Hunters Of The Death escrita por Débora Chase


Capítulo 10
Refugiados


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores!Mais um capítulo disponível, e esse, sem dúvidas, é o maior que escrevi até hoje dessa história. Espero que curtam as aventuras que Luna, Quirina e Hans vivenciaram nesse capítulo.Boa leitura!Comentem também =)



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O choque do reencontro parecia ter ocorrido tanto em mim quanto em Isabela. Ela me analisava com um brilho de incredulidade no olhar, como se fosse inacreditável que eu estivesse viva bem na sua frente. Eu deveria estar com a mesma expressão, embora eu quisesse demonstrar mesmo o quão enojada eu me sentia em sua presença. Na testa de Isabela, um pouco acima da sobrancelha direita, havia uma cicatriz de sutura, consequência de nossa briga.

–- Pensei que o apocalipse havia acabado com você – disse lamentando o fato.

–- Digo o mesmo. – repliquei friamente. – Quem diria que alguém como você ainda poderia estar viva.

Ela deu um riso abafado.

–- Posso dizer apenas que não é só você quem sabe matar zumbis, garota.

–- E como você os mata? Com rímel e lápis de olho? Porque, pelo o que me lembro, essas poderiam ser suas armas, no máximo.

–- Você não mudou nada, ao que parece. – resmungou ela colocando o extintor de fogo no chão. Ergueu o facão na minha direção e começou a andar até nós. Cada palavra que pronunciava correspondia aos seus passos em minha direção.

–- Algumas mudanças são necessárias, você sabe disso.

–- E daí?

–- E daí – Isabela parou a um metro de mim. -- que você poderia usar um pouco de seu cérebro e mudar esse seu jeito de garota metida a valentona que você sempre pensa que é.

Dei de ombros.

–- Esse meu jeito não está me incomodando nem um pouco, sabe? Pelo contrário, me ajudou a sobreviver. Já você, o que pode falar sobre cérebros se nem possui um?

–- Arrogante como sempre, Yumiko. Nem sei por que ainda perco meu tempo dialogando com alguém como você. – ela começou a se virar para nós, mas eu ainda tinha muito que dizer.

–- Arrogante, eu? Tem certeza, Isabela? É necessário que eu mencione tudo o que lhe faz ser a verdadeira arrogante?

Isabela parou e suspirou impaciente.

–- Você ainda se prende ao passado.

–- Não, ao contrário de você, eu não simplesmente ignoro fatos que compõem um passado de alguém que infelizmente fazia questão de me humilhar sempre que podia. Aliás, como está a sua testa? Espero que não tenha doído tanto aquele soco nela quanto deveria doer em seu ego.

Isabela partiu pra cima de mim e preparei o machado, partindo pra cima dela na mesma velocidade. Senti duas mãos envolverem minha cintura e me puxarem para trás e vi Hans passar por mim e segurar o braço de Isabela, tentando imobilizá-la. Ela tentou se livrar do aperto das mãos dele, mas era em vão. Eu escutava Quirina dizer pra mim:

–- Calma, Luna, não vale a pena brigar com alguém como ela.

–- Me solte, imbecil! – Isabela tentava empurrar Hans para longe dela, mas ele a manteve ali.

–- Acalmem-se, vocês duas! Não vai servir de nada mais dois cadáveres aqui nesse shopping, então, por favor, procurem se acalmar. – disse Hans.

Senti Quirina afrouxar o aperto na minha cintura e abaixei o machado, tentando fazer o que Hans pedira. Isabela deu um sorriso de sarcasmo enquanto Hans ainda nos observava.

–- Agora ele é o seu domador, Yumiko? Sempre achei que poderia haver algum ser nesse mundo que poderia controlar você...

–- Ele não é meu domador! – vociferei e Isabela jogou a cabeça pra trás, dando uma gargalhada. Meu sangue fervia em minhas veias e se não fosse por Quirina murmurando “calma, calma”, provavelmente haveria mais um cadáver ali, como Hans dissera.

Ele soltou Isabela e notei que esta deu um olhar demorado para ele antes que Hans dissesse friamente para ela:

–- Luna e eu somos amigos, ninguém controla ninguém aqui, para sua informação.

Isabela soltou um muxoxo.

–- Que seja, bonitão, mas pode ser algo útil para você no futuro...

–- O que você faz aqui? – Hans cortou o assunto dela.

Isabela suspirou e colocou a faca no seu cinto.

–- Como eu havia dito, estou aqui em uma missão. Buscando coisas, sabe?

