As Histórias De Thalia escrita por GiGihh


Capítulo 89
"Eu nunca desisti de você"




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LUKE

Mais uma vez Jackson causava problemas. Antes de ele chegar, divertíamos nosso anfitrião em busca livre passagem. O gigante filho de Poseidon era insaciável e quase intolerável. Vi diversos morrerem para diverti-lo sentado na arquibancada ao lado dele. Tentava prestar atenção a carnificina, mas minha mente divagava para o que estava próximo de acontecer. Censurava-me dizendo que não era nada demais, que era uma posição honrada e que as consequências eram até amigáveis. Até porque, quem nunca quis simplesmente deixar de existir?

Percy lutou contra o irmão durante um tempo; não observei a luta, observei apenas Annabeth. O desespero dela ia direto para Jackson. O olhar alerta dela ficava buscando pelo dele com uma paixão intensa no fundo daquela imensidão cinza; sendo o lerdo que é ele não percebeu. Perguntei-me desde quando ela sentia aquilo por ele, se o sentimento seria real, se a sensação ainda era a mesma que eu me recordava... Senti-me enojado. Não havia espaço para “amor” nos dias de hoje. Não havia amor na guerra. Havia apenas a morte.

Anteu exigia que Jackson o colocasse no chão.

–Solte-o! – ordenei – Ele é nosso anfitrião!

–Vou soltá-lo.

Mas não soltou; o gigante estava morto.

–Jackson! – gritei – Eu devia ter matado você há muito tempo!

–Você tentou – ele retrucou com tom de zombaria – Deixe nos ir, Luke. Tínhamos um juramento de Anteu, eu sou o vencedor.

–Anteu está morto – retruquei – O juramento morre com ele. Mas como eu estou me sentindo misericordioso hoje, vou mandar matá-lo depressa. – apontei para a loira – Poupem a garota – me senti tremor – Irei falar com ela antes... Antes de nosso grande triunfo. – Eu tinha que explicar para ela que aquele era meu “fim”, que a partir de agora eu não existiria e que ela deveria parar de alimentar sonhos infantis. Diversos monstros mostraram suas armas.

Jackson sobrou um apto com desespero. Não me aguentei: gargalhei alto.

–O que isso deveria fazer?

Um gigante lestrigão colidiu com uma parede enquanto gritos ecoavam. O som de um latido ecoando pelas paredes da arena. Kelli gritou quando um mastim negro de mais de 200 kg jogou-a no ar como se fosse de brinquedo; o demônio caiu exatamente no meu colo, me impedindo de agir. Estava aturdido a ponto de ver tudo em câmera lenta, embasada e sem detalhes: Jackson e seus amiguinhos fugiram enquanto um tumulto de monstros se atrapalhava para descer das arquibancadas. Aturdido demais para me lembrar de tirar a empousa do meu colo.

–Senhor – um gigante conseguiu chamar a minha atenção sobre toda a multidão que ia atrás deles – alguém deseja vê-lo.

–Quem seria? – expressei minha confusão; Kelli não fez nada para mudar de posição.

–Uma meio-sangue, mas não uma semideusa qualquer – o sotaque do monstro chegava a ser cômico; continuei confuso e ele exibiu um sorriso grotesco – É a tenente de Ártemis.

Joguei a empousa para longe com uma força extraordinária, fazendo-a voar ainda mais longe do que aquele animal de estimação negro do Jackson, e me levantei depressa. Em questão de instantes a arena se encontrava vazia. Seis monstros entraram cercando alguém cuja vista eu não tinha. Tentei não me entusiasmar tanto já que eu havia sido dispensado da última vez que nos virá. Eu não havia reagido bem já recorrera a diversas drogas. De qualquer forma, o estúpido coração não me obedecia.

Gigantes, dracaenae e meio-sangues aos pares caminharam até minha frente em posição de sentido ainda me tapando a visão. Não fazia sentido Thalia vir me visitar... O que ela planejava?

