"Venha até mim Alice... Venha e me mostre se consegue enfrentar seu pior pesadelo!"

Senti meu corpo flutuando, as roupas mudando e fiquei surpresa em notar que não estava com o vestido branco que usava antes nem com as minhas mãos ensanguentadas. Agora um vestido totalmente negro estava em meu corpo, suas amarras se enlaçavam perfeitamente pelo pano, o corselete apertado na medida certa parecia mais escuro que o próprio pano preto do vestido, mas era apenas seda... E claro, as malditas botas. Quando aterrizei com Ian notei que ele permanecia com sua forma humana, mas estava sério e calado.

–Ian?

–Apenas vamos.

O vi saindo na minha frente, pude notar com perfeição a destruição que estava tomando conta do meu País das Maravilhas, sentia o cheiro pútrido dos limbos que escorriam de algumas rochas.

–Onde estamos?

–Próximo a Casa Das Bonecas.

–Casa Das Bonecas?

–Sim, mas ainda sim no meio do caminho para o Reino Vermelho e nas Terras Dos Pesadelos.

–Não me lembro dessa tal... Terra Dos Pesadelos.

Vi o parar e me olhar por cima do ombro sorrindo de lado era assustador.

–É relativamente novo, já que... Bem... Antes éramos sonhos, agora somos... Seu maior pesadelo.

–Ora! Mas é claro que não são!

–Acredite... Somos... Eu te conheço melhor que a si própria Alie.

Aquele apelido... Paralisei... Eu conhecia aquele apelido naquele timbre de voz.

–Nathan... - sussurro de olhos arregalados.

Ouço um riso baixo seguido de um abraço apertado e extremamente familiar, o cheiro de mente invade minhas narinas... Não poderia ser... Poderia?

–Ainda se lembra de mim Alie... Que gentil da sua parte.

–Nathan! Por Deus! Você está morto a... A...

–Dez anos? Ora Alice não diga bobagens! Não morri, não vê? Não me sente estou vivo!

Me afasto dos braços e olho diretamente nos olhos de Ian.

–Ian...

–Compreendo que se sente confusa, mas alguém precisava lhe proteger naquele mundo medíocre onde nasceu... Quando completou 7 anos tive que voltar Alice, me descobriram!

–Por... Por que não me contou?

–Porque sou Ian e não Nathan... Não sou humano Alie, acredite em mim foi melhor ter morrido quando pude.

–Eu precisei de você!

–Tinha 7 anos pelos infernos não precisava de mim! Sem tirar que Tristan quase me trancou nas masmorras do Reino Vermelho!

–Por que ele iria te trancar?

Então ele me soltou riu sem humor e acarinhou meu rosto.

–Porque ele sabe como a história acabou das outras vezes.

Sem dizer mais nada voltamos a andar, quando estávamos próximos das Terras Dos Pesadelos senti um cheiro forte e gostoso de chá de amora, senti braços me rodearem e um rosnar nada baixo de quem me abraçava... A sensação de proteção me dominou... Tristan.

–Quantas vezes mais terei que te mandar ficar longe dela Ian? QUANTAS VEZES?

–Não pode me obrigar a isso e sabe muito bem Tristan.

–Não se aproxime dela... Não se aproxime.

Vi o olhar psicótico de Ian fazendo minha espinha gelar, seu sorriso largo e maldoso deixava minhas mãos frias. Nessa hora eu queria o tirar da zona da maldade com todas as minhas forças.

–Não se esqueça de quem a salvou das últimas vezes, de quem aceitou a se submeter a morar por anos naquele lugarzinho fétido e medíocre onde os escravos do Tempo a colocaram... Não se esqueça de quem ela salvou das últimas vezes... Tristan.

Senti os braços do Chapeleiro me apertarem mais contra seu corpo, sentia sua raiva passando entre as veias e contaminando a pele em contato com a minha. E antes de acontecer mais alguma coisa Ian sumiu como fumaça no ar poluído, me deixando a sós com Tristan.

–Não importa o que ele te diga Alice... Por favor, me salve quando for a hora.

–Do que... Diabos vocês estavam falando?

–Apenas me salve quando for a hora minha Rainha...

"Nas noites turbulentas dos pesadelos insanos e sonhos pecaminosos, haviam dois belos e jovens rapazes. Rapazes lindos, mortos e apaixonados. Os cabelos tão distintos, negros e ruivos, olhos verdes esmeralda de ambos, as vestes coloridas e totalmente negras... A moça. Ah! A jovem e adorável moça, de lábios avermelhados, pele macia e alva, cabelos negros e lisos, os olhos marcantes e penetrantes em seu tom esmeraldino assim como o dos dois rapazes e o amor. Ah o amor que os rondavam, mais perpétuo que as pétalas das rosas negras que nasciam no jardim das Bonecas, mais puro e encantador que o céu escuro cheio de estrelas brilhantes que havia ali.

Quem quer que olhasse saberia que o coração da jovem moça pertencia aos dois rapazes ali, amores distintos mas não menos forte ou poderoso, oh não! Isso jamais! Se ele tivesse que escolher apenas um, escolheria a Morte. Ah! A Morte, amiga e companheira da jovem moça, que em todas falhas tentativas a buscava com seus belíssimos e saudáveis 19 anos. A cada vida que a moça retornava ela morria nos braços do jovem rapaz ruivo, mas sempre defendia e salvava o de cabelos negros como os dela.

Foram-se muitas tentativas, nem havia mais alguém para contar, até mesmo os escravos do Tempo que seguiam o Oráculo em seu difícil trabalho pararam de contar. Sempre a mesma história se repetia, a mesma dor e quase sempre as mesmas escolhas... Mas alguém dizia no final do livro que dessa vez seria diferente, mas até mesmo o Tempo e a Morte duvidavam de tal proeza, e a Vida... Bem a Vida aguardava o novo nascer da bela moça e de seu eterno fardo, o fardo de amar ambos e ser retribuída e destruir não apenas a si mesma, como todos aqueles que a amam."

Mil e uma perguntas se faziam em minha mente, o silêncio que estava entre mim e Tristan me incomodava e só parou quando o ouvi dizer um singelo "chegamos", olhei tudo e lá estávamos nós, na casa do Construtor de Pesadelos.

"Não se iluda minha menina, não deixe que o medo lhe traga até mim outra vez. Amo-te, mas não tem mais como salvar-lhe das peças que o Destino resolveu lhe pregar."