Isso É Real: Especial. escrita por Gabriel e Lucas


Capítulo 1
Especial I


Notas iniciais do capítulo

Feito por Lucas.



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Ele morava há cinco ruas de minha casa, mas todos os dias eu o via. Ele era grande, e eu pequeno. Ele se arrumava como aqueles skatistas pós-show-de-rock. E eu tentava acompanhar aquele estilo, mas nem sempre todas as roupas ficavam bem em mim. Eu me escondia. Ele nem tanto, era na dele, confesso, mas ele andava como se não se preocupasse com quem o via. Ele era mais velho que eu, já trabalhava, mas não que eu não tinha idade para trabalho... Eu ainda estava na escola.

Eu sabia muito sobre a vida dele, acordava às 04h20min da manhã e pegava seu primeiro ônibus às 05h15min. Ele trabalhava numa loja um pouco afastada de sua casa, porém perto de minha escola. Todos os dias quando eu era liberado, passava sobre a loja dele e escondia-me atrás de uma pilastra. Ele nunca me via, acho até que nem sabia quem eu era. Eu sempre guardava momentos assim no meu celular, com fotos que eu tirava as escondidas, dele. Saia junto com ele, quando seu expediente acabava. Havia vezes que estava morrendo de fome por tanto o esperar, mas isso foi até a quarta semana, pois eu passei a lembrar de levar algumas barrinhas de chocolate na mochila. Ele saltava do ônibus primeiro, por morar um pouco antes de minha casa, mas eu sempre saltava com ele, e caminhava perseguindo-o naquele bairro.  Sempre atrás dele. Engraçado era que ele nunca olhava para trás, nem para ver se havia alguém atrás dele. Bom... Não querendo me gabar, mas eu fazia de tudo para ser o menos exposto quando o seguia, quase um ninja, assim poderia dizer. Eu sempre parava há um poste em frente a sua casa e o esperava entrar, assim que o fazia, parava mais cinco minutos atrás do arbusto ao lado do muro de sua casa para o ver em seu quarto. Suspirava: ele sim era dono dos meus sonhos.

17h00min era a hora que ele saia de casa para comprar pão, e eu estava a sua espera, ao outro lado da rua, atrás de outro poste, com o celular na mão e o coração apertado no peito.  Não acho que seguir uma pessoa por três meses seja algo realmente errado, acho que... Isso se chama paixão. Não aquilo de apertar uma pessoa na parede e beijar a boca dela como se estivesse comendo um pedaço de carne, a última do prato de um rodízio e passar a mão sobre seu corpo como se estivesse acariciando uma coberta macia, puxando-a para seu corpo para esquentar sua pele fria... Sendo que, era exatamente isso que eu sonhava, com ele.

Ele ficava sempre atrás de uma senhora na fila do pão (por falar nisso, remete-me essa cena a linda música do Los Hermanos que sempre escutava naquele momento, parecia que a paixão por ele aumentava, estranho, não?), e esperava atento a sua vista à frente, sem olhar para os lados. E como sempre, eu me escondia. Ele voltava às 17h14min, retornando a sua casa, mas só às 17h23min ele tomava seu café da tarde.  Posso até parecer louco cronometrando cada instante da vida dele, mas não, eu só sou detalhista, demais, eu acho.

Às 18h58min ele ia para cozinha fazer a janta, sua mãe voltava tarde para casa e ele vivia com ela, sozinhos. Tinha curiosidade para saber o que ele cozinhava, na verdade... O que ele fazia às 15h10min, o que ele via na televisão, na internet, com quem falava no trabalho, na rua, na fila do pão... Enfim. Eu era curioso.

Ele dormia às 22h46min, ao menos, era a hora que a luz de seu quarto era apagada, e assim eu voltava para casa, caminhando naquela noite fria que sempre fazia quando o sol se punha. Não me arrependia de ficar tanto tempo perto de sua casa cronometrando-o e tirando algumas fotos borradas com o zoom miserável de meu celular. Era o que eu melhor fazia fora os desenhos mantinha no meu quarto, abaixo da cama, dentro de um baú velho que eu usava para guardar brinquedos com doze anos de idade. Tudo bem, eu tinha uma vida também, fora viver a vida dele, mas era mais interessante achar que eu era dele, e vice versa. Meus pais voltavam tarde do trabalho também, meu irmão... Bom, eu sempre falava que estava na casa de um amigo, que há três meses eu não o via. E até agora tudo saia muito bem, não poderia parar, não depois de tudo que fazia pra estar perto dele. Mas... Eu sabia que tinha que fazer mais. Um “Oi” talvez. Não... Não! Eu não tinha coragem de chegar com a cara-de-pau e dizer “oi” sabendo que na verdade o que eu queria dizer era “Eu te amo”. Pera... Eu disse mesmo isso? Eu estou o amando. Amando uma pessoa que eu nunca troquei uma palavra. Uma pessoa que nunca tinha visto o enorme sorriso que eu dava quando ele bebia Coca-Cola e arrotava. Enfim, mas era amor.

Domingos, pela manhã, ele acordava, mas não saia de casa. Ligava seu notebook às 09h02min da manhã e ficava nele boa parte do dia. Sabia que ele ficaria naquele domingo o dia todo naquele notebook e então resolvi sair, e comprar alguma coisa pra beber e depois voltar para casa, descansar, fazer alguns desenhos para na segunda-feira acordar tão cedo quanto ele e chegar à escola primeiro que os zeladores e ficar no portão sentado desenhando.

