Ismira escrita por Giu Sniper


Capítulo 17
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

Sim, sim, quem disse que eu ia conseguir esperar até amanhã para postar esse capítulo?
Preparados? Revelações nesse capítulo! Apostem suas fichas!



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— Tio, eu preciso de um livro da secção reservada. — foi o mais direta possível assim que o viu. Ele estava ocupado com alguma coisa, mas parou assim que ouviu as suas palavras.

— Um livro? — ele enviou-lhe um olhar indagador — Que livro?

— Algo relacionado a “Os três poderes antigos da magia”. — tanto tio como sobrinha ficaram em silêncio por alguns segundos, aos quais findados a garota suspirou, urgentemente acrescentando: — E preciso rápido.

— É um volume grosso e monótono, não vai se interessar por ele.

— Tio, eu e você sabemos que não vai conseguir me esconder mais nada. Me dê o livro, ou se preferir me fale sobre ele. — respondeu, já um tanto impaciente.

— Está bem — ele se rendeu depois de hesitar por um instante — mas antes de te dar o livro vou precisar te contar uma coisa.

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Era péssimo. Ficar lá, trancado naquela sala. Tinha gente guardando a porta, sabia disso, havia ouvido as vozes. Sentia-se como um criminoso, mas talvez se não ficasse preso daquele jeito realmente se tornasse um.

Sabia o que havia feito, tinha ameaçado a todos, e agora agradecia por não estar com uma espada em punho naquele momento. Mas estava fora de si, e nunca sabia quando podia entrar naquele estado novamente, simplesmente não era do seu controle.

A bandeja com o café da manhã permaneceu intocado desde que lhe foi entregue: uma tigela de cinzento mingau de aveia e algo mais que não sabia o que era, não procurara saber.

Hodric estava cercado de livros: estantes imensas e incrivelmente lotadas que se erguiam do chão até o fim das paredes, o que o fez pensar que talvez pudesse ler algo, mas ao analisar melhor a ideia imaginou que muitos dos volumes falassem sobre dragões, e não queria ter contato com nada que o lembrasse... que o lembrasse...

— Que me lembre... Eu não quero lembrar! — levou as mãos à cabeça, raiva e ódio o dominavam cada vez mais até que em um momento se viu mais uma vez chorando as lágrimas amargas de sempre.

Não quero lembrar. Não quero lembrar. Não quero lembrar. Nunca esqueci, mas não quero lembrar. Não quero lembrar. Por que está tão escuro? Tão vazio. Tão escuro. Eu não quero lembrar. Todas as palavras pronunciadas em sua mente, direcionadas a ele mesmo, porque só havia ele lá.

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Ela e o tio estavam na área reservada da biblioteca, um cômodo em forma de heptágono que, mesmo sendo menor que o resto da biblioteca, não o era o suficiente para deixar de possuir uma quantidade estonteante de livros. As estantes eram organizadas assim como no quarto do tio, preenchidas do chão ao teto. Mas, infelizmente, aquele não era momento propício para ter surtos bibliotecários.

A cavaleira postou-se em uma das cadeiras em uma enorme mesa redonda de madeira branca que se encontrava no centro da sala, sobre a mesma encontrava-se o volume que estava procurando. Eragon ao menos não havia mentido sobre o tamanho do livro, com aproximadamente mil e quinhentas páginas, a capa era de couro negro de feldûnost e com as palavras do título bordadas à mão com linha dourada. Seu grande volume de páginas era amarelado pelo tempo, mas ainda assim não possuía sinais de traças nem bolor.

O tio puxou uma cadeira para ele próprio, de frente para Ismira, mas não se sentou, apoiando o pé esquerdo na mesma.

— Bom, Ismira, o que vou te contar agora só poderia chegar até você, em situações habituais, daqui a alguns anos. É um dos segredos mais bem guardados do mundo, e deve permanecer assim. — ele concluiu, ao que a cavaleira fez que sim com a cabeça. Dessa vez Eragon sentou-se. — Existe um motivo para cada um desses livros — apontou as prateleiras às suas costas — estarem longe dos olhos de todos, para que eles estejam restritos a apenas para poucos. Alguns desses livros falam de magias muito antigas, muito perigosas, outras até mesmo esquecidas, e em sua grande maioria falam dos... dos Eldunarí.

— Eldunarí? — perguntou após um pequeno momento de silêncio, no qual simplesmente fitou os olhos do tio.

