Otávio bateu a porta ao entrar o quarto. Já estava cansado, cansado de tudo aquilo. Daquelas brigas, daquele tratamento, daquilo tudo. Era tão difícil para Charlô entender que ele a amava? Era tão difícil reconhecer o afeto dos outros? Parecia que todos aqueles desafios aos quais ela se submetia a haviam endurecido profundamente. Uma dama de ferro, com coração de diamante, multifacetado e inquebrável. Ou melhor, duríssimo mesmo.

Claro que ele estava consciente de que a havia provocado, e no mau sentido. Mas qual a necessidade de jogar todo o café nele? Pior que a dor da queimadura era a dor da rejeição de todos esses anos. Anos sob o mesmo teto, dividindo até o ar que respiravam. E as coisas só pioravam a cada dia.

– Seu Otávio, quer que eu prepare um abrasivo pra queimadura?

– Quero que você suma, dona Olívia, suma!

– Nossa, seu Otávio, que grosseria, não é por menos que dona Charlô não te suporta, parece que nasceu com o vento virado!

– E é por causa dela mesmo que estou desse jeito, aquela megera da sua patroa, vocês mulheres são um bando de histéricas incompetentes, isso sim!

Disparando para o closet, Otávio arrancou a camisa molhada nem se importando em não arrebentar os botões. Estava com ódio, com ódio de Charlô. Ele só queria ver se ela sairia no sábado ou não. Ela teria de passar primeiro por cima do cadáver dele.

***

– Quero massagem com pedras quentes, pelando. Pra ver se alivia o estresse. - Charlô pediu à massoterapeuta, enquanto segurava as lágrimas. Ela não sabia se tinha mais ódio, nojo, ou indiferença. Bom, este último era a única coisa que ela não tinha, considerando o quanto ela estava se importando. Mas racionalidade não era a característica do momento.

– Qual estresse, dona Charlô? Para ter uma pele linda como a da senhora tem de se viver muito bem!

– Viver bem é a última coisa que eu ando fazendo ultimamente...

– Por algum motivo em especial?

– O pior de todos. Homens.

– Pode ser o melhor deles também...

– Não neste caso.

– Parece que seu Otávio está deixando a senhora de cabelos em pé, hein? - a massoterapeuta sorriu.

– Como assim, o Otávio?

– Ah, São Paulo toda sabe que vocês não se cruzam e precisam viver juntos por questões de família. Imagino como é difícil.

– Espero que isso não se delongue por muito tempo mais, de verdade.

– Mas por que vocês dois nunca se casaram, Charlô? Os dois dentro de casa sem companhias não é pior?

– Não sei mais o que é pior ou não, detesto todas as alternativas... - Charlô mergulhava num sono leve, tendo Otávio em sua mente como última imagem. E adormeceu.