O Jogo dos Espíritos escrita por Lady May


Capítulo 4
Capítulo IV - The Number of the Beast (parte I)


Notas iniciais do capítulo

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Melanie nem ao menos desceu do carro. Deixou o tio na porta da casa e arrancou na direção do hotel, onde combinara de encontrar os irmãos.

Estacionou, mexeu na bolsa e, já com o pé para fora, olhou uma fotografia, sorrindo satisfeita. Tinham uma pista afinal.

 

- Que droga de pergunta foi aquela, Melanie? – Dean censurou-a irritado, assim que abriu a porta – “Você é canhota?”

- Se você fosse mais esperto, faria a mesma pergunta, então para de chorar, Winchester.

A garota empurrou a foto contra o peito do rapaz, entrou no quarto e se sentou elegantemente ao lado de Sam.

- Consegue achar o erro? – desafiou ao constatar que o caçador analisava o que ela lhe entregara.

- Além de um garoto enforcado? – ironizou referindo-se a Edward.

- Não, Dean. – disse lentamente enquanto se levantava.

Ficando na frente do rapaz, colocou o dedo sobre o papel.

- O nó está do lado esquerdo.

- Ok, gênio, e o que isso significa?

Sam, que até agora estivera alheio à conversa, entendeu a empolgação da garota e porque fizera a estranha pergunta.

- Se tivesse sido Edward quem amarrou o lençol, o nó deveria estar do lado direito. – explicou.

- Exatamente. – sorriu Melanie – Por pura questão de facilidade.

- Isso sugere que ele foi assassinado. – terminou o moreno – Alguém matou aquele garoto.

- Vocês repararam que isso traz mais perguntas que respostas, né?

Dean desviou-se da garota ruiva e se sentou na cama destina a ele ainda olhando a foto.

- Pelo menos saímos do zero. – a ruiva encostou-se na parede – Temos uma pista e uma teoria.

- O que realmente temos até agora? – perguntou o mais velho escondendo o rosto com as mãos como se aquele gesto fosse resolver o caso.

- Dois supostos suicídios: Sarah Garwin e Joseph Heder; um suposto assassinato: Edward Franklin. – numerou Sam.

- E a tal Shelby Williams?

- O que tem ela? – replicou Melanie.

- Três amigos dela morreram e ela não tem um arranhão? Estranho. – observou – Por que ela não foi afetada?

- Como assim “não foi afetada”? Os amigos dela morreram! E ela me contou que também viu o fantasma no cemitério.

- Ela pode ser a próxima. – ponderou Sam.

- Ou a causa. – contrapôs Dean encarando-os.

- Eu não vou deixar que acuse uma menina, Winchester! Aqueles garotos cresceram juntos!

- Agora quem está sendo burra é você, ruiva. – provocou - Pensa bem. Shelby estava na casa do Joseph quando ele e Sarah morreram e estava no hospital anteontem pouco antes do Edward se pendurar na janela.

- Coincidência. – respondeu sem pensar.

Naquele trabalho não existia esse tipo de coisa. Depois que Dean a olhou como se duvidasse da sua sanidade, a garota lembrou-se disso e reconsiderou o que disse.

- Azar. – sentenciou – Mas não significa que Shelby matou todos eles, mesmo porque ela estava na cozinha com a mãe do namorado quando tudo aconteceu.

- Pode ser... – Dean não parecia convencido. – Seja como for, acho melhor falarmos com ela.

O caçador pegou as chaves do carro e abriu a porta para dar passagem ao irmão.

- Você vem, ruiva?

- Não. Está claro que ainda temos um suposto fantasma a solta. – comentou – Vou ao cemitério ver o que descubro.

Ela saiu do quarto e desceu as escadas que levavam ao estacionamento.

- Vai com ela, Dean. – sussurrou Sam

- O quê? Pra quê?

- É a sua chance de saber se é a garota de quem me falou.

Antes que obtivesse resposta, deu tapinhas amigáveis no ombro do outro e desviou sua atenção para a garota, que estava quase chegando ao Mustang prata.

- Melanie, - chamou-a. ela se virou. – eu vou falar com a Shelby e Dean vai com você.

- Tudo bem. – deu de ombros.

- Até mais tarde, então. – Sam despediu-se assim que tirou as chaves do irmão.