— Sim. Um dragão, se quiser, pode transferir sua mente para o seu Eldunarí, que é uma estrutura parecida com uma gema localizada em seu peito. Uma vez que tenha feito isso, o dragão pode expelir o seu Eldunarí, e mesmo que separadas, as duas partes estarão sempre ligadas. E ainda que o dragão morra... — ele hesitou, parando sua fala no meio do caminho, mas ainda assim fora o bastante para que a garota compreendesse.

— Então se o Solus...

— Sim, Ismira, mas eu... Ninguém deve contar isso aos cavaleiros tão novos assim, pode ser muito perigoso. Quem se apodera do Eldunarí de um dragão também se apodera de sua alma, e então... — Eragon soprou o ar a sua frente — Eu e Saphira decidimos abrir uma exceção no seu caso, por conta de tudo isso. — ele parou, a garota podia enxergar a insegurança em seu olhar.

— Está bem, tio, eu já entendi. Eu sei que você não podia dizer nada, e nós também não tínhamos que prever o que aconteceu. — o cavaleiro sorriu e ambos ficaram em silêncio por um instante. A conversa só sendo retomada alguns minutos mais tarde: — Mas qual é a relação entre isso e...

— O livro? Ele os menciona, os Eldunarí, queria que você ficasse sabendo por mim, bem melhor. — ele se levantou já com as esperanças renovadas. — Será bom se alguém conseguir desvendar essa profecia. O antigo poder ressurge. — então, sem dizer mais uma única palavra, o tio deixou-a sozinha na sala. Talvez continuaria a fazer o que quer que estivesse fazendo antes dela interrompê-lo.

Assim que Eragon fechou a porta, Ismira ergueu a mão esquerda para trazer o livro até si, sentindo a maciez do couro de sua capa. O livro era muito antigo, talvez da era de ouro dos cavaleiros, de forma que suas páginas amareladas quase que se desfaziam em seus dedos quando as virava. O cheiro de tempo que exalava das páginas antigas era delicioso.

O antigo poder ressurge. Recitava o verso repetidas vezes em sua mente para quem conseguisse ouvir. O antigo poder ressurge. Abriu o livro na primeira página da introdução, começando a ler mentalmente:

“São três os antigos poderes da magia. Poderes tão antigos quanto a própria magia que mesmo há muito guardados nunca foram completamente esquecidos.

Cobiçados por alguns, temido por outros, mas muito admirados por todos, os três poderes antigos requerem muita habilidade mágica e uma quantidade exorbitante de energia para serem executados, sem nenhum registro de sucesso em suas tentativas de execução.”

Parou por um instante, pelo visto estava se metendo em algo muito mais poderoso do que havia imaginado.

Para onde estamos indo, Sundavar? perguntou, quase que retoricamente.

Só estamos no lugar em que Ele nos colocou.

Ele é louco! O que está tentando fazer?

Ele quer trazer Galbatorix dos mortos, esse deve ser um dos antigos poderes. O dragão concluiu, e foi questão apenas de mais alguns segundos para que Ismira continuasse a leitura do livro.

“O primeiro poder é responsável por alterar acontecimentos passados através da volta ao passado. Além de poder ser usada no lugar do segundo poder também possibilita a mudança do acontecimento de qualquer coisa no tempo para que se deslocou.

Além de requisitar muita energia para a sua execução, a magia pode representar a morte daquele que a concluiu no tempo em que vive, não havendo uma forma de retornar instantaneamente ao momento inicial da magia..”

O primeiro poder é a viagem no tempo. A cavaleira concluiu. Não sabia que era possível voltar no tempo por magia.

Porque por pouco não é. Não é a toa que esses livros ficam trancados aqui. Quantos cavaleiros tem motivos para voltar no tempo?

Incontáveis, com certeza. parou por um tempo. Hodric.

Por isso que todas essas coisas nunca deverão sair daqui. Nunca. O dragão falou. E ele estava certo. Todas as pessoas já haviam perdido um ente querido. Os rastros de uma guerra demoram anos para conseguirem ser ignorados.

“O segundo poder caracteriza-se como o mais cobiçado e o que mais gerou vítimas ao longo dos anos. A arte de trazer os mortos de volta à vida [...]”