Os guerreiros se afastaram indo para os cantos mais distantes da arena e me revelaram uma visão extraordinariamente linda: sua blusa prateada só tinha uma alça fina deixando à mostra a pele de seu ombro, um short branco e botas de caça da mesma cor, os cabelos já apresentavam alguns cachinhos como antigamente. Tão linda... Mas ela não me parecia a Thalia. Aquela versão era completa e totalmente pertencente à Ártemis. Só havia uma caçadora ali. Mas isso não podia influenciar meus atos. Eu seria um líder, tinha que ser.

Ela não olhava em meus olhos.

–Thalia. – cumprimentei com entusiasmo falso e com os braços abertos.

–Luke. – Luke ela respondeu sem entusiasmo, olhando suavemente ao redor. Kelli surgiu não sei de onde e não sei como, grudando ao meu lado de uma forma provocativa, em um abraço nada inocente e totalmente sufocante.

–O que quer aqui, caçadora? – Kelli rosnou mostrando as presas; esse feito poderia ter abalado qualquer um inclusive Thalia, mas não. Ela continuou calma, passiva, refletindo toda a superioridade que havia em seu sangue e toda a graça que conquistara com Ártemis.

–Com certeza não vim aqui para ver você, demônio! – Thalia retrucou soando totalmente ela: com desprezo e zombaria, mas ainda na medida certa, mantendo a compostura – Preciso falar com Luke – ela olhou para os lados, para cada guerreiro ou monstro em seu local de vigia e falou mais para eles do que para Kelli – A sós.

Os olhares surpresos caíram sobre mim; todos, com exceção do que eu mais queria mesmo doendo admitir. Assenti e todos deixaram a arena seguindo o caminho para o nosso quartel general. Kelli não me soltou de seu abraço e pelo o que eu percebia ela não sairia enquanto Thalia estivesse na minha presença.

Foi quando aconteceu. Não sei se há um meio de explicar o que se seguiu. Por mais simples que pareça, foi intenso e profundo. Ela ergueu os olhos olhando fixamente para mim sem qualquer nota de desprezo, dó, raiva ou qualquer outro sentimento repulsivamente baixo.

–Por favor! – ela suplicou a mim e não ao demônio e isso surtiu um efeito forte.

–Kelli, vá com os outros – não tirei os olhos da caçadora a minha frente...

–Mas, Luke...

–Não tem “mas”. Você vai voltar agora para o Monte Tam sem protestar com os outros, - ela me olhava assustada e raivosa; sibilei quando vi que ela não se mexeria – agora! – olhava com raiva para a empousa, mas juro ter visto a sombra de um sorriso em Thalia.

Kelli me soltou relutante e seguiu para o túnel escuro tendo o cuidado de fechar os grandes portões de madeira. De costas para mim, a caçadora observava o demônio ir embora.

Estávamos sozinhos.

Por mais que eu a quisesse ali comigo, parte de mim temia um ataque dela. Eu sabia que ela sempre venceria, mas, independente do resultado, sempre acabávamos ambos os dois machucados demais. A filha de Zeus era imprevisível demais, talvez pior do que uma tempestade. Por essa razão, eu segurava uma faca nas costas.

Thalia percebeu o movimento. Talvez fosse porque o cheiro fraco do metal invadia o seu elemento ou fosse porque ela era perfeita demais; não importa. Ela percebeu tanto o meu medo quanto a faca. Ela teve a ousadia de sorrir para mim!

–Não precisa temer um ataque meu.

Ela falou com doçura. Não aquela voz melada e grudenta que maioria das meninas usa quando quer algo; era algo mais puro e autentico, era algo totalmente dela. Fazia tantos anos que eu não ouvia essa melodia... Isso me confundia demais: ela pediu que nos deixassem sozinhos, sorriu com sinceridade, foi doce... Não era possível...

Ela voltou a perceber o que se passava. E teve a audácia de rir.

–Estou sem armas, Luke. Quer relaxar?

–Se não veio me atacar, para que veio?

–Preciso – ela suspirou – Preciso falar com você. – ela assumiu uma expressão séria e triste que eu começara a tomar por normal.

–Sobre o que?

–Sua escolha – sua voz transbordava ternura; comecei a pensar que ela não falava comigo, mas consigo mesma.