Havia uma padaria perto da casa dele, a padaria que ele ia como havia comentado. E foi nela que comprei algo pra beber. Abria latinha de qualquer-coisa-que-seja e bebi. Enquanto eu voltava para perto da casa dele, passei pela outra rua, pronto para virar a esquina e dar uma boa caminhada de cinco ruas para chegar em casa, mas foi nessa esquina que tudo mudou. Mudou pra gelado: alguém havia esbarrado em mim e todo meu refrigerante de seja-lá-o-que-for caiu sobre minha camisa, que por sinal era nova.

- Desculpe-me.

Uma mão tentava me limpar, sem resultado aparente, claro. Enquanto eu olhava pro meu refrigerante ser cruelmente derramado ao chão percebi que conhecia aquela mão que tanto se movia na minha camisa. Num olhar rápido vi aquele seus olhos preocupados e sua boca entreaberta deixando sua respiração bucal aparentemente pausar sobre minha face desmerecida de teu hálito dos deuses. Sim, era ele. E por algum impulso desnecessário, involuntário e estúpido eu o empurrei.

Nota: “Por que será que nos momentos mais felizes são os momentos que mais fazemos coisas idiotas?”.

Bom... Ele parecia não entender bem o que eu tinha feito. Mas eu tinha que fazer, agora minha consciência tinha voltado ao normal. Meu coração estava tão acelerado que se eu o permitisse me limpar, ou seja lá o que fizesse com sua mão atirada sobre meu peitoral, ele perceberia, e definitivamente isso não seria um comportamento muito lá aceitável entre dois rapazes.

- Por que você fez isso? – Ele tinha me perguntado.

Sabia que ele perguntaria, qualquer pessoa em sã consciência perguntaria.

- Eu... Vejamos. Você jogou meu refrigerante no chão. – Que raios eram aquilo que eu tinha dito?!

- Ei cara, foi mal.

Foi péssimo! Não você ter derrubado, meu anjo celeste, mas sim o que eu tinha dito. Eu fiquei extasiado com a grande merda que eu tinha dito. Ele estava me ajudando! Não, na verdade, o universo estava conspirando ao meu favor, pela primeira vez em três meses o seguindo ele tocava em mim, pela primeira vez em três meses eu pude ter a chance de dizer algo a ele e disse que ele tinha derrubado meu refrigerante? Quanto custava aquilo? R$: 3,00? Bem mais barato do que meus planos de contratar alguém pra sequestrar ele no dia em que eu fizesse vinte e um anos e fugiríamos pra fora do país. Bom, isso tinha sido um mero devaneio de minha mente.

Então eu abaixei meu rosto e pus as mãos na cara, dizendo:

-Tchufdo bvem.

- O que? – Ele insistiu.

- Tudo bem. – Ergui meu rosto mais corado do que o normal.

Ele ficou um longo segundo me encarando, e eu comecei a transpirar nas mãos sem saber o que

dizer, depois do caos que eu havia cometido internamente em mim.

- É você.

- E-e-eu o que? – Era normal essa gaguejada clássica.

- Quem me segue há quatro semanas.

- Três meses.

“CALA BOCA, LUCAS!” era o que eu pensava bem alto dentro de minha cabeça, enquanto minha mão havia sido trancafiada em minha boca para que nada mais saísse. Eu agora, oficialmente, tinha cometido o segundo erro da do Manual “Como conquistar alguém sem ser idiota”. E ele não parava de me olhar, encarar, o que passava sobre sua cabeça? Por que nessas horas não adquirimos superpoderes como ler a mente das pessoas para saber o quão idiota elas nos acham?

- Três meses é muito.

Eu sei que é, e por isso preferi me manter quieto.

- Você gosta de mim ou é um psicopata?

Admito que ele fez uma cara tão bonitinha ao perguntar, pois sua testa franziu quando ele teve a dúvida, mesmo que embora parecesse brincadeira. Ou era sério? Preferi me esquivar dele e tentar uma saída de mestre retomando meu caminho de volta para casa.

- Ei... Posso saber seu nome, ao menos?

“Continue caminhando, continue caminhando” era o que eu pensava seguidas vezes. Para que ele queria saber meu nome? E tornar a vergonha melhor divulgada?

- Não vai nem me chamar para sair?

Pera... Como? Ele estava indiretamente me pedindo diretamente para chamá-lo para sair? Isso realmente foi como o sonho que tive na segunda noite do primeiro mês.  Tive que me virar um pouco para saber se era ele mesmo que tinha dito aquilo. E sim, era ele, ainda com os pés sobre o refrigerante derramado e com a mesma cara bonitinha de antes. Aproximei-me.

- Passou três meses me observando e não vai me chamar pra sair?

- Mas... Eu achei que isso só aconteceria em meus sonhos.

- Bom, estamos fora de seus sonhos agora. – Era tudo o que eu queria ouvir naquele momento.

- Mas... Você sairia comigo?

- Você tentou pedir?

Ele tinha o sorriso mais singelo, bonito, sincero e iluminado que eu tinha visto. Quem imaginaria que depois de um banho de refrigerante meu sonho se realizaria? E quem imaginaria que ele aceitaria ir comigo todos os dias depois de seu trabalho até a loja de CDs que tinha próxima dali apenas para ouvir algumas faixas dos CDs de lançamento e nunca os comprar? E mais, quem imaginaria que depois desse encontro todas as horas que eu ficava curioso para saber o que ele fazia, agora, eram preenchidas comigo? Bom, acredite, isso é real.


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Notas finais do capítulo

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