As Histórias De Thalia escrita por GiGihh


Capítulo 70
Minha nova familia




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THALIA

Meus olhos estavam vendados com qualquer pano prateado. Meu corpo já estava voltando a conhecer os sinais do cansaço, mas eu estava amando aquele treino diferente. Ártemis era rápida, ágil e feroz; a deusa tinha um ar selvagem que eu adorava. Eu havia jogado minha jaqueta no chão e já sentia os pequenos flocos de neve em meus braços.

–Eu vou disparar flechas na sua direção. Sua tarefa e desviá-las do jeito que der. Será fácil.

–É fácil pra você falar – resmunguei – Você enxerga e só vai lançar as flechas!

Ela riu.

–Qual é mesmo o objetivo disso tudo? – perguntei ainda apreciando o frio da neve nos braços.

–Quero treiná-la para tudo. Você tem mais potencial do que imagina que tem. - sua voz estava em constante movimento; aquilo me fez pensar em física. Aquela física insuportável que aprendi na escola junto Annie, Pam e Celine... Fazia tanto tempo... Eu ainda me lembrava delas?- Está pronta?

–Ninguém nunca está pronto para um ataque. E você sabe disso.

Esqueci do mundo e pensei nos meus instintos. Eu não era ruim, mas estava um pouco apreensiva sobre me defender de uma deusa com os olhos vendados... A primeira flecha veio da direita; inclinei o corpo para o lado... Outra fecha veio e mais outra. E outra. E outra. E outra... As flechas vinham de lugares diferentes em segundos muito próximos como se Ártemis estivesse em mais de um lugar ao mesmo tempo. Desviei de muitas, afastei algumas com movimentos rápidos dos antebraços e pulverizei uma que veio de encontro ao meu peito.

–Muito bom! - a deusa parecia dar pulinhos de alegria; ela tirou minha venda - Muito bem, Thalia!

Tentei encher os pulmões de ar frio.

– E agora?

–Nós corremos.

–Como?

–Vamos correr até as caçadoras. Vou forçá-la a ir além dos seus limites.

–Bom saber? - disse em dúvida.

Ártemis correu adentrando a mata; sua velocidade era assombrosa comparada a minha, mas mantive o ritmo. Usei os troncos de árvores como apoio e me impulsionei ainda mais. Inconscientemente, eu sorria. Aquela era uma liberdade nova, uma sensação nova... Inteira. Eu me sentia inteira... Meu riso ecoou pela mata mais fechada e aumentei ainda mais minha velocidade, estando a apenas dois metros da deusa. Minha irmã ecoou meu riso e juntas corremos. Não corríamos do vento frio, de monstros, ou por diversão. Corríamos do tempo; o grande inimigo da vida era o tempo... Embora tudo indicasse que eu viveria para sempre.

A deusa se pendurou em um galho e passou a subir cada vez mais alto. Parei estática. Eu não conseguiria fazer aquilo. Talvez ficasse no máximo em alguns galhos medianos, mas Ártemis estava alto demais. Encostei meu corpo no tronco de uma arvore qualquer e instintivamente me encolhi olhando para a terra coberta de neve.

–Thalia? Vamos, garota! Suba!

–Não consigo - minha voz não passou de um sussurro, mas ela ouviu perfeitamente. Parada ainda no alto, aqueles olhos perolados me analisavam minuciosamente. Eu queria ser capaz de me encolher ainda mais... Ela pulou até o chão.

–Tem medo?

–A altura... - sussurrei - Não consigo - olhei para o topo da árvore onde ela antes havia estado.

– Vamos mudar isso... Mas aos poucos. - ela me acariciou o rosto - Está muito pálida, sabia?

–Suspeitava.

[...]

As caçadoras haviam armado o acampamento em um lugar de solo rochoso. Caminhei ao lado da Lady da Noite até estarmos a frente de duas dezenas de garotas vestidas com roupas prateadas. A lua já começava a aparecer mesmo o sol ainda não tendo sumido.

