Uma Realidade Diferente escrita por HumbleLittleFox


Capítulo 5
Capítulo 4 - Momentos




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Momentos

Anna terminara de arrumar a primeira mala, uma bolsa de mão, cheia de suas roupas negras, botas, adagas; tudo o necessário para uma vingativa vigilante feminina da noite. Máscaras novas e limpas estavam inclusas. Era preciso se prevenir e levar pelo menos três, uma já no rosto, em caso de perdê-las ou quebrá-las em combate. A segunda mala era normal, uma mochila, com roupas normais e cotidianas, além de seus objetos pessoais. Dentro estavam shorts, blusas e camisetas das mais variadas cores, escova de cabelo, seu MP3 players para ouvir suas músicas, filmes modernos e um retrato com seus pais, felizes, há muito tempo atrás. Talvez não lhe faltasse mais nada do fosse precisar. Tinha em mente passar uma temporada morando com V.

E, sabem, Anna estava fazendo isso sem nem mesmo ele ter conhecimento.

Não pediu permissão, nem mesmo tinha certeza se V permitiria a estadia dela. Estava jogando os dados, jogando no verde. Uma esperançosa persuasão com sua malas prontas afim de que isso o forçasse a lhe dar uma resposta positiva. Um "sim" ou "não há problema".

Andava de um lado para o outro, pegando coisas aqui e acolá, lembrando de outras, tentando lembrar de algumas. Equipamentos eletrônicos de espionagem, um dispositivo hacker, decodificador de senhas e códigos, um mini laptop e um bloco de notas de bolso. Ah, sim, agora tudo parecia pronto e arrumado. Finalmente sua vingança começaria a tomar um rumo mais correto, mais direto. Anna sorria em contentamento e ansiedade e seus olhos eram sombrios, mostravam ódio e raiva. Quase insanos.

Ótimo! Acho que não falta mais nada. Apenas tomar uma vitamina de ferro. Perdi muito sangue..., pensava ela enquanto colocava a mochila pesada em suas costas e pegava a outra com uma das mãos.

Apagou as luzes de seu quarto, observando-o um última vez e fechando a porta com um suspiro lamentoso.

Era um quarto simples. Tinha só uma cama de solteiro, pôsteres de bandas, pôsteres que apenas inspiravam confiança e coragem e um mini sofá, um guarda-roupa de aço ao lado de sua televisão de plasma. Uma área de trabalho com mesa e cadeira logo abaixo de uma janela à oeste. Na parede acima da cama, prateleira de vidro lotada de livros dos mais variados, em especial romances. O chão liso, de cimento, com um grande tapete cor de oliva cobrindo-o quase por completo. No canto, próximo à porta, havia uma mesa redonda cheia de troféus, medalhas, cartas, algumas tulipas e retratos de sua mãe. Um altar dedicado somente à ela.

A casa de Anna tinha poucas coisas e era tudo muito simples e discreto. A pequena sala de estar era cheia de armamentos (adagas, no geral), mais retratos, pôsteres, um sofá de 3 lugares, mesa de centro e cadeiras para visitas... Que nunca visitavam. Mais um enorme e oval tapete no centro, este de uma cor mais neutra, quase cinza, apenas num tom mais escuro.

Passava por lá rumo à geladeira de sua cozinha, abrindo a porta e pegando um tubo de vidro com adesivo escrito "Ferro" na metade da primeira prateleira. Abriu usando só o polegar e tomou duas, recolocando o tubo de volta na geladeira. Depois, fechou todas as luzes de sua casa, com os olhos fechados para adaptarem à escuridão e ser capaz de andar sem problemas.

Então saiu, selando a porta com cadeados e correntes grossas, e fez seu caminho de volta para a Shadow Gallery.

Anna já conseguia ver a porta de entrada da Shadow Gallery naquele túnel semi iluminado, bem escondido e subterrâneo. Perguntou-se se V já havia retornado e desejou que não. Ou sim. Não sabia ao certo, dava no mesmo. No entanto não ficou muito surpresa quando o próprio V abriu a porta para ela, como se tivesse adivinhado sua chegada ou que estava à caminho.