–- Maquiagens e vestidos? Não vai encontrar nenhum deles em bom estado a essa altura. – resmunguei e Isabela me ignorou.

–- Há mais pessoas com você? – Hans continuou a interrogá-la.

–- Tem, mas por que o interesse? – ela se aproximou dele com um sorriso sedutor nos lábios, mas Hans a distanciou.

–- Não estou perguntando por esse motivo no qual está em sua mente.

–- Uma pena que não seja nesse sentido. Bem, sim, há outro aqui comigo. Aliás...

Isabela tirou um walkie-talk pendurado em seu cinto e apertou um botão.

–- Pássaros fora da gaiola, urubus devem estar por aí, onde você está? – disse.

–- Estou no outro lado do shopping, Isabela, New York City Center, segundo andar. – uma voz masculina respondeu pelo aparelho. –- Vai levar os pássaros consigo ou acha que já temos suficientes?

Ao que parecia, “pássaros” parecia uma forma de código entre eles para significar “pessoas” e percebi minhas hipóteses confirmadas quando Isabela olhou para nós três até que parou em mim.

–- Não se preocupe conosco, estamos indo muito bem sem sua ajuda – respondi secamente ao olhar dela.

–- Quem disse que estou preocupada com você? – retrucou ela.

–- Nossa, de quem é essa voz? – o tom de voz do homem demonstrava interesse.

–- É apenas uma conhecida minha que encontrei por acaso aqui, Felipe, não se empolgue.

Escutei um som de risada do outro lado do aparelho e Felipe respondeu:

–- Ora, muito bem. Traga-a para cá, se quiser.

–- É o que você quer, idiota.

–- Não negarei. Agora, falando sério, melhor você vir logo pra cá, Isabela. Sabe que as coisas podem piorar num piscar de olhos.

–- Estou indo.

Isabela desligou o aparelho no mesmo momento em que ouvimos barulhos vindos do andar de baixo. Todos nós corremos até uma varanda de dentro do shopping e vimos alguns zumbis cambaleando e se contorcendo no primeiro andar. Havia poucos, mas para chegar um bando não era necessário esperar muito tempo, e disso eu, Hans e Quirina sabíamos.

–- Vamos sair daqui. – falei e os dois concordaram. Obviamente, Isabela foi do contra.

–- Não irei a lugar algum com vocês.

–- Quem disse que eu lhe incluí nessa? – rebati.

–- Gente, já chega – Quirina se interveio. – Vamos fazer uma trégua, vocês duas? Se continuarem assim, não colocaremos nenhum plano em prática.

Hans concordou.

–- Vocês não precisam ser melhores amigas...

–- Até porque isso nunca acontecerá – Isabela resmungou.

–-... mas, na situação que estamos passando, as duas terão de cooperar e trabalhar juntas. Não vai dar certo com vocês brigando entre si, sabem disso.

Isabela e eu nos encaramos ao mesmo tempo. Trabalhar juntas, sem brigar, seria algo bem difícil, mas eu estaria disposta a tentar uma trégua se fosse não por ela, mas por Hans e Quirina. A expressão enojada de Isabela se transformou em algo como incredulidade, mas quando ela percebeu o olhar impaciente de Hans, ela suspirou pesadamente e cedeu:

–- Tá, podemos ver se isso funciona, mas não pense que é para sempre, Yumiko.

Erguemos nossas mãos e apertamos cordialmente. Tanto eu quanto Isabela mantínhamos nossas expressões sérias e senti Quirina relaxar ao meu lado. Desde o momento em que eu e Isabela havíamos ameaçado uma a outra, Quirina mantinha-se apreensiva, e aquele aperto de mãos foi um sinal de que agora poderia tudo estar bem. Por enquanto.

Ouvimos sons de vidros se estilhaçando e mais grunhidos vindos do andar de baixo. Os zumbis começavam a tomar conta da entrada principal do shopping e avançavam famintos para o interior. Logo poderiam avançar pelas escadas e chegar até aqui e não poderíamos esperar que isso acontecesse.

–- Não podemos mais perder tempo. – Isabela disse e então todos nós já sabíamos o que fazer.

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A cada passo que dávamos, a luminosidade de dentro do shopping tornava-se cada vez menos evidente. Estava se tornando tudo tão escuro que as lanternas havia se tornado essenciais no trajeto, para evitar que tropeçássemos ou caíssemos sobre objetos cortantes e cacos de vidro, coisas que havia em muita quantidade pelos pisos.