Trazer mortos de volta à vida. Repetiu. Ele disse que queria trazer Galbatorix de volta, esse é o antigo poder que vai ressurgir. Há quantos anos não se tenta isso? Esse... esse verso explica todo o resto da profecia. Levados nas costas do negro dragão, você. O mal novamente atraído é Galbatorix. Pelas mãos de um novo inimigo. Ele. Uma morte, Solus, Uma loucura, Hodric, e a cura...

A cura pode ser o que vai trazer o Hodric de volta, o que quer que seja.

O que quer que seja. Concordou.

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— Mas você tem certeza que não se lembra mesmo de nada daquele momento? — Roran questionou a esposa. Por um acaso acabara mencionando a data do aniversário da filha de ambos quando Katrina havia, supostamente, ajudado Ismira a se arrumar para a festa.

— Claro que eu tenho certeza, Roran. Eu não ia esquecer uma coisa dessas!

— Mas... Você foi até o quarto dela, eu me lembro. Eu... — se atrapalhou um pouco com as palavras. — Você me deu um beijo aqui no pé da escada e falou que ia até o quarto de Ismira . Você estava levando a tiara de flores...

— Eu estava levando a tiara? Pensei que o Hodric tivesse dado a ela! — exacerbou-se, introduzindo um longo silêncio.

— Está bem, Katrina, eu... Eu acredito em você. — recomeçou mais brandamente, segurando as mãos da esposa entre as suas. — Mas a questão é: o que você estava fazendo nesse momento?

— Eu... Eu não sei, não me lembro.

— Exatamente. Acho que não poderemos nunca abaixar as proteções de nossas mentes, nem não nos concentrarmos totalmente nelas será suficiente. — falou, logo depois movimentando a cabeça para o lado esquerdo, fitando o espelho pendurado na parede. — Onde está o Eragon quando se precisa dele?

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“Sendo uma magia de caráter extremamente perigoso, a arte de trazer mortos de volta à vida é há muito cobiçada, desde os mais novos aos mais velhos. A grande falha dessa magia é que só possibilita o renascimento de alguém que possua uma grande obra realizada em sua vida, sendo que será precisa a destruição da mesma para que o falecido venha a retornar.

A magia consiste em uma imensa cadeia de encantamentos e rituais cultuados sobre o corpo que será tomado pelo renascido, sua obra de vida e a pessoa que a executará [...]”

Mas... O que é isso? Obra de vida, destruição... não compreendia, parecia que aqueles parágrafos só serviram para conturbá-la cada vez mais. Só uma coisa lhe ocorria, mas era uma ideia tão insana que não gostava de pensar nela. Mas ao mesmo tempo... Sundavar, por que Ele quer tanto vê-lo morto? Será possível que...

Eu seja a obra de vida de Galbatorix? Mas por quê? Como?

Galbatorix era louco, o quanto ele teria feito para se tornar imortal?

Mas ele já tinha um dragão. Não tem lógica! O que ele teria feito?

Eu não sei, mas sei de alguém que sabe. Falou por fim, ainda não acreditando nas próprias palavras.

Ele.

Exatamente.

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Já não aguentava mais ficar trancado ali. Só o que fazia era andar em círculos. E andava em círculos para não precisar pensar, porque pensar trazia graves consequências.

Eu posso voltar para Carvahall, cuidar de Draumr Kópa e passar a viver na cabana. Fazia planos, aquilo o acalmava. Posso me isolar do resto do mundo por alguns anos e depois posso viajar até Elesméra e aprender alguma coisa com os elfos. Ou posso virar um contador de histórias. O que acha Solus?

Não obteve resposta, não mais tinha o dragão para perguntar a opinião. Mas havia se esquecido, então todo o ódio voltou-lhe. Por que tudo tinha que ser tão difícil?

— ME TIREM DESSA PRISÃO! EU NÃO AGUENTO MAIS. — gritou, dando um forte soco na porta de madeira da sala, que foi seguido por um grito de dor. — VOCÊS NÃO ME ENTENDEM, NENHUM DE VOCÊS. PRENDER-ME AQUI NÃO VAI FAZER ISSO TUDO MELHORAR. — passou a usar os dois punhos para socar a porta, o que só intensificava ainda mais a dor no punho direito, mas não se importava, haviam coisas muito piores dentro de si. — PAREM DE ME IGNORAR! Eu só peço vingança. Vingança ou a minha morte. — caiu ajoelhado no chão.

Os repetidos socos na porta esfolaram seus punhos, fazendo sangue escorrer pelos seus dedos. Mas as lágrimas não voltaram, não havia mais espaço para elas, agora só o ódio encontrava lugar dentro de si.