Avistou uma câmera e isso explicou como ele sabia que ela estava por chegar. Deu de ombros e o encarou, tensa, esperando que ele desse a primeira palavra.

... Silêncio.

Tanto V encarava Anna de sua máscara como ela fazia o mesmo. Não podiam saber o que o outro estava pensando por causa de suas barreiras faciais. Talvez V finalmente entendesse como as pessoas se sentiam quando falavam com ele. Incapaz de ler seu rosto como estava incapaz de ler o de Anna.

Estava desapontado por não contemplar seu jovial rosto. Por deliciar-se dentro dos enigmáticos olhos verdes dela. Desapontado de não ser capaz de achar graça quando as maçãs do rosto de Anna ruborizarem de timidez. Por...

Anna colocou a mala no chão, levando suas mãos à parte posterior de sua cabeça para desatar sua máscara. Uma vez que V já vira seu rosto, não havia mais razões para esconder-se atrás de uma máscara de porcelana.

V prendeu a respiração quando viu o rosto de Anna novamente. Seus olhos encarando os dele de forma intensa e convicta. Um suspiro escapou-lhe os lábios e inclinou sua cabeça um pouco.

– Primeiramente, devo me desculpar por ter fugido... Saído sem que soubesse enquanto estava fora. Segundo, será que eu poderia passar um tempo morando aqui? Juro que não serei um problema!

A voz dela era hesitante, seus olhos de repente pedintes. Um meio sorriso se formou nos lábios dela para quebrar a tensão do momento. O clima parecia pesado por causa dos suspense. O silêncio de V era perturbante, deixava qualquer um louco e com o coração pulsante.

O mascarado olhou para a mala e a mochila pensativo, julgando se diria sim ou não. Ele gostava da companhia dela, apreciando sua presença e sua conversa. Talvez o motivo seja porque passou muitos anos mergulhado na solidão que, uma inocente oferta de companhia, amolecia seu coração solitário. Clamava por companhia, clamava por amizade, clamava por... Algo mais? Isso perturbou V por um instante.

Por que ele era tão sádico de manter aquele silêncio e maldito suspense?

Subitamente, V deu um passo na direção de Anna, inclinando a cabeça para encará-la.

Ela sentiu o corpo tremer, surpresa, com a pequena distância que ambos estavam um do outro. A pequena distância com que se encaravam. O estudo e leitura corporal para saber o que cada um pensava; ou pelo menos Anna tentava isso sem sucesso.

V curvou, devagar, seu corpo para frente, para Anna. Movimento tal qual aquele de quem se aproximava para um beijo.

Anna se esqueceu de como era o ato de respirar, o corpo travado e trêmulo, os olhos bastantes apertos de espanto e nervosismo, a boca entreaberta e sem palavras.

Ele pegou a mala do chão. Inclinara–se para pegar a maldita mala do chão. Depois abriu caminho, apontando com uma mão enluvada para a Shadow Gallery em um gesto convidativo e cordial. Cavalheiristico. E, também, gesticulou com a cabeça cordialmente.

– Quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus.¹ – finalmente V falou algo. Uma simples e curta citação de Aristóteles. – Não me encaixo em nenhum dos dois por isso digo que será um grande prazer ter sua companhia. Entre e sinta-se bem-vinda, madame.

Anna acordou do transe para respirar fundo e olhar indignada, mas sorrindo, para V.

– Madame? Por acaso tá me chamando de velha?

Semanas se passaram desde o dia que Anna passou a morar com V. Sua presença trouxe mais felicidade e leveza para o ambiente solitário e sombrio da Shadow Gallery. Cada dia afastava a solidão e o ódio do coração de V e dava espaço a amizade e alegria. Era notável a felicidade dos dois. Ambos pessoas solitárias, vivendo na tão chamada solidão de suas casas, seus refúgios, por muitos anos a fio. Deleitando-se na companhia um do outro agora sobre o mesmo teto; mesmo que um subterrâneo.

