Metamorfosis escrita por Natasha Anisio


Capítulo 2
Capítulo 1- O choque esperado


Notas iniciais do capítulo

Esse capitulo é mais um aprofundamento dos personagens. Acho importante dar tempo aos personagens para que eles possam crescer e criar vida própria antes de jogá-los no olho do furacão, além de adorar ler esse tipo de analise.
Espero que gostem
A historia é bem longa, então por favor não me abandonem.
BOA LEITURA



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CAPITULO 1

Em todos os romances açucarados que já li ou filmes melosos que já assisti (posso assegurar que foram numerosos), quando alguém morre, o tempo para. A personagem principal reflete tristemente sobre os momentos que a vida lhe tirou. É uma cena bonita.

A verdade não é nada como isso.

A ficha demora a cair. As reações são disformes, e não importa o que esteja a sua volta, porque você nem ao menos sabe se esta realmente ali ou se e um pesadelo que logo acabaria. No caso da minha mãe, ela se desesperou. Estávamos em uma das poucas refeições que ela fez em casa desde que meu pai foi para o hospital. Ele insistiu que ela viesse ficar comigo hoje à noite, pois fazia mais de uma semana desde que tivemos uma conversa que não fosse ao lado da cama do hospital e hoje tinha sido meu ultimo dia de aula antes das ferias de primavera. A lasagna de micro-ondas estava insossa. Nenhuma de nós falava nada, as duas pensando no membro da família que faltava a mesa.

Uma ligação quebrou o silencio.

Nas noites em que Julie dormiu em casa, meu pai ligava na hora do jantar e ficava conversando conosco pelo viva voz. Isso tirava nossas cabeças de problemas. Quando o telefone tocou, minha mãe foi correndo atender, toda animada para ouvir a voz de seu eterno namorado. Talvez por causa dos meus pesadelos, os quais tinham ficado mais frequentes esses últimos dias, paralisei em pânico assim que ouvi o toque irritante. O sorriso de Julie se desfez em poucos segundos. Ela começou a discutir com a pessoa do outro lado, falando que isso era impossível, que era mentira.Lagrimas escorriam por suas bochechas. Ela desligou o telefone violentamente e se pôs a procurar as chaves do carro e seu casaco, nem reparando que estava vestindo um baby doll.

Eu percebi o que tinha acontecido, sabia que do outro lado da ligação era alguém do hospital lhe dizendo que o amor de sua vida, o homem por quem era e sempre seria apaixonada estava morto. Eu via culpa em seus olhos, se punindo mentalmente por não estar ao seu lado ate o ultimo minuto, se sentindo impotente e fraca por não ter sido capaz de salvar sua vida. No estado em que estava, dirigir seria perigoso, e ir ao hospital, desnecessário.

Eu devia ter chorado, gritado, desmaiado de dor, mas depois de sonhar com esse momento tantas vezes, era como se a única novidade fosse a reação de Julie. Lentamente me levantei da cadeira e fui de encontro a ela. Tirei as chaves de sua mão e levei seu corpo tremulo para o quarto. Seu choro soluçante esvaiu suas forcas e ela dormiu em meus braços. Não preguei o olho a noite toda, tentando racionalizar tudo o que tinha acontecido. Meu cérebro não parecia ser capaz de processar a única informação que importava.

Me senti péssima por não estar chorando ou me descabelando. Que tipo de filha não derrama uma lágrima sequer pela morte do pai? O fato é que para mim ele não estava morto. Para mim, ele logo ligaria se desculpando por ter perdido a hora do jantar e nos contando uma piada que tinha ouvido de uma enfermeira.

Ele não ligou.

Na manha seguinte, minha mãe acordou tarde, envergonhada por ter sido consolada por mim e não o contrario. Eu ainda estava sentada na mesma posição em que sentei na cama dela noite passada, os olhos ardendo como areia, mas completamente abertos.

Nos levantamos vagarosamente, nos vestimos e fomos ao hospital. A viagem de carro foi silenciosa, cada uma presa em seu mundo. Para mim, o trajeto não levou mais que 2 minutos. Minha mente estava confusa e pensamentos coerentes estavam longe de aparecerem. Julie ainda chorava. Mais silenciosamente que na noite passada, mas as lagrimas doloridas ainda manchavam seu bonito rosto de porcelana. Ela não tentou esconder seu estado atrás de óculos escuros ou maquiagem. Deixou seu sofrimento a mostra sem vergonha alguma.

