar e seu corpo começou a tomar forma. Em menos de cinco minutos, a obra do Submundo estava pronta.

Sanctus estava bem a minha frente.

A imagem que eu tinha do delicado papa, não estava presente naquele momento.

Seu rosto continuava com as mesmas feições de quando ele me prendera dentro de Savior, mas ainda assim, seu corpo estava mais forte e ele tinha o peito despido, tatuado com duas serpentes se cruzando.

Seus braços, apesar da aparência senil, eram bem musculosos e apresentavam fortes tatuagens feitas a fogo com inscrições sobre Sparda.

Ele usava um saiote negro, como aqueles guerreiros-faraós do Egito Antigo.

Ótimo. Agora eu estava bem mais confortável sabendo que iria ser morta por um velho bombado de saia.

Seus olhos eram negritude pura, refletindo as profundezas do Inferno.

Pouco a pouco, eles iam ficando vermelhos, mas alternavam entre as duas cores.

Quando a sua visão ganhou foco, ele a direcionou até mim, com um olhar bem saudoso.

- Enfim, nos encontramos.

A voz que o possuía era bem diferente da que eu conhecia. Sanctus estava com uma voz mais macabra, se é que era possível.

Encarei-o em seus olhos sombrios, pronta para qualquer tipo de ataque. Eu só precisava ganhar tempo para Dante, Lady e Trish salvarem Nero.

- Kyrie, Kyrie, Kyrie. – Ele riu ao pronunciar o som de meu nome. – E eu que pensava que você era uma perda de tempo. Ao que parece, você me surpreendeu.

Engoli a língua. Não poderia me dar ao luxo de provoca-lo. Ou melhor, de aceitar suas provocações.

- Olhe só para você. – Ele me examinou, com seus cabelos esvoaçando. Eu só esperava que a saia continuasse no lugar. – Inofensiva, foi o que eles disseram. Era apenas vital para Nero, por isso nos aproveitamos de você. Mas... Saber que iria lutar contra tudo e contra todos para... Salva-lo?

- Eu faria até mais do que isso por ele. – Senti minhas lágrimas arderem em meus olhos. Eu era fraca e impotente. Nunca conseguiria vencer nem um Scarecrow, quanto mais o próprio Sanctus.

Ele gargalhou. Uma gargalhada sombria e aguda, que foi como uma faca em meu peito.

- Por Sparda, olhe só! – Ele riu. – Um filhotinho tentando mostrar as garras. Eu sei que você não lutaria mais por Nero. Você se rendeu. Por quê? Para vê-lo? Ele não está mais aqui.

Segurei as pontas. Não podia me deixar desmoronar. Ele estava mentindo. Ele queria me testar.

- No começo, foi difícil. Ele era rude e forte e não nos deixava tocar nele. Mas bastou um nome a ser mencionado e ele mudou completamente.

Meu coração disparou.

- O seu, é claro.

Fechei meus olhos. Meu Deus, como isso poderia ser possível? O que ele realmente fez com Nero?

Estava na cara que só tinha um jeito de eu descobrir.

Ele começou a me rodear, com seus graves olhos sobre mim.

- Eu sei o que você fez com meus planos. Mas não fique tão animada, querida. Os navios foram destruídos. Mas eu ainda tenho um Plano B.

Encarei-o com fúria. Minha raiva por ele estava aumentando a cada dia que passava. Por ter matado meu irmão. Por ter acabado com a minha vida. E por ter feito sabe-se lá o que com Nero.

- Acabou, Sanctus. – Eu disse com determinação. Eu não sabia de onde ela havia saído. Mas agora eu não iria para-la. – Tudo bem, eu posso não ser nada. Mas não estou sozinha. Você não vai muito mais longe.

Ele me olhou por um instante. Estava me estudando como um cientista estuda um projeto repulsivo e complicado. Por fim, ele deu um sorriso.

E me estapeou no rosto.

Mordi o lábio de tanta dor. Eu estava completamente machucada por causa da surra que havia levado dos demônios, ainda mais agora.

A força de Sanctus superava qualquer uma.

- Criança tola. Acha mesmo que pode me enfrentar? Eu sou o Senhor do Submundo! Não é uma adolescente mimada que conseguirá me vencer.

Encarei-o com fúria. O ódio que eu estava era tão grande que eu mal podia controla-lo. Mas eu escolhi ficar em sua mira. Não me importava o que acontecesse comigo, contanto que tudo desse certo.

Agora, não era mais só Nero que eu queria. Eu queria vingança.

Por ter acabado com minha família. Enganado todas aquelas pessoas. E acima de tudo, tentar domar tudo o que me pertencia.

Eu podia não ser nada. Poderia não conseguir lutar contra ele.

Mas de uma coisa eu saberia. Ele também não iria sair ganhando.

As cartas estavam comigo. Eu só tinha que coloca-las na mesa.