Nesse tempo, Anna também aproveitou as saídas de V, e encontrara sua sala da comando cheia de equipados que supostamente foram usados para vigiar cada passo de seus inimigos e hackear sistemas e ter acesso a muitas coisas, além de câmeras de segurança. Exatamente o que ela esperava encontrar ali, usando tudo, em segrego, para localizar um certo alguém. O sistema conectado e bem adaptado em seu mini laptop porque era óbvio que não poderia usar enquanto V estivesse por perto.

Anna estava no topo de uma mini escada, procurando determinadamente por um outro bom livro para ler, nas altas prateleiras de V. Em pé, no pouco espaço que tinha, passando os olhos por cada título e busca de algum que lhe interessasse.

Usava uma calça jeans skinny azul bem claro e uma blusa degradê de mangas longas cores preto e cinza. Estava descalça, os delicados pés pequenos tocando o frio metálico da mini escada.

Achei!

Era um dos livros de Charles Dickens, Grandes Expectativas que há muito tempo começara a lê-lo mas nunca conseguiu terminar. Era um dos livros da lista negra durante o governo de Sutler e por isso não pôde mais ler e ver o que acontecia no final. Isso era parte de sua infância, sua doce e feliz infância.

Teve que ficar na ponta dos pés, um braço erguido ao máximo, lutando para alcançar o bendito livro que estava no topo do topo da pilha de livros. Que sorte, não? E seus movimentos faziam a mini escada balançar um pouco, querendo fazê-la cair, ou tudo cair junto com ela.

Quase lá. Anna podia sentir a ponta de seus dedos tocando a capa dura do livro, sentindo sua superfície um pouco empoeirada. Fazia uma careta engraçada por causa do esforço, o coração batendo rapidamente, temendo cair ali do alto. Estava no máximo que seu limitado corpo humano podia ficar sobre a ponta dos pés e seus braços podiam alcançar. Qualquer outra pessoa já teria desistido de pegar e ler aquele livro. Ou pedido ajuda para outra pessoa, no caso dela, pedido ajuda a V. Entretanto, por orgulho, nenhuma alternativas era uma opção à escolher para Anna que ia até o fim mesmo que caísse e quebrasse ossos.

– Os leitores servem-se dos livros como os cidadãos dos homens. Não vivemos com todos os nossos contemporâneos, escolhemos alguns amigos.²

Era V que falava uma citação logo ao entrar no quarto e encontrar Anna no topo de uma escada, numa luta engraçada em busca de um livro. Ele sorria admirando tal cena, quase rindo pela inocência e delicadeza dela. Contemplava o rosto retorcido em uma careta, contente por Anna não estar usando sua máscara.

Finalmente! Anna pensou ao alcançar e, numa puxada só, pegar o livro que quase caiu de sua mão, obrigando-a tateá-lo desajeitadamente no ar ao mesmo tempo que tentava manter o equilíbrio sobre a mini escada que balançava.

V de repente sentiu um aperto de preocupação no coração, correndo para segurar a escada firmemente.

Suspirou aliviado e inclinou a cabeça para cima, encontrando o olhar de Anna e o sorriso dela, sorrindo de volta por trás da máscara. Deu alguns passos para trás, cruzando os braços atrás do corpo, para fitá-la melhor. Olhá-la de baixo como um simples plebeu olha encantado para sua princesa em seu trono no alto.

– Demorei, deu trabalho, mas consegui pegar este livro lá de cima! – disse ela, fazendo um sinal de V de vitória com os dedos. V olhou tal gesto de forma curiosa, sorrindo.

– Se me perguntassem se era uma lady ou uma macaquinha não saberia qual resposta dar.

Anna arqueou uma sobrancelha, encarando V meio ofendida, pondo o peso do corpo em uma perna. Ela pôde ouvir uma baixa risada abafada vindo dele.

Bobo.

Quando voltou o peso para ambos os pés, um deles estava muito na beira do apoio da escada e, por isso, deslizou fazendo Anna perder o equilíbrio imediatamente. Seus corpo caiu para frente, bem em cima de V.

