Calmaria escrita por Berlim Hime


Capítulo 1
O palácio de âmbar


Notas iniciais do capítulo

Espero que tenham uma boa leitura. E se pudessem ler as notas finais, ficaria agradecida ^-^



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Vez ou outra tempestades atingem este mar; e eu as observo de longe, sabendo que ele está lá e que, assim como a doce rainha, descumpriu sua promessa. Quando cessam os trovões e o vento, saio de meu seguro posto de observação e volto para a praia. Depois do tempo violento, as águas do Báltico retornam a seu estado usual, calmas, praticamente sem ondas. Pequenos barcos circulam por todos os lados, buscando principalmente linguado. É um cenário bonito, que sempre me traz lembranças dos anos em que eu também era um desses pescadores. Mas nada se compara ao que tenho a meus pés - a areia branca maculada por pedras amareladas, o tal âmbar. Há muito desisti de coletá-las, tanto pelos males da velhice, que já não me permitiam abaixar para pegá-las, quanto pelo fato de que, não importava o quão bem as guardasse, sempre voltavam para a praia. Concluí que gostavam de ficar por lá, e decidi deixá-las em paz. Creio que este âmbar contém magia, como tudo do reino de Felicja continha.

Há uns bons quarenta anos, o mar Báltico era calmaria absoluta, tanto que era necessário o uso de remos para aventurar-se em suas águas. A pesca, intensamente mais rara do que nos dias atuais, era profissão muito bem remunerada. Isso se devia ao número reduzido de pescadores, já que muitos dos mais velhos no ramo desapareciam e, assustados, os mais jovens desistiam do trabalho ou nem sequer o iniciavam. Estudiosos diziam que, a algumas milhas da praia, havia uma turbulência nas águas com força para sugar cem homens. Já os místicos, os contadores de estórias e os mais simples insistiam que era obra de uma bruxa oceânica que, compadecendo-se da fauna marinha, punia com o afogamento quem ousasse pescar por lá.

Talvez por não usar muito do senso comum, por não me importar muito com a vida ou mesmo pela simples ganância resolvi, nos últimos anos de minha adolescência, tornar-me um daqueles homens do mar.

A sorte parecia estar ao meu lado. Foram muitas as vezes em que, sozinho, peguei meu barco a remo, minhas redes e armadilhas e fiquei horas e horas naquela calmaria esverdeada, até que enchesse minha pequena embarcação de mercadorias valiosas como camarões gigantes, linguados e, quando os bons espíritos permitiam, bacalhau. Voltava para a pequena vila praiana e vendia por ótimos preços. Acabei por enriquecer o bastante para que pudesse abandonar a pesca e viver com tranquilidade pelo resto da vida, mas não fiz. Confesso que havia me apaixonado pelo mar, pelo ofício de pescador e pela sensação de perigo. Era ao mesmo tempo aterrorizador e excitante saber que, a qualquer instante, eu poderia ser engolido pelo Báltico. Quando paro e reflito sobre isso, percebo que não passava de um garoto imaturamente louco. Mas foi apenas por esta loucura que conheci Felicja, a única mulher que amei em toda minha existência.

Não me lembro o motivo exato de estar distraído naquela hora. Somente sei que, antes que eu pudesse perceber, estava sendo puxado junto com meu barco para mais longe da praia. Era totalmente atípico que as águas desta região agissem assim, e fui tomado pelo desespero, tentando remar com toda a força que possuía. A sensação de ser controlado pelo mar era absolutamente terrível, de um modo que eu jamais esperava que pudesse ser.

Meus esforços foram inúteis, e acabei encontrando a tormenta das águas, a desgraça dos aventureiros do Báltico. Pior do que ser puxado pelo mar era não poder respirar debaixo de toda aquela água turbulenta e sentir o sal em minhas narinas, o líquido ardendo em meus pulmões. Apenas desejei que acabasse logo, e fui atendido.

Quando abri os olhos, estava caído de joelhos, com as mãos apoiadas em um chão gélido e tossindo tanto que senti o gosto de sangue em minha garganta. Tentei me localizar - estava completamente encharcado, descalço, minhas calças marrons bastante rasgadas e a camisa branca aberta, no exato centro de uma sala de paredes todas feitas de pedras amareladas e um teto estranhamente triangular, que aparentava. ter sido construído com conchas. Era um lugar enorme e vazio, à exceção de um trono vermelho desocupado a minha frente. Olhei para o chão, transparente de uma maneira que não parecia real, como se fosse água, porém era sólido. Sem saber o que fazer, levantei-me e me dirigi ao trono.

