O sol ainda se punha enquanto os primeiros flocos de neve caiam do lado de fora do quarto cor-de-rosa. Amy nunca gostou realmente daquela cor, mas não era tão irritante para que ela mudasse nem tão feio para que acabasse com a “decoração” que seu pai fizera antes de mudarem para aquele apartamento. Além disso, ela estava acostumada com todas aquelas coisas no lugar em que estavam, apesar da constante bagunça.

Amy estava sentada na janela com um de seus livros favoritos, Hamlet, de William Shakespeare, e escutando músicas da banda The Script. Os livros e a música eram a paixão de Amy, além de serem as únicas coisas que a mantinham quieta no lugar.

Seu pai era descendente de uma das mais antigas famílias nephilim de Idris, a terra natal dessa espécie de seres humanos. Os Graycastle não eram poderosos nem donos de muitas posses, mas poderiam ser classificados como um tipo de classe média alta. Conhecidos por serem intelectuais, esta família sempre possuiu muitos engenheiros, estudiosos e inquisidores em seu passado, além dos grandes estrategistas de guerra presentes em sua árvore genealógica.

Ela sentia falta de Idris, apesar de terem sido poucas às vezes em que realmente estivera lá. A última viagem que fizeram até Alicante, capital e única cidade de Idris, fora a mais longa de todas as anteriores. Ficaram na cidade por dez dias e ela pôde finalmente conhecer tudo o que queria, conseguira até fazer alguns amigos. Amy conheceu Vanessa, Peter e Emanuelle Ironwand, que moravam no Instituto de Toronto. Ela achou que Vanessa fosse adotada por não parecer em nada com os irmãos, mas achou que seria indelicadeza perguntar.

Quando ela estava mostrando algumas fotos, passou direto por uma onde estavam Emma e uma outra menina muito bonita com cabelos ruivos e cacheados. Amy sempre achou que cabelos ruivos eram lindos e até tentou tingir os próprios desta cor depois de visitar a Irlanda no verão anterior, mas achou que era melhor não mexer de novo no bom e velho castanho. Como Vanessa nem sequer mencionou quem era ou se era importante, ela deduziu que fosse apenas uma velha amiga de sua irmã, alguém que ela não gostava muito.

Os Ironwand não ficaram por muito tempo, eles estavam na cidade para umas tais reuniões da Clave – o governo dos nephilim – e foram embora logo em seguida.

Por causa das constantes viagens de seu pai, Amy não estava muito em dia com o que acontecia fora de Idris, então ela trocava emails constantemente com Emma e Vanessa depois que os Ironwand voltaram para Toronto, pois Peter estava sempre envolto com os assuntos da Clave por ser o único dos irmãos com idade suficiente para frequentar as reuniões.

Emma prometera a Amy que quando ela fosse a Toronto a ensinaria alguns golpes de luta e também a manusear algumas adagas e espadas. Elas combinaram que seria escondido, pois seu pai não gostaria nada da ideia de vê-la “se preparando para uma guerra”. Ou pelo menos era o que ele pensaria.

– O coitado vai achar que to treinando pra matar a Stacy Gibbons. – disse a Emma. Stacy Gibbons era uma menina da escola que ela frequentava em Perth, na Austrália, que implicava com quem fosse menor que ela com exceção de Amy, sabe Deus o porquê. Outra coisa que Amy não entendia era porquê seu pai a obrigava a frequentar escolas de mortais ao invés de estudar em casa como todo nephilim.

Seu pai também estava envolto com toda essa coisa de “assuntos da Clave” e esse geralmente era o motivo de irem para Alicante. Stephen nunca compartilhava nenhum dos seus assuntos de trabalho e muito menos da Clave com a filha; ele dizia que era “coisa de adulto”.

“Como se eu fosse alguma criança”, ela pensava. Aos 17 anos, Amy já se achava digna de que compartilhassem algo do mundo dos adultos com ela; seu pai sempre dizia que ainda era cedo para se preocupar com esse tipo de coisa. Por não fazer parte deste “mundo adulto”, ela tinha a maior parte dos seus dias livre; isso apenas porque seu pai fazia questão que ela passasse o mínimo de tempo com ele enquanto estivesse em casa.

Por conta própria, Amy aprendeu a cavalgar e ainda descobriu que a família tinha um lindo cavalo marrom acinzentado chamado Owen, que ficava em uma espécie de haras nos arredores de Alicante. Todos os dias ela ia para o estábulo, galopava em seu mais novo amigo por algumas horas e logo depois o levava de volta para sua cela, escovando-o e às vezes dando banho no cavalo.

Amy não sabia dizer porque, mas ela amava aquele animal e sabia que um dia ele seria muito útil para algo importante. Além disso, algo emanava dele... Como uma aura ou qualquer coisa assim. Ela não sabia dizer como ou porquê, mas o que quer que esse cavalo fosse a fazia sentir-se renovada e com coragem para enfrentar o exército espartano armada com uma pequena faca de cozinha.

O lado bom de estar em Alicante é que ninguém te incomoda se você estiver sentado na Praça do Anjo chorando ou correndo pela cidade e rindo feito um bobo. Lá, Amy sempre encontrava algum lugar bonito, calmo e afastado para que ela pudesse ler seus livros ou apenas deitar num canto e tirar uma soneca.

O lado ruim é que sempre havia a hora de ir embora.