De Volta Ao Primeiro Amor escrita por Letícia Lima


Capítulo 1
Capítulo 1




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Acordei num sopetão, respirando de forma tão intensa como se me faltasse o ar. Com os dedos trêmulos, toquei a fronte e percebi que suava frio mas não conseguia entender o porquê de estar agindo daquela forma. Afastei de minha testa os fios de cabelo colados à ela pelo suor e respirei fundo uma, duas, três vezes tentando me recompor e juntamente com a brisa leve da manhã que entrava por minha janela entreaberta, eu me senti melhor. Fiquei por ali desfrutando do momento com um leve sorriso no rosto até que algo começou a me incomodar e o mesmo se desfez em uma fração de segundo. Eu não sabia o que era mas ainda assim tentei lembrar - costumava sentir isso quando tinha algo importante a fazer mas por um momento esquecia -.

O que tenho de importante para fazer hoje? Será que seria procurar o telefone do médico, que papai havia perdido e ligar para marcar uma consulta pra mim? Se for isso prefiro esquecer de propósito. Papai é muito exagerado, só porque tenho vertigens de vez em quando ele acha que devo me preocupar. Quem nunca teve uma vertigem? É a coisa mais normal do mundo, não dou a mínima pra isso.

Deixei-me esquecer um pouco o sentimento de preocupação e passei, rapidamente, os olhos por todo o quarto quando algo chamou minha atenção e me tirou do transe: minha mochila. Pronto, era isso! Hoje voltavam as aulas e eu havia esquecido; pior, estava atrasada logo no primeiro dia e o sr. Heathcliff não ia gostar nem um pouco disso. Sem hesitar, levantei-me e fui correndo de encontro ao objeto jogado ao lado da cômoda, catando tudo de que eu precisava pelo caminho e enfiando dentro dele. Maldita hora em que percebo que meu pai tem razão quando me diz para deixar as coisas arrumadas um dia antes da escola - pensei.

Ao terminar de arrumar a mochila, corri até meu armário, peguei todas as peças de roupa que achei cabíveis para a ocasião e num só movimento joguei-as em cima da cama, provocando a maior bagunça. Me virei para olhar o que tinha acabado de fazer e por alguns segundos esqueci que estava atrasada e só consegui pensar que teria de arrumar aquilo quando voltasse ou até mesmo antes, o que me fez soltar um suspiro profundo e cansado. No momento exato meu pai entrou no quarto e quando viu a bagunça que eu fizera, me olhou com uma expressão confusa e não irada como eu esperava. Ele ficou me olhando e contorcendo a boca em bicos até que desviei o olhar para a bagunça à minha frente na tentativa de encontrar, rapidamente, algo pouco chamativo para vestir, e então ele quebrou o silêncio.

- Bom dia, papai! Como o senhor dormiu esta noite? Bem? Ah que legal, fico super feliz em saber disso! Tem o que pra comer? Que tal trazer um café na cama pra mim, como o senhor fazia quando eu era pequena? Ah... Tenho tanta saudade disso! - disse ele dando pulinhos e encenando um entusiasmo.

- Bom dia - respondi friamente.

- Vejo que teve uma ótima noite, pra variar - disse ele com o mesmo sarcasmo nítido de sempre.

- O que esperava? Que eu dormisse com um sorriso no rosto e acordasse com um maior ainda, sabendo que no outro dia teria de ir pra escola? - disse já um tanto irritada com ele. Irritar-me fácil com qualquer coisa e principalmente com meu pai era algo que eu sabia fazer e muito bem.

- Acho que sim - respondeu numa perplexidade fingida.

- Desculpe se te desapontei - ironizei com um sorriso falso e logo voltei a procurar algo para vestir.

Ele bufou e me dirigiu a palavra novamente - Já que odeia tanto assim a escola, por que a pressa? - perguntou apontando para a cama bagunçada.

- Se não percebeu, estou atrasada - respondi pausadamente, evitando explodir.

- Atrasada? Por acaso olhou no relógio para ver que horas são? - perguntou. Os cantos de sua boca estavam levemente repuxados, o que denunciou que ele estava contendo o riso.