Com reflexos surpreendentes e uma força inigualável, ele a pegou no ar, as mãos em sua cintura, com facilidade e a sustentou de forma que ela tivesse que olhar para baixo para encará-lo. Seus rostos estavam a uma palma de distância. Tão próximos que podiam ouvir a respiração do outro. As mãos de V segurando a cintura de Anna com firmeza e cuidado e ela, com as mãos apoiadas nos ombros dele. Podia sentir os músculos fortes e rígidos sob o tecido de sua roupa, tensionados pelo pequeno esforço de segurá-la no ar.

Anna encarava intensamente as órbitas escuras e vazias da máscara, sentindo com ele devolvia seu olhar com a mesma intensidade. Desejou novamente poder ver seus olhos, curiosa para saber como eram e a cor que tinham. Inconscientemente, ela apertou os olhos dele.

V despertou de seus devaneios com o fraco aperto em seus ombros, descendo-a devagar ao chão depois de lembrar-se que ainda a segurava no ar.

Não parou de encarar os lindos olhos verdes de Anna por um segundo. Parecia hipnotizado. Sua boca abriu e as palavras saíram sem nem mesmo pensar ou ter ideia de quais seriam exatamente:

– Se eu pudesse descrever a beleza dos teus olhos e enumerar teus atributos em épocas vindouras... Diriam: o poeta mente! A Terra jamais foi acariciada por tal toque divino...³

Aquilo teve seu efeito nela de forma tão doce e de tamanha inocência que V suspirou baixinho, estonteado. As maçãs do rosto de Anna ruborizaram em um evidente, mas leve, tom avermelhado e seu olhar desviado para algum lugar qualquer no chão atrás de V.

Ele ainda a segurava pela cintura, os corpos relativamente próximos. O silêncio reinava de modo estranho e desconfortável até que um som engraçado e baixo veio do estômago de Anna. Era um ronco de fome.

Rapidamente V tirou suas mãos da cintura dela, dando um passo para trás e virando-se costas para ela.

– Pelo ronco deve estar com fome. Venha, vou preparar uma sopa quente para você.

Como um raio ele saiu do quarto, deixando-a sozinha ali, confusa, surpresa e sem palavras. Até se esquecera do livro que havia, na hora de seu desequilíbrio, caído no chão. Anna estava com o coração acelerado que pensou que fosse bater para fora de seu peito. Abraçou a si mesma, ainda sendo capaz de sentir as mãos de V em sua cintura, firmes e fortes. Aquilo a deixou sem ar por um momento, um sorriso bobo brotando de seus lábios.

O jantar de Anna foi silencioso e sob um clima tenso entre os dois. Tanto V quanto ela não puxaram assunto ou disseram uma palavra sequer, nem um "hum" tímido. V cozinhara uma sopa quente de galinha para Anna que ele, mais tarde, tomaria depois quando estivesse sozinho. A noite fazia frio e aquilo com certeza a ajudou a se sentir mais aquecida e confortável.

– Estava uma delícia, V, obrigada. – Anna disse depois de criar coragem para quebrar o silêncio. Ela encarava a mesa à sua frente com olhos meio tímidos, no entanto, olhou para ele e sorriu erguendo o canto da boca.

– É sempre um prazer cozinhar para você, pequena.

Anna respirou fundo, mantendo seu sorriso mas desviando seus olhos do olhar de V. Avistou a televisão dele e abriu um sorriso antes de se levantar da mesa, animada. Depois, cutucou as costas de V que estava lavanda a louça e perguntou:

– Podemos assistir um filme antes da hora de dormir? Podemos? – parecia uma criança que pedia para ir em um brinquedo num parque de diversões.

V soltou uma risadinha, sorrindo por trás da máscara. Quando terminou, virou-se para ela enquanto secava suas mãos na toalha de seu ombro e depois calçava suas luvas novamente. Ele assentiu com a cabeça, a máscara sorrindo junto com ele.

– É claro, Anna. Qual filme você gostaria de assistir?

