1975 escrita por dieKholer


Capítulo 1
Oneshot


Notas iniciais do capítulo

Luciano - BR
Miguel - PT
Meu PT/PT é ruim, sintam-se a vontade para corrigí-lo! e_e



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Seu corpo parecia estar mais pesado que o habitual. As feridas ardiam, tornar-se-iam novas cicatrizes que adornariam sua pele junto às antigas. Estava com fome, mas temia desmaiar ao tentar ir atrás de algo para comer.

Escorava-se no muro antigo, que sustentava um Forte de quase quinhentos anos. Ah, como esses tempos foram bons! As Grandes Navegações, o Novo Mundo, o cheiro revigorante do mar, o luxo e a ganância de um país aventureiro, sem medo dos terríveis monstros marinhos que habitavam nos pesadelos dos marinheiros.

Onde está tudo isso agora?

Sentou-se numa pedra e pôs-se a admirar o mar.

Ouvia o lamento de uma gaivota distante. Os últimos raios de sol daquele dia tingindo o céu de laranja e rosa coral. A maré subindo e as impetuosas ondas afrontando as pedras do Forte, pareciam querer dizer que, mais dia ou menos dia, conseguiriam esmigalhá-las levando toda a construção junto. Quem sabe um dia conseguiriam?

Rasgou a manga da camisa -que já estava um trapo- para comprimir contra os ferimentos mais latejantes. Gemia baixinho, fechando os olhos com força e mordendo o lábio inferior.

Primeiro o Brasil e agora suas colônias africanas. Todos lhe abandonaram. Macau estava distante demais e andava mais na companhia do chinês do que na sua. Sabia que não demoraria muito para que o perdesse por completo também.

Estava só.

Talvez o pior de tudo nem fosse esse abandono e sim como ele ocorreu. Gastara dinheiro demais para que isso não acontecesse. Machucou e foi machucado. Deixou aquele pedaço de terra árido devastado e manchado de sangue.

Seria duro demais voltar para casa e não ter ninguém lhe esperando. O brasileiro com seu café e a angolana com seus bolos e biscoitos. Sentiria falta daquele falatório infernal, das discussões, dos almoços e lanches que faziam juntos... família. Era disso que sentiria falta, já que não tinha boas relações com aquele que de fato era parte de sua família, seu vizinho e irmão Espanha.

Doía demais.

Talvez aguardasse até o dia seguinte e passasse a noite e a madrugada filosofando sobre suas ex-colônias , mas a fome e o cansaço logo iriam dominá-lo e iria cair ali mesmo, na areia grossa. Podia esperar que alguém viesse lhe ajudar, mas duvidava muito que isso acontecesse. Se fosse há alguns séculos atrás,bastava estalar os dedos e a ajuda viria...

-Miguel?

Franziu a testa, assimilando de imediato quem era o dono da voz, mas se recusando a acreditar. Girou seu pescoço apenas para confirmar, seus lábios se entreabriram.

-Luciano... você...

Olhava-o de cima a baixo, um tanto consternado. Os cabelos castanhos perfeitamente alinhados sob o quepe da mesma cor que o resto da farda militar impecável, cáqui escuro com detalhes dourados.

-... ah, sim, claro... a Ditadura. –deu um meio sorriso triste.

-Até que está esperto... – sorriu, retirando o quepe. Só então Portugal reparou na sacola de papel que trazia ao colo.

Aproximou-se da pedra e o português afastou-se para dar espaço ao brasileiro que logo se sentou, apoiando a sacola nas pernas.

-Como foi?

-Você sabe. Horrível.

-Mas você sabia que mais dia ou menos dia isso iria acontecer.

-Mas não agora. Não desse jeito.

Luciano suspirou ligeiramente irritado.

-Qual é? Em pleno século vinte você vai querer ser sustentado por colônias? Você acha que elas gostavam do monopólio comercial? Das ordens que não podiam ser questionadas? Da porcaria dos impostos que tinham que pagar? – havia mais o que indagar, no entanto notou seu tom de voz elevando e parou. Não era uma boa hora para isso.

Os olhos azuis encontraram os verdes. Portugal sabia que Luciano na verdade estava expressando seus próprios sentimentos naquelas sequencia perguntas enfurecidas. Sabia, pois notava um tom de mágoa nelas.

Ele nunca havia lhe pedido desculpas.

Ficaram em silêncio por alguns minutos que parecera uma eternidade para ambos.

-Você parece um cachorro moribundo. – disse, rindo de leve, acrescentando um tom de deboche na voz meio que sem querer.

-Obrigado. – respondeu secamente.

-Me deixa cuidar de você, anda... – abriu a sacola e retirou algumas bandagens, um vidrinho com líquido transparente e esparadrapo.

Franziu o cenho, sem entender muito bem a situação. Há poucos minutos estava irritado e agora queria cuidar dele?

Permaneceu em silêncio. Esticou um dos braços feridos e o latinoamericano iniciou seu trabalho.

-Como está...bem... a sua Ditadura?