Eu e Isabela íamos à frente, Hans e Quirina caminhavam um pouco atrás de nós. Novamente, os únicos sons que conseguíamos escutar eram os nossos passos por sobre os cacos de vidro e nossas respirações cansadas. Quando cruzávamos o limite entre os dois shoppings, me perguntava se Isabela poderia ter mudado em alguma coisa além da aparência. Jamais imaginaria vê-la usando roupas que não fossem de grife, os cabelos desarrumados e com fios arrepiados em algumas direções, ao contrário de seus antigos cabelos arrumados e perfeitamente alinhados. Aparentemente, ela havia mudado, mas se falando de personalidade, ela parecia ser a mesma ainda. De todas as pessoas do mundo, jamais sonhei que aquela poderia ainda estar viva, e supostamente lutando com zumbis também, ou ainda ajudando pessoas. Situações drásticas realmente poderiam mudar algo nas pessoas, embora em algumas não mudasse por completo. Isabela era esse caso.

Chegamos a uma parte que não era necessária a luz das lanternas, pois a lua cheia conseguia iluminar, não totalmente, mas um pouco melhor do que antes. Olhei para as antigas cafeterias, lanchonetes, para as escadas que davam acesso às bilheterias e me recordava dos momentos em que passara ali com minha família. Momentos felizes que jamais sairiam de minha mente, e que eu esperava que jamais se perdessem em qualquer lugar.

Quando chegamos perto de uma pilastra, notei uma sombra recostada nela. Quando nos aproximamos e Isabela ergueu a lanterna que segurava na direção da sombra, percebi que se tratava de um rapaz. Ele era alto e esguio, seus cabelos louros estavam um pouco desarrumados, pendendo para um dos lados da cabeça. Os olhos eram azuis e quando nos aproximamos o bastante dele, pude ver que os olhos do rapaz emitiam um brilho semelhante ao que havia nos de Isabela, o que já me fez ter um certo receio em conhecê-lo. Usava jeans escuros e rasgados nos joelhos e camiseta preta, e aos seus pés uma mala de viagem, que parecia tão cheia ao ponto de explodir. Nas mãos, ele segurava um crossbow, uma espécie de arco-e-flecha.

–- Finalmente, Isabela. Pensei que tivesse que ir te buscar. – ele disse ironicamente.

Isabela ignorou a última frase dele.

–- Pegou tudo que precisávamos?

–- Mas é claro! Você está falando com Felipe Almeida, minha cara. Já falhei em alguma missão que me deram?

–- Quer que eu enumere ou diga em ordem alfabética?

Felipe deu uma risada.

–- Espirituosa como sempre. – ele virou-se para mim. – Deixe-me adivinhar – ele se aproximou – você é a amiga de Isabela que ela acabou encontrando aqui?

–- Conhecida – sibilou Isabela.

Felipe pegou minha mão esquerda e disse:

–- Meu nome é Felipe, e o seu é...?

–- Luna. – respondi. -- Prazer em conhecê-lo, Felipe.

Ele ergueu minha mão e a levou até seus lábios. Felipe parecia ser muito gentil, até demais, mas havia algo nele que me perturbava. Ouvi Hans suspirar impaciente ao meu lado, como se sentisse incomodado com a atitude de Felipe.

–- Acredite, o prazer é todo meu. – os olhos azuis de Felipe faiscaram para mim e senti um impulso de retirar minha mão da sua repentinamente naquele momento, mas apenas a puxei novamente para mim de forma aparentemente calma.

–- Esse é o Hans – Isabela puxou Hans para que Felipe o visse, mas este nem ergueu os olhos para encará-lo. – E a pirralha se chama?

–- Não sou pirralha, sua idiota! – irritou-se Quirina.

–- Qual é o seu nome então? – perguntou Isabela, dando pausa em cada palavra como se estivesse tentando ser educada.

–- Meu nome é não te interessa – Quirina prostrou-se ao meu lado e me deu uma piscadela, que me fez rir.

–- Bem, acho que podemos ir, não é? Quer dizer, isso que você quiser ir conosco, Luna – era estranho como Felipe falava você e não vocês. Era como se Quirina e Hans estivessem invisíveis aos seus olhos e isso me irritou.

–- Irei se meus dois amigos concordarem em ir.

Hans tocou em meu braço e sussurrou em meu ouvido:

–- Venha aqui um instante.

Caminhamos até um pouco longe de onde estavam Isabela, Felipe e Quirina, perto de uma antiga loja de aparelhos celulares. Hans virou-se para mim e perguntou seriamente:

–- Você não está pensando em ir com eles, está?

–- Por que não podemos ir, Hans?

–- Já percebeu que não sabemos onde eles estão refugiados, nem com quem poderiam estar?