Precisava rapidamente arrumar uma forma de sair dali, não podia ser tão fácil assim para Ele. O caçaria até que não mais pudesse e enfiaria uma adaga em seu peito só para assistir sua agonizante morte enquanto seu sangue regasse o chão.

— Está bem, me ignorem! Sempre há uma maneira de tirar a própria vida. — falou para quem quer que estivesse do outro lado daquela porta, mesmo que morrer pelas próprias mãos não fizesse parte dos seus planos. Ninguém podia ver, mas naquele momento um sorriso insano se materializou em seu rosto.

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Não acredito que estamos fazendo isso de novo. O dragão falou, mesmo que em momento algum houvesse resistido em seguir a cavaleira.

Estamos fazendo, precisamos de respostas. Mais respostas. Ismira estava parada em frente à floresta reunindo coragem para entrar mais uma vez, novamente armada com o arco enquanto carregava a aljava nas costas. Não sabia exatamente quando fora que chegara lá. Podíamos ter trazido alguém conosco. Falou depois de um tempo.

Em quem você confia?

Meu tio. Acho que ele não apoiaria essa decisão.

Não. O dragão concordou.

A garota apertou com força o punho ao redor do arco, pondo o primeiro pé dentro do denso aglomerado verde à sua frente. Porém, antes que pudesse entrar uma voz conhecida soou às suas costas:

— Isso não será necessário. — falou áspera e roucamente. A resposta sobressaltou Ismira, que virou-se o mais rápido possível, logo já posicionando uma flecha no arco. Ele riu. — Que ótima oportunidade você tem agora, não? Por que não me mata logo? — a garota não respondeu, apenas ficou parada fitando a figura coberta com uma capa cinzenta a sua frente. — Ou será que você precisa de mim? — falou, rindo mais uma vez ao fim da frase.

— O-onde está a Vicky? — perguntou hesitante, sendo seguida por mais um riso tresloucado d’Ele.

— Ismira, ainda que eu não consiga me infiltrar na sua mente sem gastar uma quantidade enorme de energia, você e eu sabemos que essa não era a pergunta que ia me fazer. Mas, para todos os efeitos, eu sei onde a Vicky está, só que não vou dizer. — naquele momento, mesmo que não pudesse ter um vislumbre do rosto da figura encapuzada, a cavaleira sabia que Ele estava sorrindo.

— Sim. — Ismira abaixou o arco alguns centímetros, por mais que odiasse a ideia, Ele estava certo. Aquela não era a pergunta que iria fazer, e não podia mata-lo sem antes obter suas respostas. — Eu sei o que você quer fazer.

— Eu sei que você sabe, eu mesmo te contei.

— E sei como vai fazê-lo. — replicou, quase não dando tempo d’Ele terminar sua frase.

— Isso é uma novidade. — riu.

— A minha pergunta é: onde Sundavar entra nisso?

— Julgando que você já sabe o que eu vou fazer, pensei que já fosse o bastante óbvio. — falou com ar sarcástico.

— Até demais! — não gostava do rumo que aquela conversa estava tomando.

— O que quer que meu avô tenha feito, não deu completamente certo, mas é o bastante para trazê-lo de volta.

— Essa não é a resposta para a minha pergunta. — mirou novamente a fecha para o peito d’Ele. Apenas um tiro rápido e certeiro e estaria livre de todas as ameaças que aquele ser representava, mas os porquês a impediam de fazê-lo.

— Você e eu sabemos que se me matar nunca terá as respostas para as suas perguntas.

— Não faria diferença uma vez que você não quer me contar. — falou, sendo seguida por mais um riso d’Ele.

— Você tem razão. — uma pausa — Ainda assim as suas ameaças não vão me fazer abrir a boca.

Diante daquelas palavras a cavaleira não hesitou em soltar a flecha, mas então já era tarde e Ele já havia se movido o suficiente para que a mesma o atingisse no ombro no lugar de no peito. A figura encapuzada xingou um palavrão qualquer, resmungando algo sobre não poder gastar mais energia curando ferimentos e logo em seguida foi arrastando-se para a floresta. A cavaleira preparou mais uma flecha, mas errou novamente o seu alvo, de modo que o tiro atingiu uma árvore próxima.

Assim que Ele conseguiu infiltrar-se em meio às trevas da floresta Ismira não pensou duas vezes antes de segui-lo. Um erro.