-Um porre. Tenho que acordar e dormir cedo. Não posso frequentar mais às rodas de samba, tenho que ir a um monte de festas de gente que nem sei o nome... pelo menos Alfred está me ajudando.

O nome da ex-colônia de Arthur fez Miguel erguer a cabeça, em alerta. Nunca fora uma boa influência para Luciano, foi ele quem o inspirou a proclamar a sua Independência, com seus ideais subversivos. Francis, Alfred... um bando de corjas.

-Ele está te ajudando, é?

-Sim, está investindo no meu país. Muita gente tem eletrodomésticos agora e-

-Quando fiz Arthur investir na sua gente você reclamou. E ele não investia em futilidades e sim em trabalho de verdade. – disse secamente, estreitando o olhar.

Luciano interrompeu o que fazia. Mesmo naquela situação Miguel não perdia a oportunidade de lhe criticar. Sempre punha defeitos em suas decisões, nas suas companhias...

-Oh, é claro. Até porque você estava com o rabo preso com o viciado em chá e deixava-o fazer o que bem entender comigo.

-Você nunca vai entender o que eu fiz para-

-Nunca vou e nem quero. Às vezes é bom ser ignorante, sabe?

-Deus, esses militares fizeram o que com você? Deram-te uns choques? Implantaram algum dispositivo eletrônico no teu cérebro? EI, CUIDADO, ISSO DÓI! – gemeu alto, já que Luciano derramara o líquido sem dó nem piedade sobre o ferimento em sua mão.

-D-Desculpe... apenas pare de me amolar. – disse baixinho, constrangido por ter causado mais dor ao lusitano. – E o assunto aqui não é a minha Ditadura ou Alfred... e sim a Independência das suas últimas ex-colônias.

Fez sinal para que Miguel retirasse a camisa e este o fez sem dizer nada.

Luciano espantou-se com a quantidade e a intensidade dos ferimentos, mas não disse nada. Apenas comprimia com cuidado o pano esterilizado e úmido contra os machucados das costas. Sabia que iriam se tornar cicatrizes e que carregariam uma história dolorosa e triste, como todas as outras.

-Ainda tenho Macau. – sorriu, encarando o brasileiro por cima do ombro.

-Ele é mais de Yao do que teu.

-Fica sempre irritado quando falo de Macau... tem algo contra ele?

-Ele nunca foi útil para você.

Portugal riu, deixando Luciano se sentindo idiota, sem saber o motivo da risada. Girou seu corpo devagar, ficando de frente com o brasileiro.

-Tem tanto ciúmes dele assim?

-P-Porque eu teria ciúmes dele? Tem um território pequeno demais! Ora, até parece...

Miguel decidiu não continuar provocando Luciano. Gostava do contato que mantinham mesmo depois de separados. Tratavam-se bem, trocavam cartas e telefonemas, isso quando não visitavam a casa um do outro. Seria ruim se brigassem por um motivo tão tolo.

Aceitava o ciúmes do brasileiro de forma positiva. Significava que Luciano sentia ainda algo por ele que não fosse raiva ou mágoa de ex-colônia.

-Ora, pois, não tem problema... você é especial e único Luciano..

Ergueu o olhar, com um sorriso tímido.

-...assim como todas as outras colônias.

Se ele não estivesse tão machucado, teria lhe dado um tapa na testa.

-Enfim... – prosseguiu, com um tom seco. – Vai ter que aprender a conviver sem eles.

Agora cuidava do tórax que estava menos machucado, mas mesmos pequenos, aqueles cortes deveriam incomodar bastante.

-Eu... eu posso lidar com isso. – murmurou.

O português sorriu. Mas não era um sorriso sincero. Havia acabado de sair de sua própria Ditadura e estava praticamente falido, demoraria demais para se recompor e se questionava se conseguiria.

-Sabes... – olhava para o brasileiro, agachado diante de si. -... essa farda não lhe cai bem.

Luciano levantou-se, olhando, tentando procurar algum defeito, quem sabe um amassado ou até mesmo uma mancha! Ele deveria estar impecável!Tinha uma reunião dali a algumas horas e não teria tempo para se trocar.

-O-o que há de errado nela? – perguntou inquieto, examinando agora as mangas. – Foi lavada hoje mesmo!

O europeu riu, colocando sua mão sobre o ombro do brasileiro, com o polegar passeando pela curva do pescoço. Se fosse há alguns séculos atrás, bagunçaria seus cabelos, somente para deixá-lo mais confuso e sem graça.

-Não há nada de errado com a farda, Luci. O problema é você.

-Eu?! O que fiz dessa vez? – arregalou os olhos verdes, o rosto queimando de vergonha.

-Não serves para esse tipo de coisa. – levantou-se, suprindo um gemido de dor. Não queria parecer tão ruim, embora fosse quase impossível ocultar sua fraqueza. – Não és um cão para ficar a mercê de militares, Luciano. Não podes ser disciplinado como um soldado. Tens suas idéias e, por mais preguiçoso que sejas, consegue trazê-las a realidade... seus ideais de liberdade falam mais alto do que o desejo de meia dúzia de generais...