–- Acha que podem estar com uma gangue que nem a qual você fazia parte? Duvido muito, Hans.

–- Ah, é?

–- Sim. Não acho que nenhum bandido iria ter Isabela ao seu lado, considerando que ela não tem cérebro algum e muito menos seria útil para qualquer coisa.

Hans suspirou.

–- Eu notei pela sua expressão que você achou quase impossível dela estar viva, mas cá está ela, entre nós. Já imaginou que ela poderia ter mudado algo na forma dela de pensar e encarar as situações em meio a um apocalipse? Luna, não estou perguntando tudo isso a toa, porque você sabe: onde você for, eu e Quirina iremos, mesmo que nesse caminho nos leve para uma enrascada ou a uma pista do paradeiro de Mark.

Hans dizia aquelas palavras bem sério e seus olhos pareciam me atravessar para tentar me compreender, compreender meus pensamentos. Como ele não conseguiria fazer isso, contei-lhe logo os planos que eu tinha em mente.

–- Talvez o grupo no qual Isabela e Felipe pertença saiba algo sobre o paradeiro de Mark, ou ainda do Dr. Boris, o que já significa alguma coisa. Porque eu sinto que há uma ligação entre o sumiço de meu irmão com o doutor, é algo como se fosse quase óbvio para mim.

Hans me escutou sem dizer uma palavra, e quando acabei, ele ficou em silêncio por alguns instantes refletindo sobre o que eu dissera.

–- Você quer ir com eles, ainda que isso mude totalmente a nossa antiga rota e consequentemente nossos antigos planos?

Encarei-o nos olhos e respondi:

–- Sim.

Ele assentiu.

–- Então iremos juntos.

Naquele momento, pela primeira vez, senti uma vontade quase difícil de ser reprimida de abraçar Hans e agradecer por tê-lo comigo. Não era pelo simples fato dele concordar em ir comigo, mas sim pelo fato dele simplesmente não me abandonar, coisa que muitos já haviam feito comigo na vida. E Hans estava ali, juntamente com Quirina, provando que poderiam existir pessoas diferentes, e sortudos eram os que os tinham por perto, como eu me sentia por tê-los comigo.

Voltamos para perto de Isabela, Quirina e Felipe, que discutiam e planejavam uma fuga do shopping sem sermos surpreendidos pelos zumbis. Ao que parecia, apenas Felipe e Quirina estavam de acordo, enquanto Isabela cogitava as ideias de ambos.

–- Isso não vai dar certo. – ela disse impaciente. – Vamos demorar muito mais se formos por trás do shopping, sendo que o nosso carro está do outro lado!

–- Não sei se você percebeu, mas o outro lado está completamente tomado pelos zumbis! – falou Quirina. – Seria mais lógico irmos pelo maior caminho que ir pelo menor e não conseguir passar por eles.

Felipe, que acompanhava as duas debatendo sobre o assunto, resolveu opinar.

–- Isabela, ela tem razão. Ainda mais, podemos pegar qualquer carro, desde que esteja funcionando, para voltarmos para o refúgio.

–- Mas vai demorar muito, você não entende isso!

–- Bem, você pode escolher uma das duas opções – falei. – Primeira: vamos pelo caminho mais curto, somos atacados por uma horda de zumbis que não conseguiremos dar conta e morreremos; ou a segunda opção: poderemos ir pelo caminho mais longo, porém mais seguro, onde pode ter um ou dois zumbis que conseguiremos matar antes que nos percebam e assim chegamos ao carro. Qual a sua escolha?

Todos encaravam Isabela agora, aguardando pela sua resposta. A expressão desta era de raiva e confusão enquanto me encarava. Eu apenas a observava calmamente, esperando. Sabia o quão irritada ela estava por dentro, dava para perceber pela fúria transpassada por seus olhos.

–- Somos uma equipe agora, Isabela – Hans se aproximou. – O que o grupo decidir, será o que executaremos.

Isabela suspirou tão profundamente que parecia que captaria todo o oxigênio presente no ar.

–- Está... bem. Iremos por onde preferirem.

Um estrondo vindo do estacionamento fez todos nós voltarmos nossos olhos para a varanda que nos mostrava o outro lado do estacionamento do shopping. Por entre os carros, vários zumbis se locomoviam, mas havia um ponto entre dois carros que estava em chamas e algo de metal estava mergulhado entre as labaredas. Algo diferente de um carro. Um líquido escorria por cima do carro e começava a se espalhar no chão, amplamente. As chamas cresciam e começavam a se espalhar de forma assustadora e um odor de algo como enxofre começava a se espalhar pelo local.