–Thalia... Você sabe que eu não posso voltar atrás – talvez até houvesse chance, mas e se eu voltasse... Eu não seria recebido de volta, os deuses me puniriam tão severamente quanto um imortal e ela continuaria sendo uma caçadora. Eu queria esconder de mim mesmo, mas a verdade é que eu não queria mudar de lado se eu não pudesse tê-la.

–Claro que pode.

Nós evitávamos piscar e o mundo, para mim, podia acabar assim. Com uma velocidade impressionante colei meu corpo ao dela como há anos desejava poder fazer de novo. Thalia se assustou e se desequilibrou. Segurei-lhe antes que caísse no chão: agarrei sua cintura com uma das mãos, forçando-a cada vez mais a colar o seu corpo ao meu enquanto com a outra mão dava apoio às costas. Fui aos poucos a levantando e aproximando meu rosto do dela. Eu sentia como se ela lutasse por dentro. Ela levou a mão a minha e retirou a faca das minhas mãos.

–Por que eu mudaria? Não existe vida para mim longe daqui...

–E isso é vida?

O silencio foi intenso até eu voltar a me forçar sobre ela. Deitei-a no chão e passei as mãos lentamente por seu corpo buscando por qualquer arma. Ela me observava sem qualquer emoção no rosto, mas com as bochechas rosadas.

–É bem melhor do que viver sonhando um sonho que nunca pode ser real. – sussurrei agachado á seu lado admirando seu rosto tranquilo ainda com as bochechas coradas.

–Nunca? O que quer dizer com isso?

–Que eu sei o que os deuses fizeram conosco. Aproximaram-nos para sofrermos mais. Aposto que eles não esperavam que fossemos reagir...

–Então é apenas isso? Repreendê-los por todos os erros e injustiças? Não acha que eles já se assustaram o suficiente? Não é hora de parar? – era uma óbvia repreensão a mim, mas ela fazia de tal modo que não parecia. Era reconfortante pensar que ela não vinha para me dar lição de moral.

Senti-me irritado. Eu certamente não queria conversar sobre aquilo; não com ela, não agora.

–Nunca sentiu raiva...

–Você sabe que sim – a julgar por sua expressão, agora eu havia irritado-a – Sabe muito bem o quanto a injustiça deles já me tirou o sono e o conforto.

–E você vai aceitar tudo passivamente? O que demônios Ártemis fez com você? Não é mais...

–A mesma? Claro que não sou. Você também não é. Quantas vezes eu tenho que dizer, Luke? Nós crescemos, nós mudamos, amadurecemos. Pare de culpar os outros por isso! – seus olhos encheram de lágrimas – São minhas escolhas, minhas mudanças, minhas promessas!

O silencio foi tudo e nada. Suas palavras ainda pareciam colidir com meu rosto de uma forma agressiva. Como na noite em que nos conhecemos, ela não derramou nenhuma lágrima, não desmoronou como eu sabia que ela queria desmoronar.

Deitei-me ali ao seu lado. A cena era estranha, mas não tanto quanto parece. Os dois no chão de terra perto de onde um dia existiu Anteu. Estávamos o mais perto que nossos corpos permitiam sem de fato encostarmos um no outro.

–Já... – tomei fôlego; não sabia se queria conversar sobre aquilo, mas eu nunca me abri com ninguém que não fosse ela; Thalia virou o rosto para o lado, me observando, mas eu encarava as caveiras balançando no teto – Já me perguntaram se eu sabia pelo o que valia a pena lutar, quando vale à pena morrer. Sabe, a resposta é bem mais complicada do que parece. Nunca realmente quis os titãs como parceiros – passei a mão nos meus cabelos, sorrindo amargamente – Mas eles me garantiram muito do que eu nunca antes tive, me devolveram a única coisa que me importava...

–E o que seria? – seu sussurro era suave, interessado e confuso. Observei seu rosto a centímetros do meu e tracei um caminho por sua bochecha. Observando-a assim eu não podia dizer que ela mudara: seus olhos ainda eram o mesmo céu de mistério e encanto de antes. Ocorreu-me que eu a julgara pelas roupas, apenas pela “casca”. Com quantas pessoas eu já havia feito isso? Em quantos julgamentos eu já havia errado?