Olhei rapidamente para o relógio pousado acima da cabiceira de minha cama mas logo me dei conta de que não estava funcionando e corri para a gaveta à procura do meu celular. Assim que o encontrei vi que ainda faltavam 2h pro horário das aulas e me senti estúpida por ter me afobado para nada. Por que eu não olhei a hora assim que acordei? Por que não me dei conta de que se eu estivesse mesmo atrasada, meu pai teria ido me acordar? Ele não admitia que eu faltasse sem haverem motivos, muito menos se o motivo fosse atraso. E por que eu acordei tão ofegante daquele jeito? Será que eu tive pesadelo? Mas não consigo me lembrar...

De repente veio em minha mente fragmentos de um sonho, e então me dei conta de que havia sonhado com minha mãe, minha querida mãe, da qual sentia tanta falta e me abandonara há 3 anos. Absorta em lembranças, senti meus olhos queimarem mas antes que deixasse as lágrimas rolarem, lembrei que meu pai continuava parado na porta me encarando e contendo o riso. Para que não percebesse que havia algo de errado comigo - ainda com a cabeça baixa -, mudei minha expressão dolorida por uma completamente estranha que nem eu mesma conseguia decifrar. Levantei a cabeça, hesitante, temendo falhar em minha tentativa mas assim que ele me fitou, caiu na gargalhada me fazendo bufar. 

- Tá, foi engraçado, agora chega. - falei de mau humor.

Ele riu tanto que lágrimas desciam por seu rosto e quando finalmente se conteve, desculpou-se.

- Sinto muito, tentei segurar mas assim que vi a cara que você fez, não consegui - riu mais um pouco e então respirou fundo e parou.

- Tudo bem - menti - Agora se me der licença, preciso arrumar essa bagunça.

- Licença concedida, minha senhora - disse curvando-se diante de mim num tom de brincadeira - E não esqueça de olhar no relógio da próxima vez.

Revirei os olhos e fui até a porta para fechá-la assim que meu pai saiu do quarto. Finalmente - pensei. Fiquei parada na porta, segurando a maçaneta e observando-o descer as escadas para me certificar de que estaria sem ninguém por perto e totalmente livre para voltar a lembrar do sonho e chorar o tempo que precisasse. Antes que eu fechasse a porta, papai gritou lá de baixo para que eu descesse e tomasse o café que ele havia preparado, mas não obteve resposta. Confesso que eu estava morrendo de fome mas não estava em condições de descer e encarar meu pai depois de lembrar do sonho que tive, eu só queria ficar sozinha e chorar até aquela dor que se formara no meu peito passar.

Finalmente fechei a porta e corri para a cama, mas antes que me deitasse e deixasse as lágrimas jorrarem, percebi que não podia chorar ali pois meu pai notaria minha demora a descer e subiria novamente para ver o que estava acontecendo. Me vestir e ficar por ali até dar o horário de ir para a escola também não podia, precisava chorar e colocar toda a angústia pra fora, ou desabafaria da forma que meu pai mais temia; por mais que fosse a minha vontade, não seria justo com ele. Com isso, resolvi então me vestir e sair mais cedo de casa, papai ia achar estranho mas eu inventaria alguma coisa. Vasculhei minha cama e apanhei um jeans azul-escuro quase preto, uma camiseta branca meio velha mas que eu adorava e um suéter listrado cinza e preto que vovó havia feito quando mamãe ainda estava grávida de mim.

Tirei o pijama, vesti a roupa que peguei e fui até o espelho cuidar de meu cabelo. Não estava lá com muita paciência de pensar em algo então apenas puxei-o para cima e prendi num rabo de cavalo alto, deixando os fios loiros caírem em longos cachos por minhas costas. Calçei o tênis, coloquei a mochila nas costas, enfiei o celular no bolso do suéter e antes de descer, me virei para as roupas jogadas em cima da cama desejando guardá-las mas não havia tempo para isso, e então desci.

Passei pela cozinha onde meu pai estava sentado à mesa tomando seu café e sem o dirigir nenhuma palavra, fui à porta de entrada rezando para que ele não perguntasse aonde eu iria àquela hora. Parecia que ele tinha lido meus pensamentos pois me chamou antes que eu a abrisse para sair.

- Catherine? - chamou.

Droga.

- O que? - respondi cerrando os pulsos.

- Vai sair essa hora por quê? - apoiou o cotovelo na mesa e o queixo na mão e ficou me encarando.

- Vou passar na casa da Bells e ir para a escola com ela, algum problema? - respondi entredentes.

- Acha mesmo que ela vai estar acordada à essa hora? - perguntou com uma sobrancelha levantada.