Tem certeza do que está fazendo? O dragão perguntou em sua mente, a voz grave marcada por preocupação.

.Não. Respondeu.

Dentro da floresta era difícil ver alguma coisa, de forma que se guiava mais por sua audição do que por qualquer outro dos sentidos. O farfalhar das folhas à sua frente era intenso, o que lhe indicava para onde Ele corria.

Por vez ou outra a garota se chocava contra uma teia de aranha que obstruía o seu caminho. Logo se viu perdida. Parou. Entrar ali não fora sensato de sua parte, muito menos seguir Ele, que provavelmente tinha algum tipo de vantagem naquela escuridão. Tentava em vão enxergar alguma coisa em seu entorno.

 — Acho que meu avô não gostaria de renascer no corpo de uma garota, mas talvez ele reconsiderasse se ela fosse a sobrinha do Eragon, não? — a voz rouca falou, mas não vinha de nenhuma direção em específico — Matar dois coelhos com uma única cajadada. Terei um corpo e a obra de vida do meu avô, o que acha?

Tentou fugir, mas era como se estivesse em um labirinto, e já não tinha mais ideia de para que lado seguir. Então, tão rápido quanto sombras já tinha a lâmina d’Ele, gelada, em seu pescoço.

— Pense nisso como um presente. — sussurrava — Seu corpo terá a honra de pertencer a Galbatorix, você não vai viverá mais com a minha ameaça e nem ao menos agonizará com uma mente vazia assim como fiz com Hodric. — um pequeno riso escapou-lhe novamente, desde que o encontrara Ele não parava de rir. — Só porque a profecia só previa uma morte não significa que não possamos ter mais. Precisamos de mais.

Por um momento a garota quase se desesperou, mas então teve uma ideia.

Sundavar, sabe onde estou?

Sei. Acha que os elfos me perdoarão por quebrar suas adoráveis árvores?

Eles que se danem! Respondeu prontamente, seguida pelo riso do dragão.

Nesse momento, ao seu lado, uma árvore foi arrancada e, ao lado desta, outra foi quebrada, deixando alguns feixes de luz solar adentrarem o recinto, cegando-a por um tempo.

Sua intenção fora usar aquilo como distração para poder fugir d’Ele, mas o que aconteceu foi que Sundavar ergueu-a do chão, afastando-se com ela pelo ar. O primeiro voo de dragão e cavaleira.

Não sabia que já podia voar comigo! Falou-lhe, feliz por ter conseguido fugir.

Nem eu. O dragão riu em resposta.

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— Mas, ebritil, ele não para de falar e bater nas coisas. O garoto vai acabar se machucando!

— Ele está enlouquecendo, Haldamir, o dragão dele foi morto.  — Haldamir era um dos cavaleiros mais novos da ilha, chegara ali há apenas um ano, um humano de aproximadamente uns dezesseis anos, o cabelo negro curto e um par de olhos castanhos. O cavaleiro fora um dos designados de guardar a porta de seu quarto enquanto Hodric estivesse lá, Eragon pedira que ele lhe mantivesse informado em casos extremos. — O que eu poderia fazer?

— Não sei, ebritil, mas precisa. Ele... Ele está falando em suicídio.

— Suicídio? — aquilo não surpreendeu Eragon, mas ele não podia simplesmente aceitar aquela ideia.

— Sim, ebritil, ele... Ele disse que sempre tem uma maneira de tirar a própria vida.

Perante aquilo o mais velho não teve escolha se não aceitar seguir Haldamir para tentar entender melhor o que estava acontecendo. Informou suas intenções ao garoo, que assentiu com a cabeça, virando-se em sequência na direção de onde viera e seguindo na frente.

Nós já sabíamos de tudo o que podia acontecer, pequenino. Falou Saphira, a voz branda e acolhedora.

Sim, mas eu ainda não estou pronto para lidar com isso. Respondeu enquanto seguia Haldamir pelos caminhos que levavam ao seu próprio quarto.

Mas, ao achegarem ao destino planejado, apenas encontraram a porta escancarada e a cavaleira de dragão que ainda guardava a porta, uma Kull, desacordada no chão.

— Ele fugiu. — o cavaleiro mais novo constatou, indo logo ajudar a companheira.

Ele conseguiu derrubar uma Kull! Eragon estava pasmo.

Hodric está cego de raiva e loucura, aposto que nem ele mesmo sabia que era capaz de fazer isso.

