Gio escrita por Lesbian Fics


Capítulo 1
Chuva


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos amados possíveis leitores!! Não há muito o que dizer, esse é o primeiro texto que posto nesse perfil, de várias certas formas é uma estréia. Bem, espero que tenham uma boa leitura!



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Chove há dias. A água limpa e gélida cai constantemente em rajadas agressivas e inclementes tamborilando na janela. Os uivos agudos do vento quebram o silêncio. Ou, pelo menos, uma pequena parte dele. A parte superficial. Aquela que qualquer idiota consegue notar e, qualquer ruído consegue partir... Tudo continua tão quieto aqui dentro... Essa ausência oca de som... Essa falta de você. E eu me agarro aos cobertores, sob o inverno.

A camiseta que finjo que peguei no teu armário ainda é o meu pijama. Está completamente surrada, de modo que quando me distraio por um tempo me pego brincando nos furos do pano puído... Há tempos só consigo dormir com ela. De alguma forma, é como se estivesse com você. Eu sei que não faz sentido, ela nem ao menos foi sua, sei que ninguém mais sente, nem insisto em perguntar, mas teu cheiro parece que está no tecido, preso a ele como se nunca fosse sair. E eu espero que não saia. Sabe, todos os dias, antes de abrir os olhos, eu procuro teu corpo morno na cama... No meu... E encontro um lado esquerdo vazio, frio, e um amontoado de lençóis.

Abro os olhos, meus estúpidos e comuns olhos castanhos, e fito o branco vazio do teto, sozinha em um quarto feito para dois. Feito para nós duas.  Eu fiz dessas paredes as telas de cinema do filme que nunca saiu do roteiro. Como se eu tivesse o direito de escrever minha história e te usar como personagem! Mas eu escrevi... Escrevi e deixei no papel... Escrevi e quando aceitei que não podia escrever joguei na gaveta. De onde sai vez ou outra para se projetar na parede como cenas etéreas que nunca aconteceram a não ser aqui dentro.

Ainda hoje quando fecho os olhos estou acordada te vendo dormir. Sempre foi assim, todas as noites foram assim, em todos os meus sonhos, de todas as formas que pude sonhar, sonhei que estava acordada te vendo dormir. Porque um dia eu vi. Há anos. Você dormiu debruçada sobre a mesa enquanto eu enrolava teu cabelo nos meus dedos. E eu nunca consegui esquecer. Da mesma forma que nunca consegui esquecer teu riso. Nunca consegui esquecer a primeira vez que o ouvi. As sacolas que eu segurava escorregando por minhas mãos, aquela sensação de que o tempo parou por um minuto, de que não existe nada nem ninguém ali além de você. Ainda hoje, quando fecho os olhos eu ouço aquela risada sincera e divertida de menina. E te vejo esfregando os olhos com as palmas das mãos, de cara amarrada, resmungando alguma coisa que ninguém entende. E vejo as covinhas nada discretas nas suas bochechas. Eu sinto o vento que sopra na nossa direção as folhas secas que cobrem o chão da praça, sinto o vento atiçar teu cheiro. Teu cheiro, não um perfume como aqueles vendidos em prateleiras de lojas, simplesmente teu cheiro, que eu não sei explicar, que é só teu e de ninguém mais. E ainda hoje, em qualquer dia do ano, quando fecho os olhos é vinte e três de outubro outra vez.

Menina, deita no meu peito de novo enquanto eu desejo em segredo que mais uma vez a luz daquele sol de fim de tarde encontre seu caminho entre os galhos e caia sobre os teus olhos. Eles brilham ainda mais quando isso acontece e o tom claro de azul parece transparente, cristalino. É quase como olhar para água. E eu sempre amei a água. Eu sempre me senti livre sob a chuva.

E é ela que me traz de volta. Que me traz de volta em fim. Essa é minha despedida de você. Minha última despedida de você.

Levanto da cama, deixo-a exatamente como está, com todos os lençóis, edredons e travesseiros fora do lugar. Desço devagar as escadas e me dirijo à cozinha onde preparo a cafeteira. Enquanto espero vou até a sala de estar e abro as cortinas que cobrem a parede de vidro. As cordas estão um pouco emperradas e só então me dou conta de que não passo por ali há varias semanas. As arvores não estão podadas e a grama está alta, o pátio dos fundos parece denso e abandonado sob a espessa névoa de chuva. Eu gosto dele assim, destoa da claridade da casa. Acendo a lareira e me sento ao sofá com meu netbook no colo. Abro um documento de word e meus dedos correm pelo teclado, digito sem parar, escrevo tudo o que quero escrever, digo tudo o que há tanto tempo quero dizer. Digo para ninguém. Não, não coloco as ideias em ordem, não monto nenhum esquema, não tomo o cuidado que deveria com cada vírgula, sem correções, sem ajustes, sem edição, apenas falo dela, falo com ela, para ela. Escrevo o texto dela. Quando coloco o último ponto final percebo que estou ofegante, que tudo girou rápido de mais na minha cabeça, que meu coração está disparado, mas não há nenhuma lágrima, eu estou bem. Salvo o texto em um pen drive.

Vou até a cozinha, me sirvo de uma xícara de café forte e subo de volta para o segundo piso. Entro em um cômodo razoavelmente pequeno. Uma escrivaninha, um abajur, alguns livros da faculdade e uma mesinha com computador e impressora. Uns minutos depois estou com as páginas recém escritas em mão. A tinta ainda está úmida, leio o nome dela no final da última página e novamente desço as escadas. Deixo a xícara na pia sem lhe dar muita atenção, então volto para a lareira e me ponho de joelhos à sua frente.

O fogo dança executando seus movimentos hipnóticos enquanto a madeira crepita e estala sob o calor. Alguma coisa sempre me distrai no brilho alaranjado das chamas e penso sobre como são tão lindas e tão destrutivas. Calmamente coloco as folhas lá dentro e espero o papel começar a arder. O odor da fumaça muda um pouco, e logo restam apenas a madeira e cinzas. Levanto dali e saio, vou para o pátio dos fundos, para perto das árvores e abro os braços. De repente me sinto tão mais leve, tão mais limpa, tão mais livre.

Eu estou sob a chuva.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? Se puderem e quiserem deixem seus comentários, suas críticas. Isso é muito importante pra mim e ajuda a aprimorar a escrita então,se não for pedir de mais...
Bom, é isso, espero que tenham gostado. Beijos a todos!!