–Você sabe por que está aqui?

A dona da voz saiu detrás do trono, e riu de um jeito bastante infantil com o meu susto, causado por sua aparição súbita. Era uma mulher consideravelmente baixa, com cabelos lisos dos mais loiros o possível, olhos da cor esverdeada dos mares do norte, um sorriso debochado e corpo perfeito, adornado por um vestido que parecia mudar de cor a cada movimento que fazia. Ora tinha o tom escuro das tempestades, ora tinha o tom azul claríssimo de oceanos que eu só ouvira falar em estórias. Era, na falta de palavras melhores, fascinante, e eu nunca vira nada mais belo do que aquela moça.

–Quando a rainha do Mar Báltico faz uma pergunta, espera ouvir uma boa resposta. Repito, Toris Laurinaitis, você sabe por que está aqui?

Não fazia ideia de onde estava, muito menos a razão. Tentei ao máximo ser polido. Nunca antes falara com alguém tão nobre quanto a rainha de todo o Mar Báltico - aliás, desconhecia a existência de um governante dessas águas.

–Perdoe-me, majestade, não sei. E como sabe meu nome? -de imediato, arrependi-me por ter feito uma pergunta tão insolente.

A rainha caiu dramaticamente no trono, rolando os olhos e bufando.

–Que pena. Eu também não faço a mínima ideia da razão pela qual você está aqui. Por que não o afoguei como faço com todos esses irritantes pescadores? -apenas a fitei, incrédulo. Impaciente, a rainha respondeu à própria pergunta. -Porque eu gostei de você. Da sua boa aparência, da maneira como soltava o próprio nome enquanto não consciente em meu redemoinho... Toris, Toris, Toris! É tão divertido pronunciar! -ela bateu palmas, divertindo-se. -E, apesar de ser um assassino cruel, você está sendo um cavalheiro, o completo oposto daquele brutamontes que sou obrigada a chamar de marido.

Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, outra voz feminina surgiu.

–Vossa majestade Felicja, o jantar está à mesa.

Quem dizia isso era uma moça de cabelos ruivos longos que, para o meu rubor, serviam como a única cobertura para seus seios fartos. Assustei-me também com o fato de que a tal moça não possuía pernas, mas uma longa cauda píscea acinzentada em seu lugar. Ou eu sonhava, ou as syrenkas tão famosas nas lendas bálticas realmente existiam.

–Oh, obrigada, Bozena! -a rainha Felicja levantou-se do trono e me olhou quase em reprovação. -Acho, Toris, que seria melhor se trocar. Pensando bem, não há tempo para isso. Vamos logo, garoto, vamos!

Felicja tomou minha mão, arrastando-me pelo palácio de âmbar enquanto a syrenka Bozena nos guiava. A rainha parou e eu também o fiz quando chegamos a outra sala, menor do que a do trono, ou talvez apenas fosse a visão que eu tinha, já que estava totalmente abarrotada de objetos. Eram quadros, estátuas, outras syrenkas e melusinas que circulavam por todos os cantos, trazendo iguarias diversas em bandejas, e janelas que davam para águas escuras. Percebi com um certo atraso que estávamos em um palácio subaquático, mas o que verdadeiramente me surpreendia era que, embora eu tivesse todas as sensações correspondentes a um lugar seco, as mulheres-peixe e mulheres-serpente se movimentavam como se estivessem nadando. E, no centro de tudo, havia uma enorme mesa de jantar que, como quase tudo no palácio, era feita de pedra amarelada.

–Sente-se onde preferir, Toris.

Antes de me sentar, puxei a cadeira para a rainha. Ela sorriu e se voltou para Bozena, que ainda estava conosco.

–Não te disse que ele era adorável, Bozena? Sinceramente, o que leva um rapaz desses a ter uma profissão tão detestável quanto a de pescador? Halka, minha querida, -chamou Felicja por uma melusina de cabelos negros e expressão sereníssima- pode nos servir de meu prato preferido!

Halka assentiu, partindo para um outro aposento do palácio e, em pouquíssimos minutos, voltando com uma travessa coberta, pratos e talheres diversos cujas funções eu não conseguia assimilar. A melusina postou tudo em seu lugar, a travessa diante da rainha que, passando a língua nos lábios, -e de alguma forma, conseguindo que tal ato parecesse gracioso- a abriu. E, deixando-me indignado, Felicja, que supostamente desprezava e condenava o abatimento de peixes, tirou de lá alguns peixes alaranjados de tamanho médio, ainda vivos.

