– Foram nove anos. Nove anos de um sonho... Ela foi a pessoa que mudou minha vida... Lucy, por quê?

Minha mãe se lamentava da morte de minha irmã por todos os dias, aquilo me machucava, e eu simplesmente não encontrava uma solução para o fim daquela tormenta. Ela não fazia nada mais além de ficar sentada na varanda, esperando minha irmã chegar do colégio. Há alguns dias, ela até chegou a ligar para o antigo número de celular da minha irmã. E quando vi aquilo, meu coração partiu, em qualquer que seja o número de pedaços.

Com muita dor, eu consegui aceitar a ausência de minha irmã. Como se já não bastasse a ausência de um pai. Me trancava no quarto até o último domingo, quando percebi que minha mãe precisava de minha ajuda para sobreviver por mais alguns anos. E Lucy cuidaria dela em meu lugar...

– Ela deve estar sentindo frio e fome... Preciso ajudá-la. – Ela levantou bruscamente da cadeira e correu em direção à escola que Lucy passava seu “fundamental”. Quase chegando à esquina, suas pernas fraquejaram e ela caiu ali na neve, desmaiada.

Corri o mais rápido que pude e coloquei meu agasalho sobre ela. Alguns vizinhos se aproximaram e tomaram minha mãe de meus braços. Eu via minhas mãos vindas em meu rosto e sentia cortes em minha bochecha, minhas pernas tremiam e meu corpo esfriava cada vez mais. Eu gritava e minha garganta respondia com uma dor aguda. De repente, uma escuridão.

Abri meus olhos e vi uma chaleira sobre a mesa, uma poltrona de couro e o fogo flamejando da lareira. Era um silêncio profundo, mas algumas vozes ao fundo me desnorteavam. Olhei para os lados e me vi em uma sala de estar completamente pronta para o Natal, mas estranha. Meu rosto doía, como se há meses não tocava nele. Estava tudo tão dormente, inclusive minha perna.

Com muito custo, consegui me manter sentada no sofá. Estava pela primeira vez naquele inverno me sentindo aquecida e protegida. Meus olhos ardiam muito. Fechei-os e acabei me lembrando da cena em que Lucy era colocada por debaixo de terra, como se abandonada pelo mundo, para sempre. Não, eu não podia chorar, mas era muita dor para mim. As vozes se aproximaram.

Mantive-me em alerta e estremeci ao ouvir o choro de minha mãe.

– Venha, ela está bem... Mas você, Donna, precisa de cuidados. Você não pode ficar assim. - Alguém tentava convencer minha mãe.

– Me largue! - minha mãe se desvencilhou das mãos do estranho e me chamou -Filha! Minha filha! Você está bem? Me diz! Não fique triste, minha querida. Eu te amo assim como amo Lucy... – larguei-me sobre o abraço de minha mãe e deixei as lágrimas caírem como quiserem, as palavras de minha mãe eram as únicas esperanças de que tudo voltaria ao normal. E como se minha mãe acordasse do sono, ela voltou a pensar na Lucy - Ariel, você ajudou Lucy no dever? Colocou o lanche e o agasalho na mochila dela?

E de repente, tudo desabou. Eu já tinha esperança de que minha mãe se recuperava até ela voltar com aquilo. Será que era tão difícil ela aceitar aquilo tudo? E voltar a paz! E tentar ser uma mãe que ela nunca fora comigo?!

– Esquece isso! Aceita tudo e pelo menos, me ajuda a te aguentar! – soltei-me dos braços dela e corri até a porta mais próxima. Para minha sorte, ela dava diretamente para o jardim dos fundos. Estava completamente perdida, mas pude ver ao lado a cerca branca da minha casa. E apesar da dormência de todo meu corpo, eu fiz toda a força possível.

Corri, contra minha fraqueza, até meu quarto, e minha primeira vontade foi derrubar tudo aquilo e fugir dali. Aliás, fugir desse mundo. Impossível? Não. Não para mim. Eu ainda sairia daquele lugar.