Ainda doía, doía muito.

A ferida poderia até se cicatrizar – e estava, aos poucos –, mas nunca iria sarar por completo.

E ela tinha noção disso.

Soltou um suspiro frustrado, depositando a caneta que segurava na mesa. Estava na véspera do começo das provas e aquela aula era de máxima importância, mas não conseguia se concentrar de modo algum.

Desistindo de prestar atenção nas palavras do professor, que ficavam inaudíveis e desconexas a cada minuto que se passava, abriu o caderno em uma página em branco qualquer e começou a fazer um rabisco sem importância.  

Após o trágico acidente de Menma a garota se perguntara internamente diversas vezes o porque de não ser ela a morrer no lugar da amiga, o tempo passara e a pergunta sem resposta ficara esquecida em sua memória, mas depois de ter se despedido da amiga pela segunda vez o questionamento voltara a lhe atormentar.

Se fosse ela quem tivesse morrido ninguém iria chorar.

Se fosse ela quem tivesse morrido ninguém iria sentir falta.

Se fosse ela quem tivesse morrido ninguém iria ligar.

Não, Tsuruko balançou a cabeça, não podia se dar ao luxo de ter esse tipo de pensamento obscuro. Tinha prometido a si mesma que tentaria ser uma pessoa boa como Menma, que teria ao menos um décimo da bondade dela.

A morena não queria ser a substituta, a tempos que tinha se conformado em ser apenas a amiga de Yukiatsu, mas definitivamente precisava seguir em frente as mudanças – principalmente as interiores – eram o primeiro passo.

- Tsuruko-san – Uma voz feminina ecoou  ao longe – Tsuruko- san!

- O que? – A morena piscou os olhos, confusa.

Deu uma rápida olhada pela sala. A aula já havia acabado e restavam poucas pessoas no local. O quão distraída ela estava?

- B-bem... – A menina de cabelos castanhos gaguejou, corada, sua mão segurava com força desnecessária uma carta – Você poderia entregar está carta ao Matsuyuki-kun?

Tsuruko soltou o ar pela boca e se levantou de sua cadeira, já estava mais do que familiarizada com esse tipo de situação.

- Não – Pegou sua bolsa escolar – Você também está na mesma sala dele, entregue você mesma.

Deu de costas para a menina e uma mão segurou seu braço.

- Não vá se achando só porque é próxima dele! – O tom da garota era irritado – Você gosta do Matsuyuki-kun, não é?

- Não... – Foi cortada.

- Tsuruko! – A morena não soube dizer de onde Yukiatsu veio – Algum problema?

A garota que lhe segurava a soltou e saiu em passos rápidos da sala.

- Nenhum – Ajeitou os óculos de armação vermelha no rosto.

- Entendo – O garoto deu um sorriso amarelo, entendendo a situação – Vamos para casa?

...

O trem estava mais vazio do que o normal naquela tarde. Os dois, como sempre, se sentaram relativamente longe. A dupla não era de muitas palavras, de forma que um silencio confortável reinou por metade do trajeto. O garoto arregalou os olhos, repentinamente se lembrando de algo importante.

- Poppo me ligou ontem – Yukiatsu encarou a garota, que fechou os livros e o fitou – Ele quer marcar uma viajem conosco até um hotel de uns conhecidos, em uma cidade do interior próxima daqui e eu fiquei de te falar... Então, você quer ir?

- Impossível. Estamos em semanas de provas.

- Vai ser no final da outra semana, quando as férias começarem – O menino argumentou vagamente.

- Você vai? – A morena perguntou, espantada.

- Para falar a verdade não estou animado – Suspirou – Mas seria uma boa viajar, respirar outros ares...

Os olhos de Yukiatsu estavam com aquele brilho especial, uma mescla de tristeza e ternura, de quando ele se lembrava de Menma, Tsuruko desviou os olhos.

- É... Você tem razão – Deu um sorriso triste – Já que vai ser nas férias, eu vou.

Ficaram mudos até o momento em que ele a deixou em casa.

Naquela noite, em suas cobertas, Tsuruko chegou  a conclusão de que, afinal, aquele passeio viesse em boa hora. Ela queria mudanças, não queria? O que seria mais bem vindo, então, do que ir a um lugar desconhecido?