O Abismo escrita por Lia


Capítulo 2
Bem-vinda à Audácia


Notas iniciais do capítulo

Segundo capítulo à vista! Espero que vocês gostem desse também. Beijos para a Nina e para a Ari_Cullen que deixaram reviews! :3



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/318503/chapter/2

Logo quando me juntei à multidão negra dos nascidos na Audácia, meu coração começou a dar pulinhos de entusiasmo. As pessoas lá eram muito diferentes do pessoal da Amizade, que estão o tempo todo tentando manter tudo sob controle. Eu tinha a impressão que nem todos são tão felizes quanto parecem, mas apenas fingem para tentar se encaixar. Mas eu não quero viver uma mentira. Já os jovens da Audácia pareciam reais. Pareciam humanos com falhas e não máquinas da paz. Eles eram exatamente o que eu sempre quis ser.

Havia um número considerável de transferidos, quinze. Quando a Amizade recebia todos os anos os novos membros, acho que o número máximo de transferidos na mesma turma de iniciação que já vi foram uns quatro. As pessoas geralmente continuam na mesma facção que nasceram e se elas escolherem a deixar, são vistos como traidores. Notei também, que a maior parte era da Franqueza, seguido por alguns da Erudição. Havia apenas mais um da Amizade e, como esperado, nenhum da Abnegação.

A outra garota que se transferiu da Amizade além de mim era bem magrinha e tinha longos cabelos castanho-claros. Era estranho, eu não se lembrava de tê-la visto antes, mesmo que fossemos da mesma facção. Era usava roupas absurdamente largas, com as cores da Amizade. Pensei em como ela parecia extremamente deslocada ali, mas então me dei conta que eu provavelmente também devo parecer.

Mais algumas pessoas se juntaram a nós, todos eles nascidos na Audácia. Entre eles, estava a garota que estava mofando de tédio ao meu lado. Ela não sorria, como se tudo aquilo fosse chato demais, mas percebi que havia certa inquietação e, ao mesmo tempo, entusiasmo nela, assim como em mim. Ela também tinha certo orgulho no olhar, como se tivesse cem por cento de certeza que a Audácia era seu lugar. Mesmo sem conhecê-la, tive certeza que ela deve ser teimosia até os ossos.

A multidão começa a andar e eu os acompanho, o entusiasmo tilintando cada vez mais. Quando chegamos às escadas, todos começam a correr, rindo, como se aquilo fosse uma brincadeira super divertida. Eu deveria imaginar que a Audácia não desce de elevadores; eles preferem sempre o mais complicado. Este pensamento me faz sorrir e começo a correr mais rápido, a adrenalina em minhas veias.

Quando saímos do Eixo, minhas pernas estão doloridas e eu mal posso respirar, mas a adrenalina é tanta que mal o percebo. O pessoal da Audácia parece um bando de animais correndo pelas ruas, pouco se importando se há carros, ônibus ou qualquer coisa passando; é incrível como fazem as coisas sem dar a mínima às consequências. Isso é estúpido de tantas maneiras, mas eu gosto.

Foi só quando vi os trilhos que me senti nervosa pela primeira vez. Eu sabia o que teríamos que fazer, teríamos que pular dentro do trem. Não sei se gosto tanto dessa ideia. Os integrantes e iniciandos formam uma fila longa perto dos trilhos, esperando pelo trem. Ouço o apito do trem e estremeço. As portas dos vagões estão abertas para nós e os membros da Audácia vão entrando aos poucos. Nesse momento, não sei mais se meu coração está no peito ou entalado na garganta.

O primeiro iniciando a pular para dentro do vagão é um cara alto e bonito com cabelos escuros e lisos. Fico impressionada como ele consegue subir bem, mesmo que seja sua primeira vez ─ afinal, ele usa roupas pretas e brancas, o que significa que ele é um transferido da Franqueza. Imediatamente depois dele, outro garoto se lançou para dentro do trem, com tanto sucesso quanto o primeiro. Todos então começaram a pular, os que já estavam lá dentro ajudando-nos. Segurei uma das barras e me lancei para dentro, e por causa da balançar do trem, quase fui jogada para fora novamente, mas alguém me ajudou. Não pude ver quem era, pois logo depois que me puxou para dentro, soltou minha mão e juntou-se à multidão de iniciandos.

As pessoas sentavam-se encostadas na parede, para manter o equilíbrio. Sentei-me ao lado de uma inicianda nascida na Audácia que logo notei ser a menina da Cerimônia de Escolha.

Enquanto eu a encarava, ela se virou e me olhou também. Os olhos dela eram de uma cor estranha, alaranjado em torno da pupila, mas azul-claro no restante da íris.