Na recepção do hospital, mandamos que chamassem o medico responsável. O doutor Baker chegou cinco minutos depois, acompanhado de uma equipe de 4 outros médicos, cada um com uma especialidade diferente. Eles disseram que a causa da morte foi a falência múltipla dos órgãos, mas nenhum deles pode responder a pergunta chave: Por que?

Porque um homem forte e sadio da noite para o dia ficou tão doente?

Porque ninguém foi capaz de diagnostica-lo?

Porque seus sintomas eram tão erráticos?

Porque ele?

Julie foi preencher os papeis do hospital enquanto eu fiquei rondando pelo local. Vaguei sem saber para onde, ate que cheguei a uma grande janela, pela qual podia ver vários bebes em suas incubadoras. Será que todos vão viver o suficiente para ter um grande amor, casar, ter seus próprios filhos e vê-los irem para a escola? Será que todos vão realizar seus sonhos, enfrentar seus pesadelos e curtir a vida ao máximo? Eu sei que meu pai não o fez. Uma vez, em uma de nossas conversas tarde da noite, quando nenhum dos dois conseguia dormir e ficávamos enrolados em um cobertor na varanda, olhando as luzes da cidade e comendo leite condensado com granulado, ele me disse que um dos seus maiores sonhos era me ver formada, iniciando a minha própria família. Ele nunca veria esse momento. Quem decide quem vive e quem morre? Quem tem o direito de mandar no destino sem nos deixar nenhuma escolha que não sentar e observar os caminhos nossas vidas iam tomando? Seja lá quem for, ele deve me odiar. Todos aqueles pequenos seres estavam ali por um motivo, uma razão maior, mas qual tinha sido a razão da morte do homem que eu mais amei em toda a minha vida? De que serviram todas as horas planejando futuros que nunca se concretizariam? Eu queria gritar, culpar alguém, mas quem? Eu vi o cansaço estampado no rosto dos médicos aumentando a cada dia que passava. No canto do olho, reconheci uma das enfermeiras que cuidou do meu pai. Ela tinha os olhos marejados como se tivesse perdido um amigo próximo, mas era isso que meu pai era: um amigo de todos. Ele sempre tinha um sorriso no rosto e nunca era capaz de ficar zangado com alguém por mais de dez minutos. Porque alguém poria fim a vida de uma pessoa como ele? Fui engolida por meus pensamentos e quando dei por mim, já estava no carro, em meu caminho para casa.

Julie estava um pouco melhor, comparado com a noite de ontem, mas nem uma palavra foi dita entre nos o dia todo. Ela trabalhou sem parar, tentando manter sua mente focada em qualquer coisa que não Henry . De vez em quando eu a ouvia fungar ou soltar um soluço, mas nem as lagrimas que esporadicamente rolavam em suas bochechas a faziam tirar os olhos do trabalho. Minha mãe sempre usou trabalho como uma válvula de escape, e agora ele seria sua ancora para a sanidade.

Eu não tinha tanta sorte. Tentei distrair-me com livros, mas estes, que antes podiam tirar minha mente de qualquer lugar e transportar-me para os mais diferentes mundos,  não faziam mais sentido que uma bula de remédio em russo. As palavras não se ligavam e não importa o quanto eu tentasse. Desisti de ler quando percebi que já tinha lido o mesmo parágrafo quatro vezes sem ser capaz de absorver nada. A televisão foi outra tentativa frustrada. Meus programas favoritos não me chamavam a atenção e quando coloquei um filme, ele me empurrou para o fundo do poço ao me lembrar todos os comentários e brincadeiras que eu e meu pai fazíamos ao assisti-lo.

O tempo voou e eu só notei que já era noite quando Julie me deu um tapinha no ombro, me chamando para jantar. Minha ultima refeição havia sido no início da manha, mas meu estomago parecia mais que satisfeito, não aceitando mais que umas poucas garfadas do que quer que estivesse no meu prato. Já estava desistindo de mexer a comida de um lado para o outro do prato quando mamãe falou suas primeiras palavras desde que saímos do hospital. Sua voz estava rouca e incerta.