–- Isso é péssimo – comentou Quirina. – As chamas estão se alastrando rapidamente, logo vão tomar o estacionamento todo.

–- Por um lado isso é bom, pois vai matar os zumbis, porém, poderá nos matar também caso não escapemos daqui agora. – disse Hans.

Voltamos para o interior do prédio, onde o cheio de enxofre ainda não estava tão concentrado como estava naquele lado do estacionamento.

–- Como levaremos a mala até algum dos carros? Está bem pesada. – Felipe apontou para a mala encostada na pilastra.

–- Uma pessoa se encarrega dela, os outros quatro do grupo vão abrir caminho para a pessoa caso seja necessário até chegarmos a um carro.

Todos concordaram com a ideia de Hans, mas a pergunta era: quem carregaria a mala?

–- Felipe pode carregá-la – sugeriu Isabela. – Afinal, você a trouxe até aqui, uns metros a mais não vão te matar.

Felipe a encarou.

–- Isso foi muito sugestivo.

–- Eu sei, era mesmo para ser. Então, Hans, eu e você... Quirina e Luna, certo?

–- Por que em duplas? Poderemos agir livremente e estaremos juntos, além disso. – indaguei.

Isabela tentou se defender.

–- Foi só modo de falar, eu hein. Mais alguma coisa a acrescentar, Hans?

Virei meu rosto para Isabela e vi que seus olhos brilhavam por algum motivo quando ela se dirigia ou mencionava Hans. Senti algo estranho dentro de mim com relação a isso. Raiva? Não, não era essa a palavra... Ciúmes? Não, não tinha motivos para isso. Pelo menos, eu não via motivos.

Hans permanecia com as feições inalteradas.

–- Acho que é só isso mesmo.

–- Hans, eu não tenho uma arma – Quirina disse tristemente. – Como poderei defender alguém com as mãos nuas?

–- Você pode usar o arco-e-flecha, bonitinha – disse Felipe. -- Não é difícil de usá-lo. Posso te ensinar agora mesmo e tenho certeza que de que saberá manuseá-lo corretamente.

Enquanto ele explicava a Quirina como usar a crossbow, me aproximei de Hans e perguntei em voz baixa para que Isabela não ouvisse:

–- Você tem algum plano em mente, não?

–- Suponho que você também possa ter. – ele sorriu.

–- Posso até ter, mas acho que teremos que contar mais com a sorte de sairmos daqui vivos do que com um plano.

–- Um plano formado por uma mente como a sua, ninguém precisa de sorte.

–- Por que está me elogiando tanto?—indaguei.

–- Não é um elogio, é um fato.

–- E por que está me dizendo isso agora?

–- Não posso dizer?

–- Pode, mas... é estranho.

Hans deu uma risada.

–- Estranho? Por quê?

–- Deixe pra lá. – revirei os olhos e me encaminhei para o restante do grupo. – Anda, temos uma fuga para executar.

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Descíamos as escadas lentamente. Eu e Isabela estávamos à frente do grupo e Hans e Quirina ladeavam Felipe, que carregava a mala nas costas. As labaredas estavam tão intensas – ou talvez tenham apenas se espalhado rapidamente – que não foi necessário mais o uso das lanternas. Isso era algo positivo para nós, pois seria mais fácil de lutar contra os zumbis. Por outro lado, o cheiro de enxofre e de algo semelhante a gasolina predominavam no ambiente, e começava a me sufocar um pouco.




Quando chegamos ao lado de fora, não demorou muito para que encontrássemos nossos velhos inimigos. Havia pelo menos uns dez zumbis nos aguardando na calçada, espalhando sangue e entranhas conforme avançavam para nós, trôpegos. Não perdi tempo. Avancei para o grupo e vi Isabela correr ao meu lado, o facão em punho, preparado. Golpeamos e decapitamos os zumbis de forma ágil e muito rápida, jorrando sangue em nossa direção. Os dez zumbis, em aproximadamente cinco segundos, encontravam-se estatelados no chão.

–- Até que você não é tão inútil – comentou Isabela de forma maldosa.

–- E você não é tão lerda assim – respondi seu comentário.

Virei-me para trás a tempo de ver Quirina cochichar algo para Hans e este assentir, e chamei para que avançassem. Quando Felipe passou por mim carregando a mala, ele sussurrou em meu ouvido:

–- Com você conosco, não precisamos temer nada – seu tom demonstrava elogio, mas de alguma forma, me senti desconfortável vindo dele. Apenas assenti e prossegui a frente do grupo.