–Com todo o respeito, mas vossa majestade não era contrária a isso? Não afogou incontáveis pescadores por estarem matando seus peixes?

Felicja riu no tom infantil que eu havia ouvido anteriormente, pegando uma faca e começando a partir ao meio um dos peixes vivos. Eu assistia à cena horrorizado.

–Isso é muito diferente do que vocês, pescadores malditos, fazem. Enquanto vocês destroem o equilíbrio deste ambiente, eu multiplico a espécie que vocês conhecem como linguado. -ela continuou cortando os peixes vivos, deixando algumas metades em seu prato, algumas no meu e a maioria de volta na travessa. Sugeriu que me levantasse da mesa para ver o que aconteceria em seguida.

Fomos até uma das janelas arredondas voltadas para o verde escuro característico das partes mais geladas deste mar, e Felicja a abriu. Preparava-me para uma verdadeira enxurrada e, contrariando a lógica, nada veio. A rainha lançou as metades de peixe pela janela, na água. Como se eu já não houvesse me espantado diversas vezes naquele mesmo dia, se recuperaram. Com olhos disformes e corpo achatado, os peixes mutilados retomaram vida e saíram nadando, desengonçados.

–É por isso, Toris, que o linguado é um peixe único, estranho até. Desse jeito, consigo dobrar o número existente desta espécie e até sobra para uma refeição fabulosa! -disse Felicja.

Depois daquele bizarro evento, não questionei mais nada vindo da rainha. Compreendi que o Báltico, que eu julgava conhecer muito bem, funcionava de uma maneira sobrenatural que eu nunca imaginara. Passei a encarar, se não com naturalidade, com uma quase indiferença as criaturas ditas míticas que surgiam, as feitiçarias de Felicja, a excentricidade do palácio e de sua governante. Esta, apesar da intolerância para com aqueles que destruíam o equilíbrio do mar, mostrava-se uma mulher gentil que apenas queria o melhor para as criaturas sob sua proteção. Era também imprevisível e impulsiva, mas não deixava de ser doce e encantadora.

O tempo no palácio de Felicja passava rapidamente, já que eu sempre encontrava algo novo para me distrair, porém de uma forma estranha - creio que era pela noção de dia e noite ter se perdido. Lembro-me de ter presenciado diversas vezes o estranho ritual dos linguados, e comparecido a muitos jantares com a rainha. Com nossa relação evoluindo para uma ligação quase romântica, -e, admito, isso foi acontecendo graças à ousadia de Felicja, considerando que eu não possuía coragem alguma para dar os primeiros passos- eu nem pensava mais em voltar para a vila praiana onde vivia. Muito provavelmente não o faria se Hidelgarda, uma syrenka trajada de walküre, não tivesse anunciado à rainha a chegada de seu marido.

Eu não fazia ideia de que tipo de homem era o consorte de Felicja, pois não me falara nada sobre ele além daquela breve menção no dia em que nos conhecemos, e eu também não lhe perguntara. Mas, pela expressão da rainha e o suspiro que soltou, imaginei que não era uma pessoa agradável.

–Toris, acho que é melhor você ir embora agora.

Não me lembro do que disse depois. Aliás, acho que ficou em silêncio. Hidelgarda me levou até o salão do trono, aquele mesmo em que vi Felicja pela primeira vez. Posicionando-me no centro do lugar, pediu que eu fechasse os olhos. Senti meus pés sendo levantados do chão, e uma pressão enorme me lançando para o alto. Mesmo que eu quisesse visualizar o que estava acontecendo, não conseguiria, tão fortemente fechados que estavam meus olhos.

Estava, por fim, de volta à mesma praia, encarando a monotonia do mar Báltico. Voltei ao ritmo de sempre, à exceção de que abandonei a atividade pesqueira. Conhecidos perguntavam ocasionalmente por onde eu andara, - e essa era a única garantia que eu possuía da veracidade de Felicja e seu reino- e eu simplesmente desconversava.

Sentia saudades de Felicja, porém não estava certo se deveria ou não voltar ao palácio. O que faria se o esposo da rainha ainda estivesse lá? E se fosse ele uma pessoa má, como Felicja deixava implícito?

Adquiri o costume de, todas as noites, sentar-me no cais improvisado que pescadores costumavam usar e ficar observando o mar, pensando no palácio de âmbar e sua bela soberana, ou então de sentar-me na areia mesmo. É algo que ainda faço, mas não com tanta frequência. Sei que os outros habitantes da vila estranhavam não só essa como minhas outras atitudes súbitas, mas já estava tão desligado deste mundo que isso não me importava.