Sua respiração era serena.

–Você – fechei os olhos terminando o caminho e recolhendo a mão – Trouxeram você pra mim, Thalia. Graças a eles. Você voltou...

–Voltei por você. Por nunca ter desistido de mim. – um lampejo lhe passou pelos olhos, algo rápido e brilhante, mas não sei ao certo o que foi. Viramos os dois juntos, novamente observando as caveiras acorrentadas. Não sei como melhor comparar a cena que não a filmes românticos: nossos dedos se entrelaçaram no toque mais suave possível; apenas os dedos. O sorriso me surgiu à face de forma automática enquanto uma corrente elétrica percorria meu corpo a partir dos dedos dela.

–Isso te deixa sem ar? – me atrevi a sussurrar.

A frequência aumentou. O prazer chegando perto do limite da dor. Prendi o ar.

–Te deixa sufocado? – ela retrucou.

Voltamos a ficar quietos. Uma brisa suavemente adornada por algo natural e esquecido penetrou as paredes nos envolvendo.

–Por que você não pergunta o que realmente importa?

–Como o que? – retruquei.

–Você está angustiado. Eu sinto aqui – ela apertou nossos dedos e outra carga de energia me arrepiou – Me pergunte o que quiser.

Tinha tanta coisa para perguntar...

–Só uma pergunta? – indaguei duvidoso.

–Quantas quiser... – seu sussurro chegou a mim apenas por conta da proximidade.

–Por que beijou aquele menino na praia? – não pensei e a pergunta saiu dos meus lábios quase sem permissão; rápido demais. Ela sorria olhando para as caveiras.

–Felipe é meu melhor amigo. Ele não sabia como devia beijar a menina que ele gosta... Eu só o conduzi.

Tremi em raiva. Felipe conseguira mesmo que com os motivos errados, mas conseguira um beijo dela.

–Por que fugiu da boate? Sabe, quando eu te segurei...

Ela suspirou parecendo relembrar.

–Eu não queria te ver. Sabia que se te visse teria que tomar uma escolha importante e... Eu não estava pronta para isso.

–Escolher?

–Te ver sumindo de novo.

Levei segundos para compreender: ela já sabia o que escolheria, sabia que queria apoiar os deuses. E eu era o único motivo para desviá-la de tudo aquilo. Me ver mudaria tudo.

–Depois que... Que me jogou... – não consegui completar a frase, não suportei...

–Eu desabei. – ela apertou suavemente meus dedos no que eu correspondi ao aperto – Nunca chorei tanto... Eu não queria... E então eu me juntei a Caçada.

Por que se juntou a Caçada? Eu queria tanto perguntar... O silencio voltou.

–Você me tirou do gelo ou foi só um sonho meu?

Ela não respondeu com palavras. Em um instante, estávamos deitados lado a lado, ligados apenas por nossos dedos entrelaçados e por uma eletricidade amigável, evitando ao máximo nos encarar. No outro, Thalia estava sobre mim, a mão deslizou do meu ombro até o pescoço subindo de encontro as maçãs do rosto e roçando nos lábios...

–Não desista... Não desista assim.

Surpreendendo-me ainda mais, seja com a atitude presente, seja por ela lembrar perfeitamente o que fez, Thalia deitou sobre meu peito provavelmente ouvindo meu coração disparar. Passei os braços ao redor de sua cintura prendendo-a a mim da maneira mais gentil que pude. Por todos os imortais! Como eu sentira falta daquela proximidade...

–Ficaria comigo pra sempre? Se pudéssemos? – não aguentei segurar o murmúrio para mim. Ela afastou ligeiramente a cabeça, apenas o suficiente para poder olhar em meus olhos.

–Para sempre seria um período de tempo muito curto para mim. – senti meus olhos se arregalarem em surpresa e um sorriso se formar sem permissão – Qualquer segundo que passo a seu lado é inacreditavelmente curto e maravilhoso. – ela sorria – Mesmo quando brigamos.

Levei minha mão ao seu cabelo sentindo a maciez de antes. Ela traçava círculos em meu peito com a ponta dos dedos e ficamos nisso: uma troca de carinhos incessantes e ingênuos.