– A versão mais atual de O Conde de Monte Cristo, pode ser? – disse ela e continuou, antes que V pudesse responder. – Eu sei que você só tem a versão antiga, por isso eu trouxe o filme comigo. É bem legal.

– Versão mais atual? Interessante, nunca assisti. – V respondeu com uma voz entusiasmada. – Muito bem, vamos assistir e depois você irá dormir. Jovens senhoritas não devem ficar acordadas até tão tarde, não é?

O rosto de Anna fechou um pouco, sentindo o sarcasmo na voz dele com aquela última frase. Revirou os olhos e deu um soquinho leve no ombro dele, fazendo seu caminho em direção à seu quarto. Pegou o filme de dentro de sua mochila e voltou correndo para a sala de estar onde V já esperava sentado no sofá, aparentemente ansioso.

Ela deu uma risadinha só para si e colocou o filme no DVD, tomando seu lugar logo ao lado de V no sofá, abraçando as próprias pernas quando os trailers começaram a passar. Deu uma espiadinha com o canto do olho, usando sua visão periférica, para olhar V e depois sorrir feito uma boba, sozinha e furtiva.


 

– Não há muitas diferenças da versão clássica, entretanto, é interessante de qualquer forma. – disse V, sorrindo, ainda meio entusiasmado ao final do filme. – Porém continuo a achar a versão clássica mais deleitável.

V esperou por uma resposta que não veio e, curioso, virou a cabeça e encontrou Anna adormecida, com a cabeça deitada sobre seu ombro. Ela parecia um anjo adormecido em forma humana. O rosto pacífico, como não exista nada de errado no mundo, como se não existisse problemas, como se não existisse desejo de vingança. V deleitou-se com a visão de Anna adormecida sobre o seu ombro e levou uma mão para tocar uma mecha de seu cabelo afetuosamente. Traçando a linha do delicada maxilar dela com seu dedo indicador mas ele logo recuou a mão. Anna parecia acordar.

– Hmm...? Já acabou? Ahh, perdi o final então. – resmungou ela com a voz sonolenta e infantil que foi como uma flechada profunda e certeira no coração de V.

– Sim e agora está na hora da mocinha ir dormir. Vamos, eu a carregarei até o quarto.

Ele prontamente ficou de pé, oferecendo a mão para ajudá-la a se levantar mas Anna recusou, protestando.

– Naaah, eu consigo andar sozinha... – afirmou numa falha tentativa de andar. Estava grogue demais de sono para ser capaz de chegar viva até o quarto.

V revirou os olhos por trás da máscara e em um segundo Anna era erguida nos braços dele. Com braço atrás de seus joelhos e o outro apoiando sua cabeça. Ela resmungou novamente em protesto, chamando-o de chato mas V apesar tirou graça disso e andou em direção ao quarto com Anna em seus braços. Ela podia sentir o calor que emanava através de sua roupa negra, os batimentos cardíacos e seu peitoral largo e cheio de músculos fortes e bem treinados.

A imagem de como seria os músculos de V fizeram Anna despertar imediatamente.

Ao passaram pela porta, V não se preocupou em acender as luzes e deitou Anna com cuidado sobre a cama, sentando-se na beira logo em seguida. Ele sorria contemplando a pequena careta que ela fazia de irritação. O quarto estava bastante escuro sendo iluminado somente pela luz do corredor que passava pela porta mas V podia perfeitamente vê-la, apesar dela não por vê-lo.

– Seu rosto será uma eterna careta se dormir assim. – zombou ele, o sorriso evidente em sua voz grave e intensa. Anna apenas revirou os olhos. – Ótimo. Boa noite, pequena.

V nem esperou por uma resposta, já ia levantando-se da cama quando sentiu Anna puxar seu braço, obrigando-o a permanecer ali. Aquilo o deixou surpreso e curioso.

– ...V?

– Sim?

De repente, V sentiu uma mão atrás de sua cabeça, especificamente em sua nuca, puxando-o para frente; na direção dela. Antes que pudesse afastar-se ou ter qualquer outra reação, sentiu uma pressão em sua máscara. Uma doce e inesperada pressão nos lábios da máscara de porcelana. V prendeu a respiração, chocado, cada músculo de seu corpo travando quase que de imediato. Uma sensação estranha e eletrizante viajou de sua cabeça aos pés e instintivamente levou uma mão à cintura de Anna, trazendo-a para mais perto de si.