Não tinha um motivo certo para fazer isso, já que eu não tinha esperanças de ver minha rainha novamente. Porém me confortava, deixava-me com a falsa ideia de estar um pouco mais próximo dos encantos de Felicja. Talvez não fosse de todo uma falsa ideia, considerando toda a influência que tinha a rainha no mar Báltico. A água calma, os linguados, até a formosura das conchas eram obras suas.

Desnecessário dizer o quanto me assustei quando, sozinho no cais a altas horas da madrugada, um par de mãos geladas me puxou pelos ombros e lábios gelados me roubaram um beijo rápido.

–Sentiu minha falta tanto quanto senti a sua, Toris?

Passei meus braços em torno dela, segurando-a contra mim como que para espantar o medo de perdê-la. Minha doce Felicja estava de volta, eu mal podia acreditar. Após algum tempo nessa posição, quem se afastou do abraço foi ela, apenas para se sentar ao meu lado e recostar a cabeça em meu ombro, observando a calmaria do mar que conhecia tão bem.

–Toris, fiquei tanto tempo sem pronunciar seu nome! Era impossível fazer isso com aquele homem grudado em mim o tempo inteiro.

Perguntei-lhe por que se casara com um homem que obviamente não amava. E compreendi a razão, embora muito longe de minha realidade.

Em diversas lendas, eu ouvira que o mundo era regido por certas deidades. Felicja me introduziu a uma delas, Ivan, cruel e poderoso deus dos trovões e tempestades. Disse-me ela que, anos antes da fundação de minha vila praiana, este mar que estávamos contemplando era terrivelmente agitado, um dos centros de poder do deus. Felicja, uma feiticeira marinha com um poder limitado às fronteiras do Báltico, era tremendamente prejudicada pelas tormentas que com frequência atingiam seu reino. Então, resolveu conversar com Ivan para tentar um acordo. Quando este a viu, desejou tê-la, e fez um tratado com a rainha que beneficiaria ambas as partes: Felicja prometera a Ivan sua mão, e Ivan prometera a Felicja livrar o Mar Báltico de quaisquer empecilhos causados por seus poderes. Minha rainha considerava o acordo justo, embora não gostasse do marido de jeito maneira. Não o via muitas vezes, já que Ivan tinha outros vários domínios para cuidar além deste pequeno mar ao nordeste da Europa.

–De qualquer maneira -Felicja completou-, Ivan não pode descobrir sobre você. Não acredito que o fará, já que eu estou tomando todo o cuidado possível e só te visitando quando ele não está em minha casa, mas deveria se precaver também, Toris.

A rainha passou a me visitar sempre que surgia a oportunidade. Os encontros nossos sempre terminavam da mesma maneira: os dois sentados à beira do cais, conversando sobre algo trivial ou, nas raras ocasiões em que Felicja preferia o silêncio, apenas observando o mar inerte. Creio que nenhum de nós se importou -na verdade, acho que até achávamos graça- quando ondinhas começaram a se formar, quebrando quando se aproximavam da costa e espumando na areia. A cada vez que Felicja vinha à superfície, as ondas aumentavam de intensidade e volume, até que um dia ficaram altas demais para serem consideradas naturais naquele ambiente. A rainha ficou alerta, porém nada aconteceu. Apenas me disse que regressaria ao palácio, e voltaria quando pudesse.

Semanas se passaram, nuvens acinzentadas tomaram o céu, e Felicja não voltou. Os mais velhos da vila diziam que uma forte tempestade viria, daquelas que não eram vistas há décadas. Os ventos assumiam uma formação estranha e eu me preocupava com o que poderia acontecer à minha rainha. Estava óbvio que a tormenta iminente possuía ligações com Felicja e, muito provavelmente, com Ivan.

Recordo-me bem daquela quarta-feira em que a chuva começou a cair com violência, obrigando todos os moradores a se recolherem. Os trovões retumbavam ameaçadoramente, e o vento, com um tufão em miniatura, conseguiu fazer belos estragos na vila. Alguns lampejos particularmente terríveis atingiam o mar.

O temporal durou alguns longos dias, os quais foram ocupados com pensamentos sobre Felicja. Como estaria a rainha? De que maneira o tempo violento estaria afetando seu reino? Estaria junto de seu marido, que descumprira o acordo e atacava o Báltico?

