Tem uma música tocando no fundo. Ele está de pé, olhando para a tela há horas. A tinta está secando no carpete - já tinha escorrido da paleta e estava manchando o chão com vários tons de amarelo, azul e vermelho. O ventilador de teto gira, o ranger daquela máquina velha combinando com a música.

Ele sente seu peito doer. A tela está em branco igual sua mente. Ele olha para aquela tela sem parar, sem descanso. Sem lágrimas ou sem gritos, apenas o branco.

O branco é a junção de todas as cores. Mas para ele, é a falta delas. Sua vida sem cores, sua mente sem idéias, a falta de vida em seus olhos. O seu peito dói. Os cortes recém abertos em seu antebraço também doem, ardem, queimam. O sangue cai.

Mas ele não liga.

Ele quer a pintura, ele quer as cores. Ele quer ver a vida da sua pintura, ele quer sorrir quando ela estiver pronta. Ele quer sentir aquela vibração quanto encosta o pincel no quadro. Mas ele não pode sentir. É como se ele tivesse sido afastado de tudo.

Então ele sente o cheiro da fumaça. É como se ela estivesse saindo de dentro dele. O cheiro de fumo misturado com o metálico do sangue fazem ele sorrir - ah, era quase em casa. Seus pulmões estão queimando, o braço parou de doer. Agora ele não sente mais nada.

Mais algum tempo no quadro, o gosto de uísque. Argh, amargo, mas combinava com o gosto de fumo que tinha ficado. Podia sentir sua visão ficando mais confusa. Será que o quadro realmente estava branco? Ele podia ver cores, formas. Mas elas mudavam. Não sabia se era a cada vez que piscava - aliás, não tinha certeza se estava piscando - ou se mudavam de acordo com as sensações... Mas as cores estavam lá. 

Um amarelo vibrante, um vermelho chocante, um verde floresta. De repente, céu e estrelas. Agora as figuras se formavam rápido. Ele pode ver um cinza metálico, então apenas vermelho. Vermelho, vermelho, vermelho. Suas mãos se moviam rápido, e era como se o mundo girasse à sua volta.

Então seu quadro ficou pronto. Mas não pode admirá-lo - o próprio começou a se afastar, indo para cima, em direção ao céu. Sua arte tinha atingido a perfeição, ele era perfeito. Até Deus queria ser ele.

Ele riu alto, insano. Sua cabeça deu uma fincada. Suas risadas aumentaram ainda mais, apesar do seu pulmão queimar. Um som fino preenchia seus ouvidos, e ele não ouvia mais a música no fundo, nem o ranger do ventilador. 

Então ele fechou os olhos. Tudo o que vira era preto, a escuridão. Ele tinha mais um quadro para pintar.