Anna dera um beijo furtivo na máscara. Ela simplesmente beijara os lábios daquela maldita barreira, desejando que fosse os lábios dele. Como não sentia e nem ouvia a respiração de V, imaginou que ele tivesse prendido a respiração. Ela também sentia uma sensação no corpo inteiro, uma boa sensação de calor na barriga e coração pulsante.

– Boa noite, V. – ela sussurrou, os lábios roçando os da máscara e depois se afastou, cobrindo-se inteira com o cobertor.

O movimento de V ficando de pé e andando para a porta foi totalmente automático. Ele ainda estava chocado e estava sem palavras. Estava atônito. Surpreso. Pela primeira vez em anos estava sem palavras. Como poderia uma jovem como Anna tomar-lhe as palavras dessa forma? Não era Anna, talvez, que fazia isso. V começava a pestanejar o que sentia de verdade.

Assim que fechou a porta atrás de si, V apoiou suas costas e fechou os olhos, pensativo, as mãos cruzadas atrás de seu corpo.

– Nossas vidas são definidas por momentos. Principalmente aqueles que nos pegam de surpresa. (4) - sussurrou ele de forma inaudível. - É que o amor é como árvore. Rebenta por si próprio, penetra profundamente em todo o nosso ser e continua, muitas vezes, a verdejar sobre um coração em ruínas. (5)

Anna ainda estava acordada, rolando sobre a cama, sem sono. A atitude que tomara lhe dera insônia porque não conseguia parar de pensar no beijo que dera na máscara de V. Só de lembrar borboletas voavam junto com um frio terrível em sua barriga.

Bipe.

Virou a cabeça para olhar e arregalou os olhos. O olhar de repente insano e cheio de ódio.

Com um salto ela se levantou da cama e vestiu suas roupas pretas. Sua roupa de vingadora. O coração batendo rápido demais comparado a um ser humano normal. Sua respiração curta e rápida. A cabeça estonteada de pensamentos de ódio, raiva, rancor, vingança e desejo de matar. Seu corpo inteiro tremia em adrenalina.

Finalmente seu mini laptop encontrava o paradeiro do responsável e objetivo de vingança. Depois de anos em espera paciente ela o encontrara. Ah!

A vingança é o alimento de minha dor. Dor esta que está por esvaecer!,ela pensou, poéticamente.

Abriu a porta com cuidado, caminhando com passos tão leves quanto de um gato, os olhos atentos para não encontrar V ainda acordado em algum lugar. Usava novamente sua máscara. Ela agora escondia seu olhar insano, feroz.

Nenhum sinal dele, ótimo.

E fez seu caminho para fora da Shadow Gallery. Fez seu caminho para a realização de sua vingança.

Então V surgiu de uma sombra no canto do corredor, a cabeça inclinando, como uma marionete, na direção da saída da Shadow Gallery e, depois, para a porta do quarto de Anna.

¹.: "Quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus."– Aristóteles.

².: "Os leitores servem-se dos livros como os cidadãos dos homens. Não vivemos com todos os nossos contemporâneos, escolhemos alguns amigos."– Voltarie

³.: "Se eu pudesse descrever a beleza dos teus olhos e enumerar teus atributos em épocas vindouras... Diriam: o poeta mente! A Terra jamais foi acariciada por tal toque divino..."– Shakespeare

4.: "Nossas vidas são definidas por momentos. Principalmente aqueles que nos pegam de surpresa."– Bob Marley

5.: "É que o amor é como árvore. Rebenta por si próprio, penetra profundamente em todo o nosso ser e continua muitas vezes, a verdejar sobre um coração em ruínas"– Victor Hugo




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Notas finais do capítulo

Em breve o capítulo 5, aguardem!!
Espero que tenham gostado e não se esqueçam de deixar suas reviews ç.ç