─ Poxa vida, mas você gosta de ficar perto de mim, não é mesmo? ─ ela disse, erguendo as sobrancelhas.

─ Acho que é o destino ─ respondi. ─ Vai que estamos destinadas a sermos grandes amigas?

─ Ou inimigas ─ ela acrescenta, soltando uma risada maliciosa. ─ Meu nome é Zia, de qualquer maneira.

─ Amber ─ me apresento.

Observei os transferidos que estavam, na sua maioria, sentados. Havia sete da Franqueza, vestindo roupas pretas e brancas. Quando eu os contei, antes de subir no trem, eram oito ─ alguém não conseguiu embarcar. Cinco eram da Erudição. A outra garota da Amizade não estava em lugar nenhum. Provavelmente também falhou.

Simples assim. Nem haviam chegado à sede da Audácia e já eram sem-facções.

─ Como é a iniciação da Audácia? ─ pergunto a Zia, não contendo minha curiosidade. Embora eu estivesse feliz com minha escolha, eu ouvi muitas vezes antes que a iniciação da Audácia é a pior de todas. Não posso deixar de sentir-me preocupada.

Ela me encara por dois segundos, depois dá de ombros.

─ No primeiro estágio, eu sei que precisamos lutar ─ ela responde. ─ Mas não faço ideia do que acontece nos próximos estágios. Eu tenho um irmão mais velho e ele disse que é um pouco complicado. Ele trabalha como tatuador lá.

Solto uma risada meio nervosa. Eu já esperava que iríamos lutar ou algo do tipo, mas agora eu tenho certeza que vou passar por isso. Eu já dei alguns socos, mas não sei lutar e também não sou fisicamente forte. Porém, eu sou sadia e resistente graças ao trabalho nos pomares da Amizade, que pode parecer fácil, mas é muito cansativo.

Eu gostaria de fazer uma tatuagem. Tenho pensado em fazer uma tatuagem desde que eu tinha uns treze anos e descobri que eu provavelmente acabaria na Audácia. Desde então eu tenho observado o pessoal da Audácia na escola, para capturar o máximo de informação sobre eles. Quando Kendall ─ o cara que aplicou meu teste de aptidão ─ concluiu que eu pertencia à Audácia, ele só confirmou o que eu já sabia há tempos. Eu tinha imaginado tatuar uma flor em chamas, para simbolizar a Amizade e a Audácia.

─ Você tem alguma tatuagem? ─ perguntei a Zia. Eu não sabia muito bem como os audaciosos reagiam a pessoas extremamente curiosas, mas eu não podia controlar.

Zia riu com minha pergunta.

─ É claro que tenho uma tatuagem ─ ela respondeu com o cenho franzido. ─ Que espécie de Audácia você acha que sou?

Ela virou-se um pouco para ficar de costas a mim e puxou os cabelos castanhos para frente, deixando à mostra parte de suas costas onde havia um falcão azul. Só dava para ver a cabeça, o pescoço e um pedaço da asa direita do animal tatuado, porque o vestido cobria o resto. Era um desenho muito bonito.

─ Eu o fiz um mês atrás, mais ou menos ─ ela explicou. ─ Para me ajudar na iniciação.

Eu estava prestes a perguntar no que a tatuagem a ajudaria na iniciação, mas então eu percebi que alguns membros da Audácia começaram a pular do trem. Aviso Zia e nós duas nos levantamos. Os trilhos do trem estavam a metros de altura e do lado de fora, havia apenas telhados. Entre os telhados e o trem, havia um vão que poderia custar uma vida.

─ Não me diga que teremos que pular aí ─ eu deixo sair sem querer, minha voz tremendo um pouco.

─ Parece que sim ─ Zia diz. Sua voz parece calma, mas seu corpo está tenso.

Como sempre, os membros são os primeiros a pular e os iniciandos começam a pular logo depois. Os nascidos na Audácia hesitavam, mas pulavam mais corajosamente, enquanto os transferidos não pareciam querer nem chegar perto das portas dos vagões.

─ Vamos logo ─ Zia me puxou junto dela, até a beirada. ─ Ou fazemos agora ou nunca. Você primeiro.

Ergo uma sobrancelha e a encaro. Mas ela está certa, afinal. Ou agora ou nunca. Lanço-me para o telhado com o maior impulso que posso obter e meu corpo vai direto ao impacto. Meu primeiro impulso é colocar as mãos na frente para proteção, e com a batida, sinto meus ossos doerem. Ao meu lado, Zia desequilibra, mas cai em pé.