Mas onde ele estará agora? Hodric poderia ser perigoso para qualquer um naquelas condições. Aquela afirmação era provada pela imagem da cavaleira a sua frente, que aos poucos despertava com a mágica ajuda do companheiro.

Pode estar em qualquer lugar, mas na certa está no rastro de uma única pessoa.

Ele. Falou.

Ele. A dragão concordou.

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Voar era bom, dava um sensação libertadora, mas ainda assim era bom estar novamente em terra firme. Parou. Os braços estendidos ao longo do corpo.

Não conseguimos as respostas. Apontou.

Isso já era previsto.

Eu devia tê-lo matado quando pude! Recriminou-se

E viver para o resto de nossa vida com essas perguntas nos atormentando a mente? Eu a proíbo de desistir de procurar essas respostas, escutou? Sundavar tinha o ar brincalhão, mas mesmo assim era evidente o quanto o perturbava seu envolvimento com Galbatorix. A cavaleira riu, em parte tentando desfazer um pouco do clima tenso entre os dois.

O que fazemos agora? Acabamos de fugir d’Ele, não podemos voltar tão logo!

Não sei... o dragão interrompeu-se. Um movimento um pouco mais adiante havia chamado a sua atenção. Ismira, aquele não é Hodric?

Hodric? A cavaleira dirigiu o olhar para o mesmo ponto em que o de seu dragão estava pregado. Se era Hodric? Era. Caso contrário seria uma pessoa extremamente semelhante a ele. Mas ele não devia estar...?

Devia, sim. Da última vez que vi a sala do alto ela estava guardada por duas pessoas, e uma delas era uma Kull! Como...? tanto dragão como cavaleira estavam demasiado impressionados para conseguir fazer qualquer comentário que prestasse ou agir de qualquer maneira possível.

Ambos ficaram parados olhando enquanto o garoto saía de seu alcance de visão. Os músculos de certa forma impossibilitados de se mover. Apenas quando não podiam mais vê-lo é que Ismira pareceu voltar à vida.

Para onde ele está indo, Sundavar? A gente precisa... O que ele vai fazer afinal?

Eu não sei, Ismira! Acha que sou vidente? O dragão finalmente despendeu-se do transe.

O Hodric vai atrás d’Ele? Ele... O Hodric vai atrás d’Ele! É claro, é isso que ele quer: pagar sangue com sangue. Nós não podemos deixar que ele faça isso, Sundavar, é perigoso! Havia certa urgência em tudo aquilo, e então a situação agravou-se ainda mais quando passou pela sua cabeça de que a ideia d’Ele desde o início sempre foi usar o corpo de Hodric para abrigar Galbatorix.

Ismira checou sua aljava, ainda tinha três flechas, pouca quantidade, mas não havia tempo para reabastecê-la. Pegou o arco do chão com a mão direita, ainda que não se lembrasse quando ele havia caído, e correu na direção na qual havia visto Hodric algum tempo atrás. Foi sem pensar, planejar e nem nada.

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A espada que conseguira era um pouco mais pesada do que aquelas com as quais estava acostumado, mas não se importava, o fio estava suficientemente amolado para fazer o maldito sangue d’Ele escorrer.

Não se importaria caso morresse, não fazia questão de permanecer vivo, e no momento a única coisa que ousava desejar era saber uma maneira de fazer com que Ele sofresse ainda mais antes de sua morte.

Ele estaria na floresta, é claro. Aquele covarde sempre se escondia na escuridão, mas mesmo lá, onde Ele tinha mais vantagem, conseguiria mata-lo, estava empenhado demais em seu objetivo para que falhasse.

Naquele dia, no entanto a sorte resolveu lhe sorrir, à beira da floresta, sentado sobre uma pedra em com uma flecha de penas negras cravada no ombro lá estava Ele. A capa cinzenta característica d’Ele manchada com o tom rubro de sangue. A satisfação foi muito grande para que pudesse reprimir um sorriso.

— Você com certeza já esteve em situações mais vantajosas, não é mesmo? — Hodric falou, a voz um pouco alterada. Mal podia acreditar estar tão perto.

— Ora, olá. — Ele falou ao mesmo tempo em que conseguiu retirar a flecha do ombro com um movimento brusco. Mais sangue começou a jorrar do ferimento, escorrendo pelo braço, pingando no chão e sendo absorvido pelo solo. — Não pensei que retornaria tão cedo, caro cavaleiro. Mas... Espere. Ah, não, não mesmo. Mas que distração a minha! Seu dragão morreu não é? Uma pena! — o ar sarcástico era evidente. As palavras só serviram para inflamar ainda mais o ódio que o garoto sentia.

