O Amor Acontece. escrita por Mellody Holmes


Capítulo 1
Capítulo 1 - Reapresentação.




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      Estava uma noite tão fria e, apesar de adorar o frio, Lara desejou fugir do clima; Se agasalhou muito mais do que precisava e não saiu de perto de suas cobertas e cama por nada, sequer para jantar. Seu coração, tão levemente estável, precisava de equilíbrio, e o desalento daquele ambiente não faria derreter a pedrinha de gelo entranhada nele. Deitada, ela observava a janela, a sombra dos galhos – agora sem folhas – e tentava restaurar a imagem das árvores há quatro meses; Quando Victor ainda estava com ela, sendo mais reconfortante que a luz do sol. O mesmo sol, que sobre eles, aqueceu aquele e todos os verões que Lara passara na fazenda dos tios. Mas o verão sempre acaba. As aulas começam novamente e quilômetros passam a separá-los. “A diferença entre este e os anos anteriores deve estar naquele sorriso ou olhar inocente que jamais notara antes”, Lara pensava. Quando os dois eram apenas crianças, já havia tristeza com a separação, mas, na última visita eles já não eram mais crianças... E tanta coisa parece diferente.

      No primeiro dia de férias, ela chegou primeiro à fazenda; seus pais decidiram viajar para outro lugar e a deixaram lá antes de partir. Ela entrou na casa e viu o mesmo cenário de sempre: Sua tia próxima ao fogão, preparando Bolinhos de Chuva. Seu tio sentado na cadeira de balanço, concentrado na televisão e seus dois primos mais velhos em algum lugar – não visível, a princípio - da casa, provavelmente discutindo. Atravessou a porta, recebeu beijos e abraços de todos (o que era comum, considerando o fato dessas serem as pessoas mais agradáveis de toda a família) e seguiu para o quarto com janela da frente. Largou as malas, imaginando que seu vizinho e melhor amigo ainda não tinha chegado da capital. A tarde passou lentamente, podendo ser resumida em uma visita aos cavalos da propriedade e um lanche com alguns dos bolinhos da tia Marly. À noite, enquanto descansava no quarto, Lara ouviu o motor de um carro se aproximar e correu, já sabendo quem iria encontrar. Grande espanto a tomou uma vez chegado lá fora; Quem era aquele estranho saindo da porta de trás do carro? Aquele rapaz alto, esguio, com cabelos castanhos e lisos (um tanto bagunçados) e uma pele tão reluzente? Não poderia ser o...

      ___ Victor? Perguntou ela, incrédula demais para conseguir se mover do local onde estava. A resposta veio logo em seguida, acompanhada de igual espanto:

      ___ Lara! É você mesma?

      Ele não precisou de assentimento, já caminhava de encontro a ela e logo a tomou em seus braços. Naquele momento, a garota descobriu que o corpo; assim como o cabelo, a altura e a pele do amigo, havia mudado. “Quando o peito dele começou a parecer mármore?”, ela se perguntava. Apesar do longo abraço, sentiam-se como estranhos. Para Victor, as mudanças em sua vizinha de verão também o causava espanto, o que ele escondia com um sorriso – puro e encantador, diga-se de passagem- de familiaridade. Por alguns minutos nada disseram um ao outro, apenas trocaram alguns olhares avaliadores e, quando finalmente a voz retornou às suas gargantas, concordaram que seria mais conveniente descansarem e só no dia seguinte conversar sobre o tempo que estiveram separados.

      Aquela foi uma noite longa. Os dois tentavam absorver e compreender a falha no enredo. Desde quando reparavam tanto na aparência um do outro? E por que não catalogaram estrelas na primeira noite juntos, como dita o costume? Nem mesmo conversaram de fato. Lara, nem mesmo quis estar em um local muito acessível; tinha algum receio de receber a visita dele. Ficou no quarto, pensando no que deveria dizer quando a lua desse lugar ao sol... “O conheço há anos. Não posso continuar agindo como se nunca o tivesse visto. Se bem que... lindo assim, eu realmente não tinha visto ainda!”. Ele, por outro lado, eternizava o perfume floral da garota, se perguntando por onde estaria a menininha suja de terra com quem brincou na infância.

