Por um instante, Kairou pareceu ver nitidamente sombras deslizarem pelas paredes da rua estreita e passarem por ele. Ainda estava relutante em olhar para trás e permanecia com o rosto ainda voltado para a saída completamente escura do caminho.

Até que ele sentiu várias presenças surgindo pelas suas costas. Seu coração palpitava com violência e sua mão esquerda ainda estava envolta do cabo da espada. Ele não teve escolha e se virou rapidamente para presenciar sombras enormes se erguerem do chão com os olhos fantasmagóricos brilhando assustadoramente. Seu corpo tremeu da cabeça aos pés com mais intensidade quando armaduras começaram á surgir em cada parte das sombras e irem tomando forma mais e mais.

Estava feito. As esperanças de que nunca mais passaria por aquilo de novo foram levadas pelo vento gélido que tocou seu rosto. Ele estava diante de dez guerreiros negros empunhando espadas e manifestando com a mesma intensidade das vezes anteriores, uma vontade terrível de matar. Os olhos de Kairou bem abertos nem sequer piscavam. Ele deu um passo para trás de um jeito desajeitado, ergueu a espada á altura do rosto e disse extremamente assombrado.

—Se derem um passo, eu queimo cada um de vocês!!

Uma chama laranja e flamejante envolveu a lâmina da espada de Kairou de um segundo para o outro. Ardia inquieta e com grande intensidade fazendo com que os olhos verdes do garoto ficassem em uma coloração amarelada. Um tossido seco foi solto no beco e uma voz rouca começou á falar.

—Ora vejam só. Ele tem talentos ocultos não é? - Hasef ia caminhando pelo meio das duas fileiras de guerreiros negros que estavam dispostos pelos cantos da rua ainda parados – Vamos ver do que você é realmente capaz filho de Kaiou.

O velho examinou a mão direita onde segurava uma pedra em formato oval, bem lapidada, da cor amarela. Ela estava com um aspecto comum e após perceber isto, Hasef lançou um olhar de desdém sobre Kairou que permanecia imóvel de medo.

—Vejo que você não tem aquilo que eu quero garoto. Mas depois de ver isto tudo, não posso permitir que saia deste lugar vivo!

Kairou engoliu um nó e sentiu uma dor revirando-lhe o estômago. Ele deu mais um passo para trás e as chamas aumentaram de intensidade. Hasef soltou uma declaração fria e seca á seguir.

—Matem-no!

Como uma onda, os dez guerreiros negros avançaram sem piedade para cima de Kairou que saiu correndo em debandada pela rua escura. Estava ofegante, correndo desesperado sem rumo. A única coisa que passava pela sua cabeça era encontrar alguma chance de encontrar a saída, seja lá como fosse. Ele sentiu claramente que algo se aproximava de seus ombros e virou-se de súbito com a espada á altura do rosto em tempo suficientemente rápido para impedir que a espada do guerreiro negro que estava descendo em grande velocidade logo atrás dele lhe rasgasse a carne.

Fagulhas se espalharam pelo ar com o choque das lâminas e logo após, ele fez um movimento curvo com a espada flamejante e cravou-a bem na barriga do guerreiro negro que soltou um rugido de dor e aos poucos foi se deteriorando em cinzas. Ele se virou soltando a espada da armadura do guerreiro e tornou á correr o mais rápido que podia. Mas o fim da rua não chegava nunca. Ainda correndo ele gritou.

—MAS POR QUE ESTA RUA NÃO ACABA?! – E parou de caminhar. Os guerreiros vinham logo atrás emitindo um som extremamente perturbador.

Ele se virou e ergueu a espada acima da cabeça. As chamas começam á tocar as paredes do beco em um fogaréu grandioso. Cestos pendurados em ganchos e os barris encostados ao chão foram sendo envolvidos pelo fogo e a cortina quente formada por Kairou impediu os guerreiros de prosseguirem.

Ele havia usado uma grande quantidade de poder místico e caminhava com dificuldade sentindo falta de ar com a visão turva. Estava se aproximando do seu limite mas logo viu que pequenos pontos luminosos passavam atrás da escuridão á sua frente.

—Estou chegando ao final da rua! FINALMENTE! – Exclamou Kairou aliviado por um pequeno momento até ser completamente surpreendido por uma sombra que se ergueu do chão em um salto rápido bem á sua frente e logo foi tomando forma com os braços erguidos e uma espada longa brilhante erguida acima da cabeça.

—Não! – Gritou Kairou agonizante enquanto via a espada do guerreiro negro á sua frente descer como um poderoso martelo. Ele se jogou de lado institivamente e a espada passou á poucos centímetros de seu rosto até faiscar no chão.

Ainda correndo ele passou ao lado do guerreiro mas nada pode fazer quando percebeu que a única saída estava completamente bloqueada por mais sete guerreiros negros que o fitavam terrivelmente.

Não poderia seguir e também não poderia voltar. O medo agora era maior do que ele podia imaginar e por causa do ultimo esforço que fizera, percebeu que suas chamas não poderiam acabar com todos os guerreiros negros de uma vez.