–Minhas fieis caçadoras, apresento-lhes a nova tenente de vocês - ela passou o braço ao redor dos meus ombros - Thalia, Filha de Zeus, minha meia-irmã. Ela tem muito que aprender com vocês... - baixei os olhos um pouco constrangida - Mas tem muito a ensinar.

Olhei a deusa confusa demais para perguntar.

–Durante milhares de anos treinei minhas caçadoras para serem ágeis, esguias. Mas posso ter me esquecido da força e bravura ou não ter ensinado tão bem a vocês. - cada uma das meninas admirava cada palavra sem piscar; para minha surpresa, eu fazia o mesmo - São tempos obscuros. A lealdade será testada. Promessas terão de ser quebradas e outras terão de serem feitas. São uma família; lutaram juntas e ganhando ou perdendo, estão juntas. Compreendem? Quero-as unidas.

–Sim, Lady Ártemis.

–Então, vamos treinar.

Perdi a conta de quantas vezes nós corremos pela floresta, de quantas vezes nos fizemos flexões e abdominais. A lua já estava alta no céu quando senti meu corpo molhado; eu só não sabia se era neve ou suor.

Ártemis me mostrou a minha cabana; por ser tenente eu não a dividiria com ninguém. A tenda era prateada por fora, mas dentro era... Bom, era muito minha: a deusa explicou algo sobre as tendas serem mágicas o que resumia bem aquele lugar ter se ajustado ao meu gosto. Havia uma cama e um baú com as roupas que eu havia deixado no internado. Uma escrivaninha ao canto e uma suíte toda minha. Um tapete preto e felpudo cobria o chão. De algum canto saiu um lobo de pelagem branca e olhos muito vermelho; eu suspeitava que dividiria a tenda com ele.

Fiquei sozinha na tenda admirando tudo o que podia e absorvendo cada detalhe da minha nova vida. Sobre a cama, estavam algumas roupas prateadas e a tiara que mais parecia uma coroa prateada e adornada por diamantes postos como estrelas. Deixei as roupas sobre o baú e fui tomar um banho. Depois cai na cama e adormeci.

Nos dias seguintes eu realmente me enturmei com minhas novas irmãs. Treinamos ataques com as mãos, com os punhos e com os braços e depois praticamos nossas miras... O inverno todo foi assim, apenas treinando. Ártemis ficaria bastante distante, caçando com Apolo e nós tínhamos a obrigação de treinar cada vez mais. Era prazerosamente divertido. Aprendi em segundos o nome das minhas novas irmãs; havia nomes mais tradicionais e outros que decorei por me serem estranhos, como Elohine, uma menina pequena de 14 anos, cabelos castanhos e olhos amendoados.

[...]

–Posso parar? - minha voz soou mais tremula do que eu queria que soasse. Estava pendurada de cabeça para baixo em uma árvore alta; os galhos só apareciam nas pontas mais altas, o que intensificava um pouco meu medo. Eram os últimos dias de inverno, primeiros dias da primavera. A neve derretendo escorria pelo longo tronco como o suor gelado que começava a escorrer pelo meu corpo - Por favor!

Ártemis estava parada no chão me observando a todo o instante; eu estava lá em cima a pelo menos trinta minutos, mas para a minha mente confusa pelo medo, eu estava há anos ali em cima.

–Pode - seu tom era neutro, mas eu suspeitava haver mais alguma coisa indecifrável ali. Todos os dias ao nascer do sol Lady Ártemis me levava aos meus limites, testava o meu extremo em tudo. Meus resultados eram bons na maioria dos desafios impostos por ela... Mas a altura ainda era um problema.

Subi meu corpo e quase enterrei as unhas no tronco. Arfava buscando ar e coragem, tentando fazer meu corpo parar de tremer. Descer seria um grande problema, mas eu precisava me acalmar antes. Fiquei de pé sobre o galho onde estava e não olhei para baixo um segundo sequer; usei meus instintos, agora muito mais aflorados, e desci galho a galho até onde foi possível. Dali em diante eu teria de me arriscar: respirando fundo e fechando os olhos, pulei para outra árvore me agarrando firmemente ao galho e de lá podendo descer até o chão. Me permitir cair de joelhos na terra úmida pela neve derretida e suspirar aliviada.