— Não se dirija a Solus de forma alguma, escutou? A memória dele não merece ter contato com algo tão imundo quanto você! — ergueu a espada para atacar a Ele, mas o peso da arma o atrapalhou um pouco, de modo que houve tempo para que o mesmo pudesse ter acesso a própria espada.

Com o ombro direito inutilizado Ele provou-se quase tão bom lutando com a mão esquerda que com a direita. Já Hodric, com os movimentos retardados pelo peso da arma não demorou tanto para ganhar um ou outro ferimento de batalha, mas infrigia tantos quanto recebia.

Em algum momento da batalha que mais tarde Hodric não saberia especificar qual, o garoto conseguiu desferir um golpe nas pernas do adversário, derrubando-o ao chão e seguindo-se de mais um golpe que abriu um corte no seu abdome. Com a queda Ele deixara o capuz que cobria sua verdadeira identidade se abaixasse, revelando suas verdadeiras feições.

— Você? — Hodric inquiriu incrédulo.

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Demorara um tempo até que tivesse conseguido encontrar Hodric, e quando o achou a revelação consequente deixou-a estática demais para que conseguisse agir. Simplesmente não conseguia acreditar no que estava bem a sua frente. Conseguiria se quisesse, mas não desejava isso.

Foi quando percebeu que saber quem Ele realmente era só deixou Hodric ainda mais cheio de ódio. A raiva se incendiou dentro do garoto, dava para ver através dos seus olhos, duas poças d’água super azuis.

Hodric levantou a lâmina que tinha em punhos, pronto para acabar para sempre com aquele que arruinara a sua vida no momento em que tirara a vida de seu dragão. Não, não e não. Hodric não podia matar Ele, não agora, não antes que ela tivesse todas as respostas de que precisava.

As coisas a seguir aconteceram rápido demais, não havia tempo para pensar em algo melhor. Tirou uma das flechas da aljava e foi rápida ao mirar certeiramente no pulso do garoto, que deixou a espada cair. Hodric a perdoaria mais tarde, ou ao menos assim esperava. Ele tentou usar daquilo um artifício para escapar, mas ferido como estava e agora tendo sido atingido na coxa esquerda por mais uma das flechas de Ismira não conseguira se mover muito.

A garota não hesitou em correr na direção dos dois, pensando no que corria pela mente de Hodric e receosa do que ele pudesse tentar fazer, mas assim que olhou-o nos olhos sentiu que estava atordoado em demasia para agir, então virou-se em direção a Ele.

Ainda não podia acreditar no que via, mas enquanto um sol laranja começava a se pôr no Oeste ainda podia discernir os cabelos loiros e lisos e os olhos verdes de Vicky.

— Traição! — foi a única coisa que conseguiu falar, todo o resto havia ficado preso em sua garganta. A garota riu, não era o mesmo riso d’Ele, ela não precisava mais fingir.

— É sério mesmo que essa é a única coisa que consegue me dizer? — Ele, ou melhor, Ela gargalhou, como se tudo que fosse uma grande e complexa piada. — Pensei que encontraria algo a mais...

— Não, eu não vou dizer nada! — falava brandamente, não conseguindo conter um sorriso de desdém. — Quem vai dizer aqui é você! Me explique exatamente o que você sabe sobre Sundavar, caso contrário vou fazer com que sua morte seja mil vezes mais dolorosa do que de costume. — O rosto d’Ela anuviou-se por um instante, mas logo o sorriso característico de sarcasmo voltou aos seus lábios.

— Na verdade é muito fácil enganar vocês. Um sorriso aqui, uma ajudinha ali. Um beijo. Fácil. — a verdade foi como uma tapa na cara de Ismira.

— Você... você usou o Finwë! — Ismira indignou-se lembrando-se da cena que precedeu a partida de Vicky. Cínica.

— Usei. Mas qual é a diferença? Ele nunca vai saber a menos que alguém o conte, não é mesmo? Aí não serei eu a crel. Afinal, ele está em coma mágico, é melhor vocês darem um jeito nisso antes que ele morra de fome. Essa magia bloqueia qualquer forma que você encontre de passar energia para ele. — fez uma pequena pausa — Mas eu também usei muitas outras pessoas, não é mesmo? Hodric, por exemplo...