Dean resignou-se a sentar no banco do carona enquanto Melanie ligava o carro.

- Você parece triste por se separarem. – comentou ao reparar no olhar desolado que ele lançava.

- Não gosto que mexam no meu carro. É um clássico.

- Homens... – revirou os olhos achando graça da situação.

Não disseram mais nada durante grande parte do caminho. Entediado, Dean tamborilava os dedos no vidro da janela, enquanto pensava em como descobrir a verdade sobre Melanie. Aparentemente, suas noites sem dormir não o prepararam para aquilo.

- Importa-se se eu ligar o rádio? – perguntou já apertando o play do seu I-pod. “The number of the beast” dominou o ambiente.

- Iron Maiden? – estranhou – Você não faz o gênero “fã do Iron Maiden”.

- Não sou fã, mas gosto bastante da banda. Na verdade, acho Iron Maiden uma ótima trilha sonora...

Com a música, a ruiva curtia uma piada particular.

- E você gosta do quê?

- Dos clássicos. Van Hallen, Kansas...

- Adoro tocar “Carry on my wayward son” no Guitar Hero. – contou.

- Guitar Hero? – repetiu desacreditando.

- Hei… eu sou muito boa no nível médio. E é a única chance de tocar bem alguma coisa que não seja aqueles teclados para crianças com sons de fazenda.

A espontaneidade dela, fez o caçador sorrir.

Continuaram a conversa sobre música durante longos minutos, mesmo já dentro do cemitério. Com isso, descobriram terem gostos relativamente diferentes, mas que, com suas opiniões bem formadas, poderiam render ótimos momentos de descontração.

 

______ * * * ______

 

A casa dos Williams era a típica americana com seu jardim bem cuidado, uma árvore grande que, em seus galhos mais grossos, suportava uma casinha e a bandeira do país ao lado da janela da sala.

Porém o cenário que encontrou era completamente diferente. A porta da garagem estava aberta, revelando uma caminhonete carregada de malas como se alguém quisesse fugir; a grama estava cheia de cacos de gesso, provavelmente dos enfeites destruídos. Mas o que deixou o winchester alarmado foi a carcaça de um husky siberiano que, pelo mau cheiro, estava morto há cerca de uma semana.

Com a arma em punho e a atenção redobrada, Sam caminhou até a entrada e forçou a maçaneta que, sem oferecer resistência, permitiu a passagem.

O primeiro cômodo que encontrou foi a sala de estar completamente vazia, depois entrou na cozinha, onde moscas voavam sobre pratos de comida estragada e sobre a louça suja acumulada na pia.

O caçador não entendia. Onde estaria Shelby e seus pais? Será que ele chegara tarde demais e a garota já estava morta? Ela não apareceu no enterro do amigo... Algo muito estranho estava acontecendo e o Winchester estava disposto a descobrir.

Continuando, foi à sala de jantar, também vazia e relativamente arrumada se comparada ao restante da casa. Por fim, resolveu investigar a garagem antes de dedicar sua atenção para o andar de cima.

Cautelosamente, abriu a porta.

- Meu Deus! – sussurrou.

 

______ * * * ______

 

- Por onde começamos? – perguntou Dean depois que o silêncio voltou a reinar.

- Pelo túmulo da minha tia, eu acho. Podemos ter perdido alguma coisa.

Melanie entregou ao caçador um medidor de ondas eletromagnéticas, ficando com o outro.

- Vamos ver se tem fantasmas aqui mesmo. – comentou.

- Fantasmas num cemitério? Quem diria! – ironizou.

- Você me entendeu. – replicou desafiadora.

 

Já nos arredores do túmulo, os dois se separaram e começaram a investigação.

- E então, o que estamos procurando exatamente?

- Não faço idéia – respondeu simpática.

Mais uma vez, suas vozes morreram na imensidão daquele lugar. Enquanto trabalhavam, Dean pensava que aquele momento era o melhor para confirmar ou não a identidade da garota. Embora não sabendo como começar a conversa, resolveu arriscar.

- Hei, Melanie, posso fazer uma pergunta?

- Claro. – permitiu sem desviar a atenção do medidor.

- Há quanto tempo é uma caçadora?

Ela parou, pensando por alguns minutos, e suspirou demoradamente antes de responder.