Os passos dela seriam inaudíveis, mas meu medo me mantinha alerta a qualquer detalhe; a deusa se aproximava.

–Você melhorou bastante. Thalia, me perdoe a pergunta, mas... Existe algum motivo para esse medo?

Ergui o olhar. Não usei palavras; meus olhos diziam o bastante, o suficiente, talvez muito, mas diziam. Ela balançou a cabeça dando um sorriso triste; ela compreendia meu medo, minha desconfiança.

–Alguém além de mim sabe desse medo?

–Só duas pessoas.

–Alguma delas sabe do por quê?

–Só um.

–E quem seria?

Baixei os olhos; aquela resposta era de certa forma perigosa.

–Luke Castellan.

A deusa ficou tensa ao ouvir o nome, embora não tenha expressado surpresa. Ela sentou se ao meu lado e juntas observamos o sol no céu. A deusa parecia tão perdida no passado quanto eu.

–Sabe que Luke tem uma grande arma na mão, não sabe? - a voz dela era perdida - Seu medo talvez seja uma das poucas fraquezas facilmente utilizáveis contra você. Deve treinar mais, não para perder o medo, mas para controlá-lo e não deixar que te impeça de alcançar o que deseja.

Confirmei com um aceno preferindo fugir as palavras; eu preferia o silencio, sempre preferi o quieto.

–Compreendo agora seu medo, Thalia, e não posso deixar de me por em seu lugar.

–E consegue sentir o mesmo que eu? - estava tão assustada quanto empolgada com a resposta; ela sorriu.

–Na verdade não. A maioria dos humanos e semideuses tem um medo muito grande pela morte e, no entanto, você já se pôs em risco de vida sem pensar duas vezes por seus amigos, sua família. Enfrentou o maior medo da humanidade e não consegue suportar altura... - ela voltou a sorrir - Você é muito incomum.

–Eu tenho medos bobos e coragens absurdas - comentei em tom de riso.

–Todos têm, minha querida, todos têm.

Por um instante, pensei na palavra "todos". Sempre a vi de uma forma restrita: todos os monstros, todos os semideuses, todos os humanos, todos os deuses...

–Vocês, deuses, também tem medos? - perguntei observando mais atentamente o sol e me sentindo cansada pela caçada da noite passada.

–Temos - ela soltou um suspiro - Talvez sejam bobos ou talvez não. Às vezes olho para os humanos e não vejo nada de bom; o mesmo me ocorre com os semideuses. Vejo a ganância e o ódio sempre na frente de qualquer ação...

Pensei em Nayla, em Hugo, na minha mãe... Era fácil me abrir com a deusa da lua. Eu sentia que poderia contar tudo e que ainda assim eu teria um refúgio... Mas tinha tanta coisa que eu não consegui contar mesmo querendo...

–Mas existem pessoas como você e como Percy Jackson... Você conseguiram me lembrar de valores que não me vinham com tanta facilidade há anos. - olhei-a em dúvida; o que eu poderia ter relembrado a deusa? Ela sorriu percebendo minha pergunta muda - Me lembrou a importância da família. É o desejo de muitos e o descaso de milhares.

–Eu daria a vida por qualquer um dos meus amigos - esbocei um sorriso - e qualquer uma das caçadoras.

Nos levantamos e com o sorriso concordamos: nós iríamos correr; correr muito.




Nas sombras das árvores um demônio observava a deusa e sua meia irmã. Viu cada detalhe daquele treino... Viu o medo! Seu senhor ficaria orgulhoso dela, mas para que contaria a Luke? Kelli sabia que ele não aproveitaria aquela chance... Mas ela iria aproveitar. O demônio havia se afeiçoado ao semideus e tinha um grande interesse em se livrar da menina.

–Thalia, querida - ela sibilou ainda nas sombras - Você não faz idéia do quanto vou me divertir com você... E com o seu medo.


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