Como Isabela havia dito, era um caminho mais longo ir por aquele lado. Demoramos muito tempo para conseguir sair do estacionamento do outro shopping para chegarmos ao do Barrashopping. Mais zumbis apareciam de forma absurda, e logo Hans e Quirina entraram em ação também. Como Felipe havia dito, Quirina conseguiu entender o uso da crossbow e acertava os zumbis em cheio na cabeça. Hans utilizava o menos possível o fuzil metralhadora por este fazer barulho quando usado, mas quando era necessário, atirava no maior número de zumbis que conseguia. Com nós quatro exterminando os zumbis que podíamos, conseguimos chegar ao estacionamento e logo o odor ficou mais forte, tão forte que tivemos que cobrir nossos rostos. Não poderíamos aspirar aquela fumaça por tanto tempo, ou algo poderia nos acontecer, fazendo com que perdêssemos a consciência ou até levando a morte, dependo do que de fato ela era.

–- Qual é o carro de vocês? – perguntou Hans a Felipe.

Ele indicou uma picape preta que estava a poucos metros de nós e não tão distante do foco de incêndio.

–- Andem, temos que chegar logo lá! – gritou Isabela enquanto decapitava um zumbi.

Corremos para a direção do carro, mas então fomos surpreendidos por cinco zumbis altos e com músculos incrivelmente avantajados e com olhos quase saltando para fora da órbita. Retalhadores.

–- Surpresa – grunhiu um deles para nós.

Todos ao mesmo tempo sacaram as foices e partiram pra cima de nós. Um deles tentou me golpear na cabeça, mas consegui desviar seu golpe a tempo com a lâmina do meu machado. Tentei empurrar a foice para longe, mas ele a segurava firmemente na mão coberta de feridas. Quando ele tentou me acertas nas pernas, dei um salto para o lado rápido o suficiente para fugir de seu campo de visão e o golpeei no tórax com toda a força que conseguia. Escutei o Retalhador urrar de dor e fez um movimento com a mão como se quisesse me dar um tapa, mas rolei no chão para me afastar de sua mão. Escutei sons de disparo de arma de fogo e supus que Hans e Quirina estavam lutando com os outros. Caminhei para trás da criatura, ergui o machado alto o bastante e joguei toda minha energia no golpe em sua cabeça. Jorros de sangue me cobriram da cabeça aos pés e só senti a cabeça do Retalhador cair, dividida, no chão aos meus pés. Dei um chute em seu corpo e ele desabou no chão.

Olhei para frente e vi que Isabela já havia dado um fim ao seu Retalhador também, a camiseta cinza empapada de sangue. Os outros três Retalhadores se encontravam caídos no chão, um deles com três flechas na cabeça e os outros dois com vários sinais de que haviam sido baleados. O serviço ali estava feito.

–- Para a picape, rápido! – chamei e todos foram.

Assim que chegamos ao carro, Felipe jogou a mala na caçamba e Isabela entrou na cabine. Felipe olhou para mim e disse:

–- Docinho, você se importaria... em...

–- Se eu me importaria de ir à caçamba da picape? Não, não me importo, Felipe.

–- Mas será desconfortável para você.

–- Estarei bem, mesmo – sorri confiante e ele assentiu para mim.

Olhei para Quirina e perguntei:

–- Vai com eles na cabine?

Ela fez um gesto de negação.

–- E ter que suportar Isabela? Nunca! Vou ficar com você e Hans.

Sorri para ela e ajudei-a a subir na picape. Depois me icei para dentro e ajudei Hans e subir também. Afastamos a lona que cobria a caçamba e nos sentamos. Dois zumbis que estavam um pouco distante de nós viraram-se na nossa direção quando Felipe ligou o motor. Quirina ergueu crossbow e mirou nos dois, atirando com precisão nos cadáveres que caíram ao serem atingidos pelas flechas.

–- Parece que você pegou o jeito. – comentei e ela riu.

–- Bem, eu tinha que aprender a usar alguma arma, não? Consegui me adaptar a ela rapidamente.

–- Deu pra notar, arqueira – Hans piscou para ela e nós rimos.

A picape começou a andar e logo estávamos fora do estacionamento. Enquanto eu encarava as estrelas do céu, pensava em todas as provas que havia passado até ali. Sabia que as futuras poderiam ser as piores, mas as que viessem, eu estaria pronta para lutar, e sabia que tinha aliados para me ajudarem.

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–- Você está a poucos passos de chegar seu destino final... – uma voz ruidosa ecoava em meus ouvidos vinda da escuridão do ambiente.