— Direto ao ponto, por favor. — interrompeu-a, não tinha paciência para muitos rodeios — Qual a ligação entre Sundavar e Galbatorix? — Ela riu mais uma vez, a garota a cada momento odiava ainda mais quando isso acontecia.

— O que eu tenho a perder, não é mesmo? — Ela respirou fundo, em seguida soprando o ar a sua frente. — Meu avô já sabia dos três poderes antes mesmo de criar os renegados ou até mesmo antes de tomar Shruikan, então ele só usou a ideia da obra de vida para poder ser revivido caso um dia fosse preciso. Quando ele conservou os três ovos de dragão para as gerações vindouras meu avô separou um quarto ovo que ninguém sabia a respeito.

“Era um ovo azul, se não me engano. Então Galbatorix criou ele mesmo uma magia para manipular o dragão ali dentro. Ele colocou um pouco dele mesmo no dragão para que assim que ele eclodisse a genialidade adquirida pelo dragão através do meu avô tomasse conta da mente do cavaleiro e obrigasse os dois a trabalhar para trazê-lo de volta.

Não deu certo, e meu avô já sabia disso quando terminou a magia, mas de qualquer forma ainda funcionaria para trazê-lo de volta. O ovo tornara-se negro, e ninguém fazia ideia do que acontecera em seu interior. Agora eu sei. Galbatorix conseguiu dividir o dragão em dois, o azul ficou com a mente que devia ter ficado no negro, nem tudo é perfeito. Se não tivesse sido Sundavar o primeiro a sair do ovo e o primeiro que você tocou... Tudo teria sido diferente.

Foi aí que Galbatorix percebeu que ele precisava de gente para gerenciar sua volta no caso de morte, e foi então que iniciou a sua busca por filhos. Alguns bebês ele tomou das mães logo após o parto, outros ele mesmo gerou, e nenhum deles nunca chegou a conhecer a mãe. Eram dez. Sou uma descendente direta, meu pai morreu na guerra e passou a missão para mim, nunca conheci minha mãe também, mas quem se importa, não é mesmo?” — Ismira não tinha palavras para aquilo. Quando se pensava que Galbatorix não podia ser mais cruel...

— Mas você não teve escolha, teve? — no fundo ainda havia um pouco de esperança dentro do seu peito.

— Mas é claro que tive! — um sorriso insano cruzava os lábios de Vicky. Aquela não era a mesma pessoa que conhecera semanas atrás quando chegara a ilha, para falar a verdade aquela pessoa nunca chegou a existir. — Mas por que eu recusaria?

Ela é tão louca quanto o avô! Sundavar observou.

E conseguia esconder muito bem a sua genética.

— Eu devia parar de ter tanta fé em que as pessoas más possam sempre ter um lado bom. — havia veneno na voz da cavaleira — Há almas que não têm salvação.

— E o que vai fazer então? Me matar?

— Eu não, conheço certa pessoa que tem um motivo mais forte para isso. — virou em direção à Hodric que, em silêncio, observara a tudo. A garota pegou do chão a espada que estivera com ele e entregou em sua mão. — Vá em frente.

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Hodric aceitara a lâmina com a mão esquerda, a direita sangrava e tinha uma flecha espetada, mas a mão contrária serviria. Encontrou-se frente a frente com Ela, mirando a lâmina em um ponto fatal. Quisera tanto aquela vingança e agora faltava apenas concretizá-la. Brandiu a lâmina e acertou seu alvo...

O chão.

— A profecia só fala de uma morte. E você merece sofrer pelo resto de sua vida eterna. Mas isso não é da minha conta.

Naquele momento foram finalmente encontrados por Eragon e mais algumas outras pessoas que o acompanhavam, eles cuidariam das coisas a partir dali.


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Notas finais do capítulo

E então? Fui bem? Decepcionei? Gostaram?
Estou um tanto insegura com esse capítulo, porque né... Tanto tempo para escrevê-lo para no fim acabar ficando uma bosta não seria nada bom. E quanto ao Ele? Tinham acertado? Capaz, acho que tava meio na cara, mas ok.
Ah, não é só porque esse capítulo é o último que vou deixar as coisas assim não, ok? Esperem o meu epílogo semana que vem (sem falta, com certeza, já está até escrito), lá faço os agradecimentos.
Enfim, reviews! Queria saber a opinião de todo mundo da história, se for possível, enfim... Fim!