- Não faz muito tempo, mas a história é grande.

- Não sabemos o que estamos procurando, certo? – insistiu.

- Meu avô era caçador e como meus pais ficavam pouco tempo em casa, meu irmão e eu passávamos o dia ouvindo histórias que fariam Stephen King ficar com medo.

- Seus pais eram caçadores?

- Não. Minha mãe é enfermeira e meu pai é padre[1].

- Padre?

- Irônico, né?

- Bastante.

- Acho que foi um desgosto pro meu avô, mas papai dizia que havia outras maneiras de ajudar.

- Seu pai não gostava das histórias, então. – deduziu.

- Ele odiava. – confirmou – Tenho certeza de que, se tivesse opção, não nos deixaria ir até lá. Mas minha avó controlava a situação e, como eu nunca acreditei em nada, ele ficava mais tranqüilo.

- Você não acreditava?

Para Dean, que cresceu naquela vida, era difícil imaginar que alguém duvidava dos monstros que caçava.

Melanie levantou o rosto na direção do céu, esperando que o vento levasse seu cansaço, depois olhou para o chão como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

- Eu era cética demais, embora meu irmão fosse completamente diferente. Eric ficou uma semana sem dormir, esperando uma Shriga entrar pela janela. – ela se permitiu um sorriso de escárnio ao lembrar – Nunca dormi tão mal na minha vida.

- Coitado. – Dean riu.

- Enchi muito meu irmãozinho por ele acreditar em tudo... Se ele me visse agora...

- O que te fez mudar de opinião?

- Por algum motivo, meu avô resolveu voltar à ativa e nos levou junto, Eric e eu. Para o meu pai, ele disse que me levaria a Harvard para procurarmos um alojamento.

- Você estudou em Harvard? – as surpresas não paravam.

- Bons tempos aqueles... mas essa é outra conversa.

- Então... pra onde vocês foram? – perguntou tranquilamente. Mal sabia que encontrara suas respostas.

- Para um sanatório em Wisconsin. – disse indiferente.

Dean estava quase convencido de que Melanie não era quem procurava, já que a história contada não se parecia em nada com a que ele imaginara. Por isso a expressão do caçador foi tão estranha. Não se sabia se era confusão ou surpresa.

- Era você. – afirmou – A garota que saiu correndo quando eu cheguei.

Melanie arregalou os olhos espantada. Lembrou-se do desespero que sentiu quando aquele garoto entrou no cômodo. Suas mãos cheias de sangue... seu crime...

- Você mudou bastante.

Apesar da voz trêmula, tentou manter a conversa em terreno seguro, antes que começasse a chorar.

- Você se lembra então. – Dean parecia aliviado. Tivera medo de tirar conclusões precipitadas mesmo com tantas evidências.

Ela o olhou profundamente.

- Perdi meu irmão naquele dia. Lembro a cor da meia que eu usava. – disse seca.

- Desculpe.

 

Embora curioso, Dean não disse mais nada pois entrara em terreno bastante pessoal. Na sua mente, ele reviu o momento em que a encontrou chorando pelo irmão. Recordou o que ele sentiu quando perdeu Sam e o que foi capaz de fazer para não enfrentar aquela dor.

- Quer saber o que aconteceu. – afirmou Melanie como se lesse a mente do rapaz.

- Se quiser me contar. – sem desviar os olhos dos amarelados dela, encostou-se numa lápide.

A ruiva sorriu triste por reviver a história, mas estava feliz por compartilhá-la.

- Como eu disse, - enquanto falava, ela voltou a olhar para o medidor – eu não acreditava no que meu avô dizia. Eu era empolgada com a minha inteligência... Arrogante ao ponto de achar que sabia de tudo e queria mostrar pro meu irmão que ele não precisava ter medo do escuro.

Desistindo de procurar o que quer que fosse, a ruiva apoiou-se num túmulo na frente do caçador.

- Naquela noite, por estúpida insistência minha, Eric e eu fomos ao sanatório. Eu peguei o carro e logo chegamos lá.

Melanie ficou um tempo pensando em como continuar e Dean, paciente, lhe deu todo o espaço necessário.

- Ele foi possuído. – disse por fim – Tentei prendê-lo, mas me desesperei quando ele veio pra cima de mim. Entrei em pânico e... atirei nele... matei meu irmãozinho. – terminou com a voz embargada.

