Canadá, Maio de 1954

Se eu pensasse em quem realmente acreditar, seria uma perda de tempo. Mas quem liga? Se há uma coisa que eu tenho de sobra, é tempo. Vou caminhando lentamente entre as flores do jardim dos loucos, ponderando com cuidado o que eu iria dizer em voz alta, tudo aqui é controlado nos mínimos detalhes.

Vejamos, o sanatório de St. Marcus é bem conhecida por ser rigoroso ao extremo, isso não é novidade para mais ninguém, a questão é que as poucas pessoas ainda conscientes nesse lugar são tratadas da pior forma possível, para que logo percam o resto de sua sanidade. Isso acontece comigo.

Não vou falar quem eu sou, afinal tudo que eu não quero que aconteça é que descubram que eu estou escrevendo para fora desse hospício imundo, realmente não quero que me peguem e que me deixem por duas semanas na solitária, ou na dama de ferro. Eles são especialistas nesse ramo de tortura.

Os meus colegas de quarto costumavam me perguntar como eu conseguia manter meu espírito ainda intocável dentro desse lugar, acho que pelo fato de que eu vivo um mundo paralelo seja a resposta mais apropriada. Sim, eu crio mundos em minha mente, é mais ou menos como estar em estado vegetativo, só que mais legal.

Todos no St. Marcus tem suas tarefas diárias, menos aqueles que não podem dar mais nenhum passo sequer sem causar uma catástrofe, e felizmente estou incluída nessa categoria, o que me dá tempo de sobra para viver meu mundo.

Hoje eu tinha uma caçada com elfos nas montanhas, meu melhor amigo iria me ensinar alguns truques da sua tribo nativa e eu adoraria aprender, mas quando cheguei lá, não havia um resquício de povoação. Nada.

Desespero foi a palavra que tomou conta de mim no exato momento em que vi os corpos conhecidos caídos em meio à cinzas e o que um dia foi uma aldeia feliz.

Porém, nada mais importa.

Eu acreditava em algo que não existia mais, e que talvez nunca fosse existir. Eu não posso ser considerada humana, meu estágio de criação chegou a um ponto pior do que o estado vegetativo, eu não como, não bebo, não saio da cama. Ninguém mais sabe o que fazer comigo e tudo que desejo é reencontrar meus amigos mortos por aquilo que não conheço. Minha negatividade chega a um ponto insuportável e eu tenho que tomar sedativos e viver com ajuda de aparelhos.

Mas isso não importa para mim.

Andando sobre a relva, olhando o céu azul, eu me sentia viva, muito mais viva do que em vida. Lembrei-me das promessas que fiz aos meus amigos, que ia ajudá-los. E que agora eles estão voando por aí, como cinzas. É cruel pensar dessa forma, mas não há outro meio de explicar o que estou sentindo.

Não importava que eu estivesse perdida por aqui, fadada a nunca mais voltar ao mundo humano. Eu não ligava, aquele mundo não existe mais, meu passado não existe mais. Eu pertenço a esse lugar e sempre pertencerei.

Aqui eu não sentia as dores das injeções dos medicamentos, aqui eu não sentia a fome, nem sentia sono, não havia mais nada que fosse me perturbar. É o paraíso apesar dos pesares.

Então ouço um barulho, estou assustada. Os bichos que ali viviam começam a se esconder rapidamente e o campo verde começa a ficar com tons de cinza, é como a morte a chegar. Tomando conta pouco a pouco de cada beleza, de cada detalhe vívido do céu azul. Começo a correr, fugindo da morte, fugindo do desconhecido, mas as sombras me perseguem. Onde era o paraíso agora está rodeado de sombras que não vão me deixar em paz.

Não sobrou mais nada, nem árvores, nem plantas rasteiras, o lago havia congelado, tudo agora não passava de um monte de cinzas, assim como se tornaram meus amigos. Uma maldição que se apossou do meu paraíso, e logo percebo que é a deterioração da minha mente, eu sinto que estou caindo, mas não consigo me segurar em nada. Tudo some e me puxa como se eu estivesse numa areia movediça, caindo. Olhei para cima, procurando o que antes era um paraíso, mas não há mais nada. Logo percebo o que aconteceu:

Eles tinham me lobotomizado*.