Palavras Escurecidas escrita por Nymeria


Capítulo 6
Meu coração é um poço fundo no qual você se afoga.


Notas iniciais do capítulo

Demorei, demorei muito, mas tô aqui.



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  Acordei. Acordei pra vida, acordei por que sinto que, hoje, existo. Mas mesmo assim, permaneço frenesi. Eram cinco horas. E ele estava ao meu lado, ainda dormindo... E fiquei observando-o, como se fosse um bel-prazer.

Então às seis quis beijar-lhe a boca, não foi o primeiro desejo, nem seria o derradeiro; tranquei os dentes, estar tão perto sempre me descompassou, só não entendia o porquê.

    Mas ele tem que ir, o seu dia não é meu... Fiquei andando em círculos pequenos no estacionamento do prédio depois de sua saída, quase tropeçando sobre meus próprios passos, já vi os carros cruzarem o portão pelo menos uma dezena de vezes, mas nunca é o seu. Fecho os olhos tentando escapar das dissimulações do meu sentido. O céu ameaça chuva, saio andando e abaixo o volume do celular, mas deixo-o junto ao corpo para não perder nenhuma vibração, mesmo sabendo que o silêncio tem um peso de uma solidez oca. Lojas. Uma porção delas, de seus cheiros e vitrines luminosas com provocações pro ego... Mas nem as noto, eu olho em volta, em cada rosto, em cada bermuda, em cada par de sandálias que faz a curva. Eu propositadamente cega vagando no meio da multidão, percorrendo o espaço de ponta a ponta, uma, duas, três vezes, suspirando desanimada quando não te esquadrinho ali, suspirando estrangulo por não te achar ali, por que te procuro com a mesma veemência com que te fujo (não propositalmente, mas por extinto, por defesa convencional), por que te ver é a coisa que meu coração mais ânsia,e a que mais teme, porque tenho medo de me desfazer inteira na tua frente, por mais que eu me faça forte. Tenho medo de agarrar teus joelhos e te implorar pra não ir, medo de encarar teus olhos e não encontrar nada neles, só pra não ver meu retrato refletido nas tuas pupilas. Por que me aflita tanto ficar em um ambiente fechado sem nem saber se você está nessa cidade, não sei se você está, nem onde você esteve antes de eu te encontrar, nem nada sobre você. São só meus olhos baixando cada vez que o sol nasce, trazendo com ele mais um dia sem você, sucedido pelas tardes onde juro que não sinto saudade, numa repetição infinita. Sou eu procurando teu cheiro na minha roupa nossa roupa lavada, pois agora nós somos um só. Sou eu olhando pra tua foto, sou eu que me pego rindo por me lembrar de você, sou eu chorando por me lembrar de você, sou eu me evitando nas tuas ausências, sou eu te vivendo nos teus vazios. Sou eu com um vestido verde e as lágrimas no canto dos olhos, com a garganta fechada te esperando pra comer algo e depois deitar-me junto a ti. Sou eu vivendo de te ver morrer dentro de mim.  

      De um tempo pra cá, você me ensinou a gostar dos meus cabelos, e eu me afundei em metáforas porque tudo que sentia não tinha descrição, não tinha lógica, anomalia dos meus sintomas patéticos de meu eu enterrado. Meu peito ainda quer te bater por tu me fazer gostar tanto assim de ti, mas cabe alguma a mim? Isso me arranhava de dia, quando distante do mundo todos os olhos voltavam pra mim, a droga que me manteve em pé foi a mesma que me enterrou tantos palmos no chão: você. Ensaiei acordar uma porção de vezes enquanto sonhava, remediei falas e me escondi, toda verdade começa numa mentira, houve mais vontade do que verdade, só conjuguei o verbo, só aproximei sentimentos. O amor é uma utopia, meu coração uma figura de linguagem, eu sei, já disse “eu te amo”, mas no fundo nunca amei ninguém, apenas você.

     Esse meu jeito de falar de si mesmo na terceira pessoa, aquele jeito de se saber uma contradição costurada embaixo da pele. I've been roaming around, always looking down at all I see. Painted faces, build the places i can't reach” Foi o que ecoou da rua no momento em que tu saístes ao trabalho mais uma vez. Se eu soubesse decodificar as palavras dispersas por aquela voz suave, entenderia um canto rasgado na garganta de quem não pode voltar atrás. Palavras como sussurros úmidos em qualquer idioma, o coração que  tropeça durante a execução é o de alguém com lágrimas congeladas no canto dos  olhos, eu sei, não tenho nada nas mãos, eu sei, não sabia a tradução da música, mas ela me fez chorar assim mesmo. 


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