Junto comigo, os outros iniciandos levantam-se e checam se estão machucados da queda. Percebo que, na turma dos transferidos, só há mais duas garotas além de mim, e todo o resto são meninos. Não gosto muito disso. Como se eu vencer uma lutar já não fosse um pouco difícil, perceber que há grandes chances que eu tenha adversários homens só piora as coisas.

─ Pessoal ─ chama um membro da Audácia. Ele tem a pele escura cheia de rugas e cabelos salpicados de cinza. ─ Ei, pessoal ─ ele grita mais alto e todos olham para ele. ─ Meu nome é Max, sou um dos líderes da Audácia. Abaixo de nós, há a entrada para o complexo que vocês escolheram. Sejam corajosos o suficiente para pular ou nos deixem. Os iniciandos terão o prazer de pular primeiro.

Ninguém fala nada. Ninguém se move. Apenas tentamos fingir que não estamos com medo, mas todos nós estamos. Eu poderia dar um passo à frente e pular, o que importa, vou ter que fazer isso de qualquer maneira. Mas meu corpo não obedece e eu continuo lá, parada.

Uma garota dá um passo à frente. Ela é muito bonita, com pele pálida e cabelos escuros ondulados. Ela veste jeans e um suéter azul-claro ─ uma transferida da Erudição. Seus primeiros passos são hesitantes, mas então muda de expressão e caminha até a beirada confiantemente enquanto Max a observa com curiosidade. Ela parecia delicada, sendo bonita e pequena como é, mas ela agora andava com firmeza e mantinha a cabeça erguida de um jeito que, na Amizade, significa problema.

Sem hesitar, a garota pula do telhado. Ela não grita e também não houve nenhum barulho da queda. Ela estava bem, claro que estava; agora ande e vá pular, Amber.

Outro iniciando anda em direção à beirada imediatamente depois da garota. Eu logo o reconheci, era o transferido da Franqueza que foi o primeiro a pular dentro do trem. Ele não parecia assustado, mas não estava tão confiante como a garota, talvez um pouco desconfiado. Desconfiado do quê, eu não sei. Quando chega à beirada do telhado, ele parece ficar um pouco mais relaxado e, então, pula. Novamente, sem gritos e sem barulhos.

Antes que qualquer outro pudesse ir até a beirada, meu corpo se move até onde está Max. Quando chego até a mureta, olho para baixo. Estamos em um prédio que, junto com mais alguns, rodeiam uma espécie de praça. No centro dessa praça, há um enorme buraco de concreto. O buraco é escuro, não dá para enxergar o que há no fundo. A sede da Audácia fica em um buraco? Solto uma risada ─ literalmente, eles brotaram do chão.

Percebo que estou tremendo um pouco. Não quero que achem que estou com medo, então eu decido acabar logo com isso. Dou um passo para trás para pegar um pouco de impulso e pulo do telhado. Sinto o vento golpear meu corpo enquanto eu despenco até o buraco. Não sei se gritei ou não, porque enquanto eu caia, só conseguia pensar na minha queda.

Abri meus olhos quando senti meu corpo atingir algo duro que me sustentou. Eu estava em uma rede. Por Deus! Suspirei aliviada ao checar que eu estava inteira e viva. Quase me estiquei ali na rede e tirei uma soneca, porque de repente eu me senti cansada. Mas então lembrei que alguém se jogaria do telhado em breve e me atingiria se eu não saísse dali logo.

Na beirada da rede há algumas mãos esticadas. Agarro uma delas com força e a pessoa me puxa para fora da rede, onde eu piso em uma plataforma a três metros do chão. Olho em volta e percebo que estamos em uma caverna enorme. Não é um lugar tão aconchegante quando minha casinha de madeira na Amizade, tenho que admitir.

A pessoa que me puxou para fora da rede é uma garota de cabelos escuros e piercings na sobrancelha. Ao seu lado, está um rapaz muito gato, alto e musculoso, com olhos azuis-escuros. Se eu pudesse ver o rosto das pessoas que estavam esticando as mãos para mim na rede, teria pegado as dele, com certeza.

Na caverna abaixo da plataforma, há uma multidão comemorando. Quando digo ‘comemorando’, digo de um modo selvagem, lançando os punhos no ar e berrando. Eles comemoram ainda mais cada vez que um iniciando cai na rede.

Sem querer, um sorriso brota em meu rosto e naturalmente começo a gargalhar. Uma alegria infantil brilha em mim. Eu definitivamente vou me divertir na Audácia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí? Interessante? Ou não? De qualquer forma, deixem reviews! PS: Só para lembrar que os capítulos 3 e 4 já estão prontos, só estou esperando um incentivo (lê-se: reviews) para postá-los.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Abismo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.