- Se não estiver, eu a acordo - rebati.

Hesitou e por fim se rendeu - Tudo bem - disse depois de um longo suspiro - Mas antes sente-se e coma alguma coisa, não vou deixar que saia de barriga vazia.

- Não estou com fome - menti.

- Não interessa, coma - ordenou.

Respirei alto para que ele percebesse que estava furiosa, fui até a mesa e peguei um bolinho torcendo para que fosse suficiente, e mesmo que não fosse, eu não daria a mínima. Ao menos aquilo parecia estar ao meu favor pois ele não disse nada quando o dei as costas e saí. Aproveitei para sumir de vista antes que ele mudasse de ideia e viesse atrás de mim, e corri direto para a pracinha que ficava próxima a minha casa. Cheguei com as pernas trêmulas e me apressei a sentar-me num banco que ficava em frente à um bar ainda fechado; não estava me sentindo bem e assim que sentei tive uma vertigem demorada e forte.

Por que isso agora? Eu comi... Bom, comi só um bolinho que não ajuda muita coisa mas ainda assim comi então seja o que for, já vai passar.

Fiquei imóvel e com os olhos fechados até o mal-estar passar e quando finalmente passou, dei lugar em minha mente às lembranças do sonho daquela noite e de minha infância ao lado de minha mãe e então, desatei a chorar. Chorei convulsivamente como uma criança mimada quando não tem os caprichos atendidos, porém em silêncio, evitando chamar a atenção de algumas pessoas que já transitavam por ali àquela hora da manhã.

Eu não costumava sonhar sempre com mamãe, por isso quando sonhava agia dessa forma, como se um grande buraco fosse aberto em meu peito e nunca iria se fechar. Penso que estou superando sua perda até sonhar com ela novamente, e eu só desejo que isso acabe... Não sei como mas quero. 

Estava para colocar meu rosto entre as pernas e chorar mais um pouco quando uma mão grande e forte tocou levemente meu ombro e me fez estremecer. Virei-me para ver quem tinha o feito e me deparei com um rapaz alto, de cabelos castanho-claros meio bagunçados, pele clara, olhos verdes e ombros largos; olhar para ele fazia eu me sentir estranhamente insignificante.

- Tá tudo bem, moça? - perguntou-me cautelosamente como se estivesse com medo de estar se intrometendo demais.

- S-Sim - gaguejei enquanto limpava, com pressa, as lágrimas.

- Tem certeza? - duvidou e dava para ver em seus olhos que estava realmente preocupado.

- Não - admiti com a voz falha e então tornei a chorar novamente.

Afundei o rosto em minhas mãos sem conseguir controlar as lágrimas que desciam por minhas bochechas e comecei a soluçar, deixando-o mais preocupado ainda. Num reflexo imediato ele se sentou ao meu lado e passou o braço por minhas costas, permitindo-se acariciar meu braço esquerdo, delicadamente, numa forma de consolo. Só então caí na real e me dei conta de que um estranho me abraçava e ele nem sabia meu nome.

- Ei! O que pensa que está fazendo? - perguntei enquanto me afastava dele.

- Tudo bem... Não fique com medo, não sou um maníaco sexual se aproveitando da situação - tentou me acalmar abrindo um sorriso torto tão estonteante que por um momento me esqueci de como respirava. No entanto, não deixei que ele percebesse como aquele sorriso me afetara e decidi pôr fim a conversa antes que eu aquilo fosse longe demais.

- Eu preciso ir - disse pegando minha mochila e o dando as costas quando ele segurou meu braço. 

Meu coração bateu mais forte mas não de felicidade e sim, de tensão. Encarei-o perplexa e meu medo ficou nítido.

- Ei, não vou te fazer mal, só quero saber seu nome - disse numa voz suave achando que teria alguma vantagem sobre mim. Fiz força para me soltar e então ele me segurou mais forte.

- Por favor... - implorou.

Seus olhos verdes penetraram os meus e um arrepio percorreu todo o meu corpo me fazendo estremecer mais uma vez, porém insisti em não deixar que ele me afetasse.

- Isabella, me chamo Isabella - menti. Costumava ser inconsequente mas não chegava ao ponto de sair dizendo meu nome pra estranhos.

Por fim, coloquei a mochila nas costas e segui para a casa de Bella, deixando para trás ele, do qual eu não sabia nada sobre mas ansiava saber. E isso não era bom, nada bom.


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