Era um sonho onde eu me encontrava deitada em algo que me impedia de me mover. Tentei afastar meus braços de perto do meu corpo, mas senti algo macio tocar minha pele, algo como seda. Senti algo sob meus pés e também algo que quase tocava minha cabeça. Era como se estivesse cercada, meus movimentos limitados. Uma luz branca se ascendeu, me cegando por um momento e então eu vi. Estava usando um vestido antigo de renda e musselina branca, o que me estranhou, uma vez que eu não gostava muito de usar vestidos. Ergui meu corpo com dificuldade, como se cada músculo meu protestasse contra minha ação, e me vi suspensa do chão, sobre alguma maca ou algo como uma mesa. Quando percebi no que eu estava, gritei de susto.

Eu estava deitada em um caixão.

O mesmo vulto do último sonho que eu tivera surgiu vindo do nada, se aproximando silenciosamente de mim. Queria poder sair correndo, me afastar, mas era impossível. O vulto parou diante de mim e ergueu uma das mãos e tocou em meu rosto. Quando senti seu toque em minha pele, uma dor horrível atingiu-me em cheio. Todos os meus piores pesadelos vieram a tona e uma dor terrível tomou conta de mim. Meu grito ficou sufocado na garganta e senti como se um sono irresistível começassem a tomar conta de mim. As últimas palavras que escutei foram as que eu menos queria escutar pela boca daquela criatura:

–- Seu tempo está se esgotando, e logo o fim tomará conta de tudo que era seu...

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Acordei quando a picape passou por um quebra-molas e percebi que minha cabeça estava apoiada no ombro de Hans. Afastei-me no mesmo momento e ele se assustou com meu movimento repentino.

–- Calma, Luna. Está tudo bem. Teve outro pesadelo?

Assenti e esfreguei meu rosto. Aos meus pés, vi a silhueta de Quirina deitada com a cabeça sobre a lona, dormindo profundamente. Sua mão direita estava apoiada em crossbow como se a qualquer momento, ela despertasse e atirasse flechas em algum zumbi.

–- Não aguento mais. – suspirei.

–- O quê?

–- Esses... pesadelos. Estão me deixando maluca. Todos são avisos, isso eu sei, mas muita informação está me deixando confusa demais.

–- Você quer contar algum deles para mim? – ele perguntou cautelosamente.

Fiz um gesto de negação.

–- Acho que talvez eu lhe conte, um dia. Talvez quando você me contar o motivo de ter se aliado a Marcos e Redlin.

Hans se remexeu, desconfortável.

–- Isso é diferente.

–- Hans, há algumas horas você me disse que eu não poderia ter segredos com você ou Quirina. O mesmo se aplica a você. “Somos uma equipe”, lembra?

–- Lhe contarei, Luna, mas não agora. Haverá um momento certo para isso.

Ergui meu rosto para o céu. Não sabia que horas eram, mas a escuridão começava a se tornar menos intensa. Algumas estrelas ainda pontilhavam o céu e fiquei observando-as enquanto minha mente estava bem longe. Não sabia onde estávamos, mas esperava chegar ao Refúgio logo. O sonho me fizera ficar mais desesperada em minha busca a Mark. Seu tempo está se esgotando, e logo o fim tomará conta de tudo que era seu. Aquela frase ecoava ainda em minha mente e senti um arrepio pelo meu corpo.

Depois de mais algumas horas de viagem (o céu já estava mais claro e tingido de laranja), a picape parou em frente a um prédio antigo cujo muro era alto e pintado de branco e um portão de ferro se destacava naquele branco. Havia uma placa na frente do prédio, mas seus dizeres haviam sido ocultos por pichações ilegíveis.

Acordei Quirina enquanto Hans saltava da picape. Nós duas pegamos a mala e a jogamos para fora do carro e saímos dele. Felipe veio até nós e pegou a mala de minha mão.

–- Obrigado, docinho. – disse enquanto colocava sua mão sobre a minha para pegar a alça da mala. Retirei minha mão num ímpeto e ele deu um sorriso para mim antes de se virar e seguir adiante.

Aproximando-nos dos portões de ferro, vi Isabela parando diante de um painel que era muito parecido com um antigo teclado de computador. Ela digitou algo rapidamente nele e esperou. Uma voz feminina disse através de um alto falante acima da porta de forma monótona:

–- Senha incorreta.

Felipe se aproximou e digitou a mesma senha que Isabela havia digitado, porém ele não era tão ágil e assim consegui entender a palavra: R-E-T-O-R-N-O.

–- Senha incorreta – a voz tornou a dizer.

–- Como assim incorreta? Era essa até nós sairmos daqui! – irritou-se Felipe.