Assim que a tempestade cessou, peguei um barco novo e rumei para o lugar onde encontraria o redemoinho, a porta para o palácio de âmbar. Desnecessário dizer, não o encontrei. Torci para que fosse o simples azar, para que a rainha mais tarde voltasse à superfície e se encontrasse comigo. Voltei para a praia - "estas pedrinhas amareladas sempre estiveram aqui?", pensei. Tentei me convencer de que a semelhança com as pedras que compunham o palácio de Felicja era uma simples coincidência ou, quem sabe, um bom sinal. E continuaria nessa linha de pensamento até hoje, não fosse pela notícia que a syrenka Bozena me trouxe.

Continuei indo ao cais todas as noites, com a tola esperança de que Felicja voltasse. O mar voltava a ser sereno, quase morto, como eu estava acostumado. Certa vez, o som incomum de algo emergindo chamou-me a atenção, e me pus alerta. Poderia ser Felicja.

Confesso que fique bastante decepcionado com a visão de Bozena, a syrenka de cabelos ruivos. Parecia fraca e doente, a beleza apagada. E me pôs a par da situação do reino: "nada fica escondido dos deuses por muito tempo", lembro-me de suas exatas palavras. O palácio de âmbar fora destruído, juntamente com sua principal ocupante. Além do adultério, Felicja descumprira uma lei primordial deste mundo - a de que criaturas mágicas não podem, a não ser que estritamente necessário, revelarem-se para humanos. Isso valia também para a syrenka que, muito provavelmente, também seria destruída.

Bozena não ficou mais do que cinco minutos, não me deixando tempo para perguntar mais nada. E permaneço até hoje sem saber por que Felicja fora punida, e eu ignorado. Tentei diversas vezes o afogamento e falhei, sempre sendo levado de volta à praia de maneira misteriosa. Imagino que este seja o castigo que Ivan me impôs, conviver com a perda e a culpa.

O mar Báltico já não possui a calmaria de antes, tendo ondas e ocasionalmente passando por tempestades. Mas os linguados continuam tendo um formato estranho, as conchas continuam formosas, e a pesca tomou vida como nunca antes. Ninguém jamais imaginaria que um dia existiu a rainha do Báltico ou deidades que, de fato, governavam o mundo e seus elementos - talvez aqueles velhos contadores de estórias que conheci na juventude, que há muito morreram e levaram consigo suas lendas. Além de meus pensamentos, tudo o que resta da rainha é o âmbar que vai se acumulando na areia, trazido das ruínas do palácio à costa e deixando as praias bálticas ainda mais bonitas.


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Notas finais do capítulo

Esta estória é totalmente baseada em uma lenda da Polônia/países bálticos, a da rainha Jurata (só tenho o link em inglês aqui, mas se alguém se interessar... http://info-poland.buffalo.edu/classroom/legends/QB1.pdf). Existem diversas versões, mas preferi usar esta =3
Não tem muitas diferenças do plot para a história, mas algumas são notáveis, além de que eu fiz uma enrolação tremenda. Na história original, além de que não tem nada dessa de ui-tem-um-redemoinho-na-água e que Jurata e o jovem se conheceram na praia, quando esta pretendia afogá-lo, o pescador sabe muito bem da existência de uma governante do mar Báltico e suas estritas regras quanto à pescaria, não é dito que Jurata era casada com Perkun... e é, no final, esse pescador é aprisionado pelo deus. Resolvi dar um final um pouco mais feliz ao Toris porque ele merece ç.ç
E uma observação feliz: Siiiim, a lenda também era usada para explicar o formato estranho dos linguados QQ xD
Adaptações dos personagens (inútil dizer, masok) e uns termos que usei:
Perkun, o deus dos trovões: Rússia/Ivan
Rainha Jurata: fem!Polônia/Felicja
Jovem pescador: Lituânia/Toris
Bozena = Nome feminino polonês que significa feliz/presente divino. Escolhido porque foi um dos primeiros que vi nos nomes poloneses para meninas no Babynames (sim, é nesse tipo de site que eu procuro nomes para personagens u_u) que me agradou Q.
Halka Outro nome que gostei do babynames, significa calma se interpretado como nome grego, e brilhante se interpretado como polonês.
Hidelgarda Não sei por que razão, mas amei este nome. Creio que seja mais germânico que polonês... de qualquer forma, significa alguma coisa relacionada a arenas/parceiros de batalha Q xD
Syrenkas são as sereias polonesas. Aliás, o brasão de Varsóvia consiste em uma syrenka em um campo vermelho =D
Melusinas ou melusines- são parecidíssimas com as syrenkas, mas ao invés de rabo de peixe possuem rabo de serpente. Aparecem não somente nas lendas bálticas, mas nas germânicas também.
Espero que tenham gostado! Reviews? ^^