Já fazia uma semana que eu completara o desafio maluco de Natalie. Ainda lembro-me da expressão de espanto dela, quando mostrei-lhe a luva antiga. Ela realmente não esperava que eu fosse até lá.    Deitado em minha cama, eu fecho os olhos, sem conseguir parar de pensar na garota sobrenatural e de aparência frágil que eu havia encontrado na mansão abandonada. Será que ela vivia sozinha naquele lugar?    Olho para a luva que estava em cima de minha cabeceira, a única prova concreta de que tudo que eu havia passado lá era verdade, e me impedia de pensar que eu estava apenas ficando louco.

 Certamente, ela não era humana, mas tampouco era um fantasma, já que me tocou. Pensei na possibilidade da mesma ser uma zumbi, mas uma zumbi que controla plantas não tinha sentido algum, além de ela não querer me devorar nem nada do tipo. E, apesar de fria, a pele dela não tinha nenhuma marca de acidente e nem cortes que nem um zumbi teria. Sem contar aqueles vivos olhos verde-florescentes...

   Jogo o travesseiro em minha própria cara. Eu não aguento mais pensar sobre isso. Eu que já estou quase morrendo de tanto pensar sobre o assunto. Minha curiosidade me infernizou a semana toda, e o pensamento da garota passar dias a fio sozinha não me agradava, por mais estranha e de outro mundoque ela fosse.    Sem me conter mais, levanto-me, indo me trocar para sair. Irei voltar para aquela mansão. Tenho certeza que somente a irritarei, mas eu sinto como se tivesse que ir.    -------    Mais uma vez, adentro o portão, apesar de estranhar o jardim. Ele estava bem menos confuso do que ontem, mostrando-me o caminho com muito mais facilidade, e quando chego na entrada principal, empurro a velha porta assim como da primeira vez. Mas hoje, a sala não estava completamente vazia.    A garota que encontrei ontem, estava sentada em uma cadeira de costas pra mim, costurando algo. Olhando melhor, noto que estava costurando uma coisa que parecia ser uma pelúcia, mas ao invés de espuma, ela o havia recheado com terra.   - O que o traz aqui novamente? - Ela fala, sem olhar para mim    Fico em silêncio por algum tempo.   - Sabia que eu vinha?   - As plantas me contaram. Elas sentiram que você viria hoje. - Ela continuava costurando - Mas você não respondeu minha pergunta.    Penso um pouco antes de responder. Talvez para achar uma resposta decente ou inventar uma desculpa qualquer para ela e até para mim mesmo, mas não encontrei.    Suspiro.   - Eu não sei. Curiosidade, talvez. - Coloco uma mão atrás da nuca, tentando disfarçar meu constrangimento com a situação - Ou talvez por parecer que você vive sozinha nessa mansão e...eu quis vir...    Ela para um pouco com a agulha, me encara por alguns segundos parecendo surpresa e depois vira-se novamente para o que estava fazendo, inquieta.   - O que foi? - Perguntei    Ela fechou os olhos por alguns segundos.   - Você já foi avisado. Se algo sobre mim sair dessa casa, eu te mato.    Acho que eu já estava ficando acostumado a ter minha vida sendo ameaçada por ela.   - Não se preocupe, não comentei nada com ninguém, e nem pretendo. Não acreditariam em mim, mesmo se eu quisesse dizer algo.    Vejo a garota relaxar um pouco, enquanto voltava a costurar.   - Tem rasão.    Um silêncio desconfortável fica entre nós. Me amaldiçoo por não ter pensado em nada para falar, antes de chegar aqui.   - Então...Qual seu nome?   - ...Gardennier... - Disse, relutante    Ah, bem, era óbvio que ela teria algo com a família que morava aqui, não é nenhuma surpresa.   - Gardennier...? - Eu disse, querendo saber seu primeiro nome.    Vai lá garoto esperto, pressiona alguém que pode te matar quando der na telha mesmo.   - Só Gardennier - Ela parecia bem desconfortável agora - Não tenho primeiro nome.   - Ah, entendo... - Na verdade não, mas tive que me contentar - Eu sou Hideki.    Ela sorriu.   - Hideki é um bom nome.    Demoro um pouco para entender o porque ela disse isso, até me lembrar que meu nome significava ''Maravilhosa Árvore'', por mais estranho que fosse. Geralmente eu não gostava disso, mas saber que agradava a garota a minha frente me deixava contente.   - Nier...Posse te chamar assim?   - Nier?    Eu parecia ser mestre em deixá-la confusa.   - É que é meio estranho que chamar de Gardenier, então eu achei que pudesse...Chamá-la em um apelido... - Falei, tendo o pressentimento que estava começando a abusar da situação.   - Tudo bem. Eu não me importo. - Ela disse, olhando para a janela - É melhor você ir,  vai anoitecer. Você não vai conseguir sair daqui à noite.   - Ah, certo... - Disse, virando-me para a porta. Por um instante, pensei que ela não me queria ali, e que aquilo era um ''vá embora e não volte'', até ela me chamar de novo.   - E Hideki...   - Sim?   - Eu não me importaria se você voltasse amanhã...Faz tempo que...Não converso com alguém...    Olho para ela um pouco surpreso, e sorrio.   - Com certeza irei voltar. - Disse, e me amaldiçoei por não ter vindo mais cedo.    Fiquei tentado a continuar lá por mais algum tempo, ao ver refletido nos olhos verdes  uma solidão seguida de uma tristeza implacável quando disse-me para voltar amanhã. Como eu havia pensado antes, ela havia estado sozinha por muito tempo.