—Resistiu mais do que pensei garoto tolo! – Disse Hasef se aproximando como uma serpente ardilosa – E exatamente por isso morrerá rapidamente!

Kairou estava imóvel, tremendo muito e paralisado com os olhos arregalados e começando á ser tomado de lágrimas. Ele foi perdendo o equilíbrio e sentou-se no chão gelado sem reação. As chamas em sua espada foram se esvaindo. Seria o fim. Havia lutado duas vezes e escapado, mas antes estava acompanhado. Sozinho nunca haveria de conseguir vencer. Se Eldrwin e Anya estivessem ali... Se qualquer um estivesse ali... Mas ninguém aparecia.

—Matem! – Ordenou Hasef

Tudo que Kairou pôde fazer foi engolir em seco e fechar os olhos esperando sua carne ser dilacerada por uma dezena de espadas.

Mas uma luz branca forte brilhou poucos metros atrás de Hasef. Todos se distraíram e em uma fração de segundos, O jovem se levantou e passou rasteiro pelos guerreiros negros e por Hasef que ficou em choque ao perceber que o talismã em sua mão começou á brilhar com grande intensidade.

—SE AFASTEM DO MEU AMIGO! Gritou Eldrwin ainda em pânico ao perceber que Kairou corria em direção á ele tomado pelo medo.

—TEMOS QUE SAIR DAQUI AGORA! CORRA!

—ATAQUEM O GAROTO DA ESPADA DE LUZ! MATEM ELE! AGORA!

Ordenou Hasef em voz alta e os guerreiros ainda mais rápido do que antes se colocaram a avançar em direção á Eldrwin e Kairou que começaram á seguir o rumo oposto.

—COMO SABIA QUE EU ESTAVA AQUI?? – Declarou Kairou á Eldrwin que corria á frente.

—EU NÃO SABIA! SABE MUITO BEM QUE NA VOLTA DA ARENA PASSO POR AQUI PARA IR PRA CASA! –Disse Eldrwin gritando enquanto sua espada brilhava.

O fim da pequena rua parecia estar mais próximo e os guerreiros negros seguiam com as espadas afiadíssimas erguidas e logo após avançaram para cima dos dois jovens como flechas.

A luz na espada de Eldrwin ficou mais forte e o fogo retornou á lâmina de Kairou. Os dois pararam e Eldriwin disse aos tropeços.

—Temos que impedi-los de avançar de alguma forma!

Edrwin ergueu sua espada no ar e uma luz repentina e extremamente forte surgiu e desapareceu como um relâmpago,  atordoando os guerreiros que pararam próximos á eles.

—AGORA! Urrou Eldrwin e partiu juntamente com Kairou em direção aos inimigos.

A espada brilhante de Eldrwin girou o ar em grande velocidade e sua ponta atingiu o pescoço de uns dos guerreiros que caiu de joelhos e foi se dissolvendo. Kairou agitou sua espada rapidamente em círculos e uma onda de calor se dirigiu ferozmente para cima de todos eles que foram se afastando.

Os garotos tornaram á correr em direção á saída que ia ficando mais clara á cada momento.

—Kairou! Vamos conseguir! Estou vendo a saída da rua! – Gritou Eldrwin para Kairou que o acompanhava.

Um som agudo foi ouvido logo atrás deles e ia se aproximando como se fosse o vento, de súbito, Kairou empurrou Eldrwin para o lado que perdeu o equilíbrio no mesmo segundo e uma enorme lâmina passou voando por entre eles provocando um corte profundo no ombro esquerdo de Kairou que também caiu e junto com Eldrwin saiu da ruela sombria rolando sem parar pelo chão de pedras.

Sem ter tempo para pensar os dois se levantaram e seguiram juntos rumo á arena de batalha, ofegantes, mancando, completamente suados e machucados pela queda.

—Nos... Nós... Eldrwin... – Tentava dizer alguma coisa Kairou respirando com a boca aberta.

—Eu sei – Respondeu Eldrwin completamente sem fôlego até perceber que Kairou começava á caminhar mais lento.

—Kairou... AH NÃO!

Eldrwin logo viu que um talho muito grande havia sido feito no ombro de seu melhor amigo e estava jorrando sangue. Ele ainda estava sozinho na rua deserta e desta vez sem saber o que fazer.

—Eldrwin... Eu... – Tentou dizer alguma coisa Kairou que no mesmo instante caiu sobre os joelhos, quase desacordado. – Eu gastei muita energia mística no beco... Não consigo andar, está tudo rodando...

—Kairou! Não! Por favor, Resista! – Suplicou Eldrwin aos berros colocando uma das mãos sobre a ferida do amigo enquanto o segurava com a outra mão para não cair. - Socorro! Eu preciso de ajuda! Eu precis...

Em um instante percebeu que logo á sua frente uma túnica cinzenta que ia até o chão surgiu. Ele foi olhando para cima de pouco em pouco e seus olhos se arregalaram ao focalizar o rosto de quem estava ali.