–- Deve ter sido coisa da Rebeca. – resmungou Isabela. – Como vamos entrar agora?

–- Por que vocês usam senha para entrar no Refúgio? – perguntei.

–- Foi uma forma que Rebeca encontrou para impedir a entrada de certas gangues ou monstros. Recebemos a senha para podermos entrar, isso quando ela não é trocada, como nesse caso.

Fiquei encarando o painel e tentei pensar em uma possível senha. Não era algo fácil de deduzir, poderia ser qualquer palavra existente. Mas analisando a senha que Felipe e Isabela haviam digitado, eu conseguia ter alguma ideia e poderia fazer algumas associações com relação à senha anterior. O retorno dos Refugiados que iam significava algo para os que estavam lá dentro os aguardando. No estado que vivenciávamos, nunca poderíamos perder a confiança uns nos outros e nem a esperança de que isso poderia mudar um dia. Esperança...

–- Posso tentar? – ofereci-me e Isabela olhou para mim, incrédula.

–- Você? Por que acha que você conseguiria sendo que não faz parte do nosso grupo?

Porque eu tenho um cérebro, ao contrário de você, retruquei mentalmente e apenas respondi:

–- Tenho uma ideia de qual pode ser.

Felipe se afastou para que eu pudesse avançar até o painel.

–- Fique à vontade, docinho.

Dei um passo e encarei por um momento as teclas. Meu raciocínio poderia estar errado, mas não custava tentar. Digitei, hesitante, cada letra do teclado. Ao meu toque, elas emitiam uma luz avermelhada. Afastei-me da porta e a voz feminina falou novamente, porém, não foram as mesmas palavras dessa vez:

–- Senha correta. Sejam bem-vindos de volta.

Escutei som de engrenagens pelo o outro lado da porta e por fim esta se abriu, revelando um corredor extenso e pouco iluminado por lâmpadas fluorescentes. Era todo revestido de metal, como se fosse de um submarino. Do final do corredor, uma garota caminhava tranquilamente até nós. Os cabelos ruivos estavam presos em um rabo de cavalo e seus olhos castanhos observavam cada um de nós atentamente. Um sorriso formou-se em sua face quando parou diante de nós. Em seu braço direito ela carregava livros de grossas lombadas e alguns papeis amontoados.

–- Finalmente chegaram! – ela nos saudou. – Estavam preocupados com vocês.

–- Por que você trocou a senha, Rebeca? – indagou Isabela.

A garota, Rebeca, encarou Isabela como se a visse pela primeira vez ali.

–- Eu não troquei senha nenhuma.

–- Não se finja de desentendida, sua...

–- Isabela, menos, por favor. – interferiu Felipe, segurando o braço da garota. Rebeca nem se movera e virou-se para nós.

–- Como já sabem, meu nome é Rebeca. Quais são os seus?

–- Luna – respondi.

–- Quirina.

–- Hans – os dois se apresentaram e Rebeca ergueu a mão para apertar as nossas. Encarando-a por um momento, ela aparentava mais velha do que eu, e suas vestes de tons escuros davam-lhe um ar sério embora houvesse um sorriso travesso em seus lábios.

Isabela e Felipe pegaram a mala e começaram e caminhar, mas Rebeca os parou.

–- Ei, antes de irem, me respondam quem acerou a senha?

Isabela fechou a cara, mas Felipe me indicou com um gesto.

–- Foi ela. Além de linda, é corajosa e muito inteligente;

–- Sério? – surpreendeu-se Rebeca. – Tipo, eu sabia que Isabela jamais acertaria algo assim...

–- Como é que é? – sibilou Isabela.

–- Anda, Isa, vamos logo levar essa mala. – Felipe pegou a mala e caminhou pelo corredor. Isabela me fuzilou com o olhar antes de nos dar as costas e caminhar por ele e sumir na curva.

–- Me digam que foi mesmo você quem descobriu a senha. – disse Rebeca. – Não suportaria aguentar Isabela se vangloriando por algo que não tem.

–- Foi Luna quem descobriu, mesmo – respondeu Quirina, sorridente.

Os olhos castanhos de Rebeca me encaravam como uma professora que acabara de ouvir a resposta correta de um exercício impossível de ser resolvido.

–- Bem... sim. -- falei. -- Consegui por meio de uma suposição.

–- Fascinante! Sabe, talvez aquela senha não fosse trocada por acaso – ela deu uma piscadela. – Vamos, pessoal. Certamente vocês estão cansados, então vou lhes mostrar o Refúgio e seus respectivos quartos. Sigam-me.


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