-Port...

-... sei disso porque te criei. Conheço-te desde que era um índio que adorava nadar em rios e estava sempre a causar dores de cabeça para mim. Assisti a seus atos de rebeldia e por mais que te punisse, sabia que cedo ou tarde conseguiria obter aquilo por que tanto lutava. Portanto, se eu não consegui manter você sob meus domínios, não vai ser um bando de homens fardados que irá fazê-lo, não é mesmo?

O mais novo manteve-se estático, de frente para o mais velho. Todas aquelas palavras proferidas de modo tão natural, que pareciam quererem serem ditas há muito tempo. Portugal era uma pessoa fechada, não gostava de expressar seus sentimentos, totalmente diferente de todas suas colônias, mas quando o fazia era porque necessitava, não podia mais guardar aquilo para si.

-Ei, Luci, tu és mais do que achas que é. – Levou a mão até os cabelos negros bem penteados, deslizando os dedos até a nuca, sentindo a textura dos fios e da pele... quente. A pele de Luciano era tão quente que parecia que ele estava sempre com febre.

-Mi-Miguel! – O brasileiro assustou-se com os dedos frios tocando-lhe. Não estava acostumado com tais gestos de carinho por parte do europeu, ele não era uma pedra de gelo, mas tentava conter qualquer gesto que denunciasse suas emoções.

Portugal imediatamente interrompeu o contato com o mais novo, dando um passo para trás, amaldiçoando-se silenciosamente pelo seu gesto infantil.

-Não era isso que eu queria... argh, você é ...– Luciano tomou a mão do mais velho e levou-a até seu rosto, puxando o português para si.-... você é difícil de lidar. – bufou, enquanto aninhava seu rosto na palma da mão do outro.

O colonizador procurou algo para dizer, mas nada encontrou. Aproximou-se um pouco, sentindo a pele macia roçando na palma de sua mão.

-V-você tem que prometer uma coisa... – disse,abrindo os olhos, tomando a mão do maior com as suas.

-Não estou muito em condições de manter promessas, mas-

-Promete que não importa o que aconteça, você vai sempre sobreviver... nunca vai deixar de existir.

-L-Luci, não posso prometer-

- Nenhuma crise, nenhuma guerra... nada vai fazer você perecer. Apenas prometa!

Portugal engoliu em seco. Não podia manter uma promessa dessas, mas também não podia negá-la a sua ex-colônia. Abraçou-o então, como uma resposta. Um sim e não, um talvez... . Chegara a se sentir melhor quando seu corpo entrou em contato com o do mais novo, queria tê-lo para si novamente e...

-M-Melhor eu ir para casa... – afastou a idéia de sua mente.

-Mas...

-E n-não me faça esse olhar!

Luciano suspirou tristemente. Se pudesse, ficaria com ele até que todas suas feridas se fechassem e não estivesse mais sentindo dor. Era ele quem fazia esse serviço quando, ainda colônia, Miguel voltava para casa machucado devido a uma briga com o Espanha ou Francis. Era ele quem providenciava seu banho com ervas que auxiliavam a cicatrização, ele que o ajudava a se deitar sem desfazer os curativos para dormir.

Por mais que sua independência houvesse sido proclamada há quase um século, sentia-se dependente de Miguel. Dependente de sua atenção.

-Miguel...

-Sim?

-Eu te amo.

Miguel sentiu seu coração parecer parar de bater por uns instantes. Ficou estático, sem poder reagir com palavras ou ações. Percebia o tom avermelhado no rosto de Luciano, se as orbes verdes fixas nas pedras negras.

O brasileiro mordia os lábios, arrependendo-se de ter confessado tal coisa. Queria sumir dali, quem sabe até deixar de existir. Ele nunca entenderia...

-E-eu também te amo, miúdo.

O sorriso mais sincero brotou dos lábios do brasileiro, aliviado pelas palavras do europeu. Abraçou-o novamente, desta vez mais apertado e demorado.

Se o mundo acabasse agora, Luciano não se importaria nenhum pouco. Nem Miguel.

Era um amor puro, não de pai e filho e nem de amantes, era bem superior a esses dois. Único. Verdadeiro.

Não queria ir embora. Não agora. Queria rasgar aquela farda, mandar aqueles militares para o inferno e fazer o que bem entender. Mas a vida não era assim, principalmente para um país.

A despedida foi breve, Luciano prometendo de que no final de semana apareceria para cozinhar para ele e Miguel rindo, dizendo que não tinha pagado a taxa contra incêndio de sua casa, o brasileiro retrucando de que não era Arthur e, por fim, risadas de ambos.

O amor não é fácil de se achar, muito menos de se compreender. É algo que corrói e constrói ao mesmo tempo. Um enigma ainda indecifrado.


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Notas finais do capítulo

Espero ter agradado. PTBR é um dos pairings que mais amo e não possui tantos "adeptos", por isso mesmo que gosto de escrever sobre eles e quase tenho um troço quando alguém posta uma fanfic deles.
Até a próxima~