"Despertada pelo calor do ósculo, a princesa Latisha levantou-se dos finos tapetes em que dormira por mais de mil luas. A cruel terceira esposa do califa Nassif, Nadime, chorou em frustração, a cicuta já correndo seu sangue e parando seu coração. Nassif, então, tomou a bela e virtuosa Latisha como sua esposa preferida. Os dois tiveram muitos filhos e governaram prosperamente seu califado até o fim de seus dias."

Fechei meu novo livro de contos. Hassan aplaudia com entusiasmo.

-Bravo! Amir agha, só tenho uma pergunta. -disse ele, timidamente. -O que significa "ósculo"?

Estava pronto para pregar-lhe uma de minhas peças que envolviam seu vocabulário pobre, -afinal, que culpa tinha eu pela abusável ignorância de um hazara?- quando percebi os olhos de Hassan em mim. Expressavam sua admiração genuína, a ânsia por meus conhecimentos. O maldito garoto era tão puro que quase me senti mal por pensar em enganá-lo!

-Ósculo é a mesma coisa que beijo. Mas é uma palavra mais bonita, entende? -expliquei. -Beijar pode ser um pai, um conhecido, qualquer um. Mas eu nunca usaria oscular nesse sentido. É só com quem você gosta de verdade, como Nassif gostava de Latisha. -tentei usar as palavras adequadas para que Hassan compreendesse, até mesmo usando como a exemplo a história que acabara de ler para ele, apesar de que eu próprio não tinha certeza da veracidade do que dizia.

Aqueles olhos sinceros de bonequinha chinesa brilharam em entendimento.

-Ah, sim! Obrigado, Amir agha.

Permanecemos em um silêncio estranho, sentados ao pé da árvore de romã em que estavam inscitos nossos nomes. Vendo que eu me preparava para voltar à casa de baba, Hassan quebrou o silêncio.

-Amir agha, posso te fazer uma pergunta?

-Faça. -respondi.

-Tem alguém de quem Amir agha realmente goste? Como Nassif gostava de Latisha?

Aquela pergunta de fato me pegara de surpresa. Eu não sabia exatamente o que responder - mesmo que baba não fosse um afegão típico, eu havia sido criado da típica maneira afegã. Isso significava que nunca tivera contato com uma garota e jamais tive sequer uma paixonite.

Significava mesmo?

Hassan, bochechas vermelhas e olhos orientais ainda mais apertados pela vergonha, era mais boneca chinesa do que nunca. Tão arrependido que estava de ter feito a pergunta, amaldiçoado seja ele! Confesso que o cirurgião havia feito um excelente trabalho na correção de seu lábio leporino. Hesitei em nossa aproximação. Não me importava que ele se arrependesse depois, afinal, foram ele e sua ignorância a causa desta situação. Mas e se eu me arrependesse? E se baba descobrisse que seu filho era capaz de decepcioná-lo cada dia de uma maneira nova?

Decidi que deixaria as coisas acontecerem pelo menos uma vez na vida. E, no momento, essa coisa era Hassan.

Nos abraçamos sem saber exatamente o que deveríamos fazer. Então aproximei meu rosto do dele, e o osculei. Estava perdido - foi algo desajeitado, e muito rápido nos separamos.

-Isso é bom, Amir agha. -disse Hassan, tentando recuperar o fôlego.

Concordei. Apesar de não ter técnica alguma, não fora ruim, nem um pouco. Percebendo que o tempo esfriava, olhei para o céu. Já entardecia em Cabul, e Hassan sugeriu que voltássemos logo, já se levantando e rumando para casa.

Peguei meu livro de contos e o segui. Quem sabe o garoto hazara, a estúpida boneca chinesa, não estava se tornando para mim o que Latisha era para o califa Nassif?