- Volto para o trabalho segunda.

Não haviam palavras de conforto ou consolo. Ela parecia estar se desculpando e avisando que eu teria que me virar. Nunca fui dependente de ninguém e era muito mais próxima de Henry que de Julie mas não estava nem um pouco animada em passar por isso sozinha. Egoísta, mas verdade. Embora não tenhamos falado nada o dia todo, sua presença era reconfortante. Saber que não era a única sofrendo me fazia um pouco menos miserável. Para qualquer um de fora, ela poderia parecer fria, distante, insensível. Eu sabia mais. Eu sabia que voltar a rotina seria o único jeito de ela sobreviver. Eu sabia que, apesar de me amar, ela ainda estava abalada demais para poder fazer qualquer coisa por mim.

Não a culpo.

Fomos as duas dormir cedo. O velório seria pela manha, meus avos por parte de mãe e tios viriam do interior. Éramos uma família relativamente unida, mas todos tinham suas vidas. Durante o período em que meu pai esteve no hospital, eles ligavam ao menos três vez por semana.

De manha, enquanto colocava meu vestido preto, lembrei de Derek. Não nos víamos ha mais de um ano e eu temia que meu estado frágil poderia me fazer ter uma recaída. Esse pensamento persistiu por apenas  alguns segundos pois logo um porta retrato com uma foto do  ultimo inverno, no central park, entrou em meu campo de visão. Eu, Henry e Julie, nossos sorrisos tão ofuscantes quanto a neve que se acumulava ao nosso redor.

O funeral foi em um cemitério perto do nosso apartamento, uma viagem silenciosa de 15 minutos durante a qual percebi que Julie estava toda de branco, contrariando tradições, como sempre fez. Ela acreditava que usando branco poderia ajudar a trazer paz para meu pai, que iluminaria seu caminho. Superstições bobas.

No velório, encontramos toda a família enxugando lagrimas. Algumas dezenas de amigos da família também se encontravam bastante emocionados. Foi uma cerimônia simples durante a qual eu me mantive afastada de todos, enquanto Julie se mantinha nos braços da vovó. As pessoas tentavam me confortar, mas cada “vai ficar tudo bem” me irritava e me entristecia mais ainda. Quando foi a vez de minha mãe fazer seu discurso, foi a gota d’água para mim. O discurso falava sobre como Henry foi o melhor pai e marido que poderíamos ter e como sua missão de me criar e fazer minha mãe feliz tinha sido cumprida.  As memórias vieram a tona, os momentos felizes, os momentos tristes, tudo em mim gritava que nada ficaria bem novamente.

Sem olhar para trás, corri por entre as lapides. Quando chegue a rua, meus pés já não se firmavam nos saltos, então os tirei.

Meus pés batiam no solo. Meu coração tamborilava em meus ouvidos. Minha respiração pesada não era suficiente para oxigenar todas as células do meu corpo. Eu ofegava. Estranhos passavam me olhando torto, mas eu não dei importância. Eles não entendiam a dor que eu estava sentindo. Era como se o meu mundo estivesse desabando, tijolo após tijolo.

Corri por mais meia hora ate chegar ao central park, o santuário do meu pai, o lugar onde suas memórias eram mais proeminentes. Tudo me lembrava ele. Desacelerei o passo e procurei por algo que ele me mostrou mais de 10 anos atrás. Uma arvore enorme embaixo da qual a terra havia se esvaído com o passar dos anos, formando um buraco em baixo de suas raízes grandes o bastante para uma pessoa pequena como eu. O cansaço da corrida me bateu e meus pensamentos e emoções se tornaram confusos demais para que eu pudesse entende-los. Sem nenhum aviso, meus neurônios resolveram fechar para balanço, e eu perdi a consciência.


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Notas finais do capítulo

Agradecimento especial à WolfBlack e à AnaBarrooos por lerem.
não prometo data para postar o próximo capitulo. O pre-vestibular esta tomando TODO o meu tempo e escrever nao é uma prioridade agora.
Continuem lendo e comentando.
Reviews são meu combustível, lembrem-se disso.
Beijos



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