Quatro horas da tarde em ponto. O sinal da escola batia e os estudantes apressados saiam. Do lado de fora, ônibus escolares e carros particulares se misturavam causando uma bela bagunça.

E no meio daquela zona estava Lisbon. Sentada dentro do seu carro preto, observando o movimento enquanto terminava o seu café comprado no Seven eleven.

O dia estava particularmente mais quente do que os outros. O ar condicionado do automóvel estava a mil e Lisbon sentia seu nariz começar a ressecar.

Se fosse outra pessoa, provavelmente ela criaria coragem e sairia do carro para esperar por Charlotte. Porém, Lisbon não gostaria de se juntar com as outras mulheres. Afinal elas eram todas mães. As típicas mães americanas. Cabelo sempre muito penteado, roupas e maquiagens discretas. As perfeitas donas de casa.

Lisbon odiava isso. Porque ela estava mais para uma madrasta – daquelas más – do que uma progenitora.

–Lisbon – Charlotte bateu no vidro do lado do passageiro. Estava impaciente. Queria acabar com isso o mais rápido possível – Acorda, eu quero entrar no carro.

A agente destrancou as portas e a garota entrou. Seus pelos se arrepiaram quando seu corpo aquecido se chocou contra o frio.

–Por que tá tão gelado aqui?

–Hoje é um dia quente. – Séria, ligou o carro e partiram dali, em rumo a algum lugar ainda não especificado. – Quer ir para qual shopping?

–Qualquer um. – Ela cruzou os braços, olhando para frente, tentando evitar qualquer contato visual com a morena. – Só quero ir para casa logo. Tenho lição de casa.

–Certo. Vamos na Downtown Plaza. É o mais perto daqui.

–Ok, por mim tudo bem.

O assunto morreria ali. Nenhuma das duas estava afim de conversar e prolongar isso iria causar outro desentendimento.

“Ela gosta de você”

Porém, Lisbon realmente queria tentar se amiga dela. O fato que ela e Jane estavam muito próximos – demais – fez com que ela repensasse. Ter a amizade da filha dele era bem importante, ou ela teria problemas. E, se ela conseguiu lidar todos esses nove anos com ele, significa que ela também poderia lidar com Charlotte.

–Você vai querer comer algo? – Perguntou, com o tom de voz mais gentil que podia.

–Não. Almocei na escola. – Charlotte sentiu a delicadeza na voz da morena e sua resposta levemente ríspida, não iria ajudar em nada. – Mas papai disse que iria fazer a janta. Ao menos que você queira comer algo. Esse seu café não vai te manter saciada por muito tempo.

–Eu prefiro esperar pela janta. Estou empolgada em ver o seu pai cozinhar.

–Papai cozinha bem. Não sei se você chegou a experimentar os seus ovos mexidos... São deliciosos. –Ela sorriu. Um leve e tímido sorriso.

–Não ainda. Mas, espero que um dia ele faça. Eu ficaria feliz em experimentar.

–Pode deixar, eu vou sugerir para ele.

–Obrigada – Teresa deu um leve risinho. As coisas poderiam se resolver entre elas.

Talvez elas pudessem ser amigas.

**

O shopping não era o lugar favorito de Charlotte. Ela não gostava de ficar olhando roupas e mais roupas que não poderia comprar. Nem de observar as famílias felizes que ali estavam. Nem do ambiente terrivelmente tentador. O consumismo estampado em cada vitrine. Tudo isso lhe dava arrepios.

–O que você vai dar para o meu pai? – A voz da loira saiu fraca, como se soltasse aquilo sem muita certeza se deveria mesmo perguntar.

–Um perfume. – Ela negou levemente, se corrigindo – Na verdade é uma colônia. Eu vou encomendar pela internet. Sai mais barato.

–Entendo.

–E você já pensou no que vai dar?

–Queria algo especial. Mas, eu não sei o que dar.

–O que tinha pensado inicialmente?

–Uma coleção de livros de poesia. Acho que é muito antiquado para ele. Não é especial.

–É sim – Ela afirmou, observando uma vitrine de roupas casuais – Vão durar a vida toda. Além disso, seu pai ama ler.

–Não é tão especial. Queria algo único. Livros são presentes comuns dados a pessoas como o papai. Eu aposto que ele irá ganhar livros por parte do Cho ou Rigsby.

–Como você pode ter tanta certeza disso?

–Eu sei das coisas. – Ela sorriu – Mas para ser franca eu vi o Rigsby revirando os livros do papai, ontem enquanto eu “tirava uma soneca”. Ele derrubou um livro em mim.

Lisbon sorriu, revirando os olhos. Isso era bem típico do Rigsby.

–O que você acha que eu devo dar? – Charlotte finalmente perguntou.

Teresa passou a mão pelos fios escuros e começou a pensar no que Patrick gostaria de ganhar.

Cuecas? Não era algo especial. Livros? Eram uma boa opção, mas Charlotte já havia os desconsiderado. Uma caneca? Teresa se repreendeu por pensar nisso. Ele já tinha a azul – e essa era sua favorita.

–Já sei! – Lisbon afirmou animada. – Patrick me disse uma vez que seus sapatos estavam velhos. Ele gosta muito daqueles pedaços de couro envelhecido, e não troca por nada nesse mundo. E se você der um par novo?

–Um sapato de couro? – Charlotte fez um biquinho, pensativa. – Quanto será que é?

–Não é muito barato. Porém, irá durar anos.

–Eu gostei da ideia. – Lisbon sorriu. Estava contente por estar ajudando-a. Talvez agora ela não fosse mais a “madrasta” terrível e cruel. Talvez agora Lisbon estivesse no caminho para ser considerada uma “boadrasta”, amiga e gentil. De qualquer modo, Charlotte agradecia mentalmente em Teresa ser a “escolhida” de seu pai.