–Pensei que as caçadoras não pudessem ficar perto de homens.

–Talvez eu nunca tenha sido uma.

Inverti as posições tão rápido quanto ela havia feito. Seus olhos brilhavam e um sorriso maroto no conto do rosto. Eu podia ficar ali a observando por anos, séculos... Mas eu não tinha esse tempo todo.

–O que quer dizer com isso?

–Você não me perguntou por que eu entrei na Caçada. – ela ergueu a mão, acariciando meu pescoço e o rosto – Já me perguntaram se alguém partiu meu coração por dentro. Fiquei tentada a responder que nunca houve ninguém que não o partisse. – ela apertou suavemente minha nuca – No Acampamento, falei que você era só passado, sempre com um sorriso no rosto. Fingi que te esqueci, mas nunca estive disposta a te esquecer. Sua sombra me persegue...

–Você – tomei fôlego – Você entrou na Caçada também por minha causa, não?

–Você, Zeus, Hugo, por mim...

–Por que voltou? Por que está aqui me dizendo essas coisas?

–Você não percebe, não é? – ela puxou suavemente meus cabelos – Eu não quero desistir de você. Não quero que você desista de mim...

–Eu nunca desisti de você. Nem poderia. – afirmei segurando-lhe o rosto.

–Você me perguntou se eu queria fugir. Eu não quero fugir. Quero enfrentar qualquer consequência que venha, mas com você ao meu lado.

Fiquei sem ar. Di Imortales! Como eu queria ouvir aquilo...

–Eu iria para qualquer lugar com você – sussurrei em seu ouvido e pude senti-la estremecer; não pude deixar de perguntar olhando em seus olhos – Thalia... Você me ama?

Ela não respondeu. Seus olhos brilhavam tanto que não havia estrela ou constelação que chegasse a mesma luminosidade. A mão que estava em meu pescoço me puxou para mais perto no intervalo em que comecei a puxá-la suavemente até mim. Entreabri os lábios sentindo seu hálito quente e próximo bater em meu rosto, se misturando ao meu; estávamos tão perto... Garras envolveram meus ombros e me ergueram com rispidez. Kelli e mais monstros chegavam segurando-me pelos braços com força.

–O que...?

–Está na hora, meu senhor. – Kelli sibilou – Matem a vadia – ela disse a dois monstros longe da minha vista.

–Não! Não encostem nela ou irão se arrepender. – minha ameaça foi o bastante; Thalia ainda estava sentada, observando tudo em choque.

–Ah! Então vocês dois acharam mesmo que iam ficar juntos? Ah, que bonitinho! – Kelli desdenhou na cara da caçadora – Vocês foram condenados a se perderem; você mesma já disse isso antes. – ela sorriu com maldade – Você nunca mais vai vê-lo, princesa.

–Não. Kelli, quer calar a boca?

Ela me ignorou, estava centrada em incomodar a filha de Zeus.

–O senhor Titã precisa de uma casca reserva enquanto não recupera o próprio corpo...

Fiquei estático. Thalia arregalou os olhos olhando com medo para mim. Debati-me mais do que nunca. Eu precisava me livrar daquele aperto, precisava voltar para ela... Nós íamos conseguir nos livrar daquele mundo... Mas estávamos os dois desarmados. Fui arrastado pelo meu próprio exército aos gritos e puxões. Se havia uma coisa certa era que eu não pararia de lutar por ela.

Um trasgo jogou Thalia longe antes que ela se aproximasse de mim.

Ela gritava meu nome. Eu gritava o nome dela. E, como no sonho, fomos separados antes que estivéssemos juntos. Assim que fecharam os portões dois demônios que mais pareciam urubus anormalmente grandes jogaram uma praga na porta... Kelli tinha na face uma expressão demoníaca digna de sua verdadeira natureza.

Eu mordia, arranhava, batia, chutava, ameaçava... Não fazia diferença.

–Você não vai mais existir, Castellan – a voz de Kelli soou diferente – Não vai mais se lembrar de nada. Nunca mais vai se lembrar dela.

