"-Não neva mais... O que houve?"

Um sorriso se desenhou em meus lábiosapenas pela possibilidade de ela pensar no motivo da neve ter parado de cair sobre aquela pequena cidade. Ah, Kim... Será que você está bem?

Muito tempo se passou desde a última vez que a vi. Era uma jovem tão cheia de vida, tão doce... Os cabelos dourados e longos emolduravam o rosto tão delicado e bonito, e aqueles olhos amendoados que teimavam em mostrar um carinho que eu não merecia. 

Eu a machuquei. 

Nunca soube lidar com essas... Essas lâminas em lugar de meus dedos. Sempre machuquei aqueles com quem eu mais me importava. Ainda não sei o que é poder tocar a pele da pessoa amada, ou ainda, acariciá-la. Ao tentar fazer isso, eu apenas causo cortes e sangramentos.

Inclusive em Kim.

Porém, ela não se importou. Seus lábios avermelhados disseram as palavras que me fizeram sentir vivo, vivo como nunca havia sentido antes.

"Eu te amo".

Seus lábios tocaram os meus tão gentilmente que quase esqueci o que eu era. Que não, eu não podia passar o resto de meus dias com ela – por mais que quisesse. Ela aconchegou a cabeça em meu peito, e naquele momento, desejei com todas as forças do mundo poder dizer que também a amava.

Talvez, o tempo que passei isolado de tudo e todos seja o culpado por eu ter esquecido como dizer as palavras certas à pessoa certa.

Tomei a decisão a qual pensei que fosse o melhor para ela. O “adeus” foi dolorido na hora. Um pesar, uma angústia tão grande em meu coração que senti que não iria aguentar.

Ao voltar para minha mansão, me deparei com as belas flores e esculturas que eu havia feito nos arbustos. Sentia-me livre quando fazia algo assim. Porém, ao entrar, não pude deixar de notar os inúmeros arranhões na parede feitos por mim. Era assim que eu fazia a solidão e a frustração irem embora – mesmo que sempre voltassem.

“Ed?”

-O que? – Exclamei no silêncio.

Eu podia jurar que ouvira a doce voz de Kim me chamando tão carinhosamente como sempre.

Senti uma onda de excitação percorrer meu corpo. Eu iria vê-la novamente! Depois de tanto tempo... Como será que ela estava? Mais madura, mais velha? Mais do que nunca desejei ter mãos para poder tocá-la, fazê-la sentir o que eu sentira quando seus dedos acariciaram meu rosto cheio de cicatrizes com tanta gentileza.

Desci as escadas numa pressa que minhas pernas mal acompanhavam. As lâminas se prendiam na madeira dos corredores aqui e ali, mas não tinha problema. O que importava era que eu iria ver a pessoa que mais amei em minha vida.

Ao chegar ao primeiro andar, olhei rapidamente pela janela. O tempo estava nublado e cinzento, com pequenos flocos de neve caindo. Kim deveria estar com frio. Se eu apenas fosse rápido e abrisse, ela poderia entrar. Eu não podia pensar em estar junto dela para aquecê-la, mas conseguiria algo que não a machucasse.

Arrastei a pesada porta de madeira. O vento gelado me cumprimentou, com a neve tocando meu rosto.

Não havia nada ali além da espessa camada de neve que cobria os jardins.

Um suspiro escapou de meus lábios.

Meu criador foi tão cuidadoso ao me fazer que me deu até a característica traiçoeira que é a ruína dos homens: o coração. Fui enganado mais uma vez – e agora, por mim mesmo. Talvez fosse esse meu destino.

Dei um passo para fora, sentindo a neve tocar meu rosto.

Ela dançava na neve com a graça de uma bailarina. Quando a vi nesse momento que era só dela, não fazia diferença que eu só pudesse observar de longe. Ao menos, ela sorria.  Talvez estivesse dançando nesse momento...

No fundo, não esperava vê-la novamente. Mas... Havia algo dentro de mim que faria com que ela ficasse para sempre assim, em minha memória: doce e gentil.

“Eu também te amo.”

Se uma tristeza sem fim nos cercar, vamos nos abraçar e esperar pela manhã

Imagino se, algum dia, poderemos perdoar até a cicatrizes irreparáveis

Com um sorriso que não mudou desde aquele dia