Naquele momento, ela se considerava fraca. Depois de tanto tempo, descobriu que não estava pronta para contar sua história em voz alta. Sentiu como se seus pesadelos a afligissem também enquanto acordada. Agora também se sentia ameaçada, pois confiara seu maior segredo, sua dor, a um estranho. Mesmo que Dean Winchester estivesse lá quando tudo aconteceu, Melanie pensava que confiara rápido demais.

Com todos esses dilemas, não conseguiu se segurar e, como naquele dia, chorou e o caçador sentiu novamente a urgência de abraçá-la e confortá-la.

O rapaz aproximou-se delicadamente, passou os braços por ela e a trouxe para perto de si. Melanie, com o rosto escondido nas mãos, aceitou, de bom grado, o apoio.

Agora analisando as próprias lembranças, Dean percebeu porque o encontro fora sempre tão claro em sua mente. Ela representava o lado bom das caçadas, que ia além da vingança que motivou John, Sam e ele. A garota ruiva chorando pelo irmão o fazia querer proteger as pessoas, impedindo-as de sentir as dores que dominavam seus dias.

- Por que correu quando eu cheguei? – perguntou quando a caçadora desvencilhou-se de seus braços.

Melanie limpou as lágrimas com a manga da blusa.

- Não sei. Não estava raciocinando direito. – disse sincera, enquanto o encarava com os olhos vermelhos – Quando você apareceu, eu surtei! Só queria sair dali.

- O que aconteceu depois?

- Fiz muitas besteiras das quais me arrependo até hoje. – sua voz já estava firme de novo. E sem dar mais detalhes, continuou – Nunca mais voltei pra casa. Não sei se meu avô contou a verdade, mas até hoje não tenho coragem de vê-los.

- Vocês não se falam?

- Falamos sempre que possível, mas nunca sobre isso.

Silêncio.

- Então... como alguém que estudou em Harvard caiu nessa vida?

Dean desviou o assunto na tentativa de deixar o clima mais leve.

- Depois de tudo, eu jurei não me envolver com essas coisas, mas antes mesmo de terminar meu segundo ano de faculdade, soube que meu avô tinha morrido numa caçada. Apesar de não fazer isso por vingança, eu não podia mais ignorar que perdi duas pessoas. Deixei Harvard e desde então estou na estrada. – contou – Mas e você? Como entrou pro clube?

- Eu conto se formos para um lugar mais quente. Parece que vai chover e... – ele olhou o medidor – parece que não encontramos nada.

- Concordo. Mas vamos regar essa conversa com algo alcoólico, pelo amor de Deus. Minha garganta está seca. – riu.

- Agora falou minha língua!

Enquanto caminhavam em direção à saída, os dois olhavam para os lados e para o aparelho na esperança de encontrarem algo nos últimos minutos. Porém, foi algo no chão que chamou a atenção de Dean.

- O que é isso?

Cuidadosamente, ele pegou um objeto de vidro, de forma triangular com um círculo no centro, um pouco sujo de terra.

- Parece... um ponteiro para tábua ouija. - analisou

- E como isso veio parar aqui? – inquietou-se – Qualquer site na internet diz que é perigoso invocar espíritos num cemitério.

- Mas faz total sentido, Dean. Sarah brigou com a mãe e sentiu remorso. Ela deve ter vindo pra cá.

- E usou a tábua para tentar se desculpar. – deduziu.

- Só que eles podem ter invocado qualquer coisa, que, aparentemente... – a ruiva empalideceu.

- Sam!

 

Continua...

 

Notas:

1. Desculpem a demora para atualizar, mas eu tive um branco. E quando minha inspiração voltou, disputou espaço com a minha faculdade, que suga minhas preciosas horas do dia sem nenhuma dó. ^^

2. Eis que o mistério do lado esquero foi revelado. Espero que ninguém tenha se decepcionado pela resposta ser tão simples. Mas parafraseando Sherlock Homes, as respostas sempre estão nas coisas mais simples.
Enfim, toda essa história só serviu para que os nossos herois conseguissem resolver o caso.



[1] A maioria dos americanos é protestante, cuja Igreja aceita o casamento dos clérigos.

 


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