      Na cozinha, o preparo do café já começara e o simples cair da panela foi suficiente para dar fim ao sono tênue de Lara. Abriu os olhos, ainda sonolenta e tonta. Logo as coisas ganharam foco outra vez e, pela primeira vez, ela observou a sua volta; seu criado-mudo permanecia ali, intocado. O livrinho em cima a fez lembrar que havia alguém com quem compartilhar sua insegurança, afinal. Era o diário que ganhara no 10º aniversário; estava ali há sete anos, registrando seus verões na fazenda. Depois de observar o “confidenciário” por alguns instantes, quis lê-lo e assim o fez. Uma onda de lembranças a inundou enquanto recordava a primeira vez que tentou nadar e quase se afogou; não fosse Victor tira-la a tempo do lago, talvez tivesse morrido. Algumas páginas a frente havia o relato do aniversário de 11 anos (nessa data, quase sempre estava na casa dos tios), foi nesse dia que ganhou o livro “Alice no País das Maravilhas” – sua história favorita na época e, depois disso, por toda a vida. Continuou lendo, passando pela tarde em que, a cavalo, quase mataram a pobre tia Marly de susto por se afastarem demais.

     Manteve-se na atividade por quase 40 minutos. Até que, já nas páginas finais, uma entre todas as recordações a fez sorrir: quando, junto a Victor, enterrou uma caixinha de madeira contendo duas folhas; uma fora dela e a outra, dele. Cada um pôs na folha aquilo que queria que o outro visse um dia, quando retornassem a fazenda. Uma espécie de recado para o dia do reencontro. Antes de chegar ao fim da página, Lara fechou o livrinho e o devolveu ao lugar onde achara. Num salto, saiu da cama e correu em direção ao quintal. Passando pela cozinha, sua tia (muito intrigada com a pressa da garota) disse:

      ___ Querida, você não vai...

      Antes que pudesse encerrar sua fala, viu Lara parar à porta e recuar, dizendo:

      ___ É, vou.

      E voltou ao quarto na intenção de vestir algo maior que o pijama. Abriu a mala e colocou o primeiro jeans e blusa que viu a frente, prendeu o cabelo para trás num rabo de cavalo e dirigiu-se ao banheiro, pois lhe ocorrera que também não escovara os dentes ainda.  Terminada as obrigações, continuou seu percurso. Lá fora, apesar do horário, o sol brilhava em algum ponto alto do céu e o clima estava perfeito para desenterrar uma caixinha com cartas, que ela não sabia se ainda existiam, de algum lugar onde não lembrava. “Vamos ver... Aonde foi mesmo? Na frente ou atrás da casa? Perto do lago? Acho que foi embaixo da macieira... ou não.” Percebeu que não fazia ideia de onde pudesse estar. Já ia voltar para dentro e procurar melhor no diário quando...

       ___ Disposição a essa hora? (disse Victor, num tom irônico, parado atrás dela.).

      Sentiu suas bochechas corarem, ao imaginar a figura que devia estar sendo naquele momento: Uma garota no meio do quintal, girando e olhando em volta como uma boba e àquela hora da manhã!

       ___ Parece que não sou a única. (disse por fim, achando as palavras certas.).

       Ele riu, fazendo-a se sentir menos envergonhada.

       ___ O que procurava?

       ___ Nada... Nada! Estava só apreciando.

       ___ Apreciando? (E havia ainda mais ironia no modo como falava desta vez.).

       ___... A natureza, o dia!

       ___ Neste caso, se importa se ficar aqui, apreciando o lugar que não muda muito desde... Sempre, com você?

       ___ Não há nada de errado em admirar aquilo que já se conhece. (Ela disse mais confiante dessa vez).

       ___ Claro que não! (falou, já ao lado dela, e a proximidade fez com que perdesse toda a confiança adquirida a tanto custo.).

       ___ Está bem. Não estou admirando nada.

      ___ Não? – Indagou, fingindo surpresa.

      ___ Eu apenas... Tentava lembrar onde deixei uma coisa.

      Ele sorriu; um sorriso cheio de dentes a mostra. E o modo como olhou para ela fez parecer que sabia do que se tratava.

       ___ Não lembra que fomos ao jardim da vovó aquele dia?

       Surpresa, ela nada disse, apenas esperou que prosseguisse:

       ___ Está perto das rosas vermelhas, no cantinho mais escondido. Você sempre adorou aquele lugar...

       Sem saber o que dizer ou fazer, Lara apenas o olhou. Ainda estava impressionada com os traços do rosto: a linha do queixo que o conferia um ar tão imponente e, ao mesmo tempo, os olhos tão expressivos, tão cheios de uma doçura interminável. Os lábios finos, mas tão proporcionais às demais feições. Os cabelos desarrumados e levemente caídos à testa. Por minutos, permaneceram ali, imóveis e silenciosos até que ele dissesse:

       ___ Não quer saber o que escrevi?

       Despertando da embriaguez que lhe causava aqueles olhos, disse:

       ___ Quero.


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