Isso só me fez lutar mais incessantemente. Não vou me esquecer dela. Não vou deixar de amá-la. É uma promessa.

Mal notei quando chegamos à sala onde estava o caixão de ouro. Ele brilhava e tremeluzia. Eu podia sentir a essência do Titã em sua impaciência.

“Pare de lutar, Castellan. Você é meu!” senti medo como nunca antes ao soar da voz gélida do titã. Não parei de me debater.

“Não! Eu sou dela!”

Sua risada era terrível.

“Você queria os deuses no Tártaro e a queria de volta a vida... Agora pagará com a alma e com o corpo!” ele debochava, rindo em minha mente me aturdindo. Mal tive tempo de pensar em uma resposta; a tampa do caixão foi aberta e uma “poeira” dourada levantou se apossando do meu ar. Fui sufocado por ela, mas onde ela me tocava, me sentia entrar em chamas, a pele sendo dilacerada por minúsculas moléculas do titã. Fui totalmente corroído até não sobrar nada. Meu último pensamento coerente, a última coisa que eu realmente lembrava que tinha “cor” era um lindo e hipnotizante par de olhos azuis.


Thalia socava as portas até ter as mãos arroxeadas e os olhos cegos de lágrimas pesadas. Por cada espaçinho milhares e milhares de vermes atravessavam o solo e as paredes, subindo por suas pernas, poucos chegando até o pescoço. Ela nem os sentia. Não sentia que alguns deles a mordiam. Também não sabia que aquelas mordidinhas insignificantes lhe causariam a dor de ter todos os músculos dilacerados e lhe trariam as piores alucinações.

Não. Tinha que haver outro jeito de encontrá-lo... Ela se afastou das portas e correu na direção contrária a qual viu Luke ser levado. Ela encontraria outra saída, encontraria. Enquanto corria, diversos vermes caiam pelo caminho, os últimos ela tirava com rispidez, como se só notasse aquelas pestes na hora. Ela parou quando percebeu que estava em um beco sem saída. Encostou-se a parede buscando apoio e controlar a respiração. Ela se sentia claustrofóbica, como se as paredes estivessem se fechando ao redor dela.

E estavam.

Escapando apenas pela determinação em encontrar seu beija-flor, ela voltou a correr até tropeçar e cair esfolando os joelhos no chão. Um estalido chamou a atenção dela, embora fracamente.

–Olhe. Coitadinha! Deve estar acabada por ter escolhido errado – um riso sínico ecoou até uma voz idêntica, mas grosseira retrucar.

–Cale a boca! Ela escolheu certo, mas foi tonta o suficiente para escolher tarde.

–Errado.

–Certo.

–Errado. Ela que causou essa confusão!

–Certo!

–Errado, errado, errado!

Thalia ergueu o rosto fitando aquele deus estranho e deformado achando que olhava para o reflexo de um espelho. Ela se ergueu com os lábios comprimidos e um olhar frio fazendo o deus estremecer.

–O que quer? – a voz era desprovida de emoções.

–Podemos guiá-la!

–Escolha e terá...

–Não fale com ele! Sou mais simpático! Posso levá-la...

–... A mais sofrimento do que a morte.

Ela cerrou os punhos e os olhos faiscaram.

–Eu não quero escolher. Vá embora.

–Ninguém diz a Jano o que fazer! – disseram os dois juntos, indignados – Somos senhores das portas. Dos inícios. Dos fins...

–Isso é um fim! VÃO EMBORA!

Sumindo em pó o deus das escolhas se foi. Ela encontrou o símbolo de Dédalo não muito tempo depois; pressionando-o por poucos segundos, mal notou a marca reluzir ou o som das paredes se abrirem. Ela saiu em um galpão de uma fábrica vazia. Era noite, fim de expediente. Quase não havia luzes na cidade ou sua visão estava bastante comprometida. Cambaleando, ela desapareceu entre nova-iorquinos andando sem qualquer direção.


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Notas finais do capítulo

Certo, eu não sei bem se esse cap agradou a todos, ou mesmo se agradou a mim, mas eu gostei bastante. Espero voltar logo, logo com uma "reação" da Thalia para vocês... Bjss ;)