No dia seguinte, a atmosfera do acampamento pareci pesada. E eu parecia ser a única a sentir. Não, sr. D também notava. E o anel continuava pulsando.

– Que foi? – Os três meninos ao meu redor perguntaram quando me viram olhar na direção do mar, de cara fechada.

– Algo muito ruim está a caminho. – Fiquei de pé e, tirando a areia da calça, fui atrás de sr. D. – Sr. D, precisamos conversar.

– O que foi, garota? – Ele tomava um resto de Coca diet, sentado na varanda da casa.

– Você sabe o que foi. Tem algo errado.

– Não sei, não. Quintus sumiu e... – Olhei bem no fundo daqueles olhos e esperei sua reação. Foram de “ai, preciso de uma boa desculpa” para “droga, já era.” – Sabia disso?

– Queria que eu soubesse. Não me subestimou, eu te conheço.

– E trabalha mais rápido do que eu imaginei. – Ele suspirou. – Ele foi resolver tudo. O labirinto logo vai cair.

– Não é o que me preocupa. Esse anel está pulsando. Sinal de monstros, para, volta, para, volta de novo. Sr. D...

– Uma invasão? – Ficou no ar. Ele ficou de pé e mandou espalhar a notícia. Estado total de emergência pelo Acampamento. – Vai logo.

Sai correndo, pedindo ajuda para Chad, Dante e Japa. Os três não perguntaram o motivo, só perceberam a urgência e correram em direções divergentes.

O lugar ficou em polvorosa. Gente de todos os chalés correndo, de todos os lados possíveis. Armas sendo arrumadas, prontos para uma guerra. Prendi meu cabelo, vesti a armadura que me conseguiram e fui para a mata.

O sinal ia ficando mais forte, mais regular. Eles estavam ali. Todo mundo esperava perto do pavilhão a ordem de ataque. Quando passei por eles, vi os garotos. Japa entre Connor e Stoll, com uma espada e olhos sempre a sua frente. Os irmãos Maener, Chad e Dante, um ao lado do outro, armados e prontos para combate. Se encaravam, prontos para o pior.

E a sensação de ter um dedo queimando ia ficando pior. Eles já estavam lá. Pisei num monte de grama revirada, sentindo a terra cedendo sob mim. Voltei o pé e me armei, com as duas espadas em mãos.

O ex marido de Dorothy saiu de dentro da terra, quase me jogando no chão, com os olhinhos cravados em mim. Acho que as espadas iam ficar como hobby. A Mac10 brilhou nas minhas mãos e eu desci bala.

O ataque começou. Legiões de montros apareciam do buraco no chão e atacavam sem dó. E eu mirando e descendo tiro, sem dó. Minutos iam se passando e, a cada nova orda de monstros, eu recarregava a arma e ia atirando, pensando numa estratégia.

O buraco. O buraco ia até o labirinto. O buraco tinha que ser fechado. E, para isso, o labirinto tinha que cair. E Dédalo era o único que conseguiria. É, a opção era lutar até a exaustão.

Fui alternando. Ora eu limpava os inimigos mais próximos com as espadas, ora eu estava metralhando inimigos a pés de distância. E aquilo foi se arrastando por minutos, e mais minutos.

Vi três monstros ao redor de Dante. De dois ele conseguia vencer, ma so terceiro ia pegá-lo por trás. Mirei e atirei, dando minha ajuda do alto do morro.

Ele se virou e me viu lá, com a arma na mão. E deu aquele sorriso torto por um segundo antes de voltar a lutar. E foi assim, distribundo bala e, algumas espadadas de vez em quando, que eu fui seguindo no combate, sem me cansar e nem ficar dolorida.

Ainda assim, com o bloqueio me deixando de pé enquanto outros tombavam ao meu lado, alguns dos ferimentos que eu iam recebendo iam me deixando preocupada. Não sentir dor não queria dizer não se ferir.

Cheguei ao ponto de simplesmente atacar, sem olhar o alvo. Com as duas espadas, sai cortando meu caminho até o meio da batalha, pronta para ataque mais direto.

Já se passara mais de uma hora ali. Eu podia não sentir, mas os outros sentiam. E eu vi muita gente caindo, sem poder ajudar. Dei um jeito de bloquear aquela agonia também e continuar lutando, botando aqueles monstros infelizes para correr.

– Caramba, não acaba. – Resmunguei, assoprando poeira dourada que caíra no meu rosto. Cada segundo parecia pior que o anterior, os monstros não paravam de aparecer e algum campista acabava saindo ferido.

Ou morto. A energia naquele lugar era tão carregada que chegava ame desconcentrar. E estava me pondo em risco.

Não sei muito bem como acabou. Quando a gente está lutando assim, no desespero, a gente nem nota muito o que está acontecendo. Sei que em algum momento eu consegui abaixar os braços e olhar ao meu redor. E ver o mais profundo que a morte conseguiria ir.

No meio de tanta poeira dourada e de corpos caídos por ali, eu quase conseguia ver cada um daqueles campistas abandonando seu físico e indo embora encontrar o futuro com Hades.

Até meio zonza, procurei quem interessava naquele meio todo. Dante, Chad, Japa... Não, não estavam ali.

Percy tinha chegado ao Acampamento de volta, dizendo tudo sobre o labirinto e Dédalo. Ele tinha feito o que eu esperava e tinha destruido sua maior obra.

E a si mesmo. E, não fosse o cenário onde eu estava, eu teria sentido o peso dos anos dele me deixando também. Fui atravessando nosso campo de batalha, vendo quem eu reconhecia nas fileiras de mortos.

Um dos filhos do sr. D, alguns amigos de chalé, algumas antipatias...tudo tinha ido embora de uma só vez.

– Elgin. – Chad me encontrou, ainda com seu arco preso na mão. Fiquei feliz em vê-lo tão bem. – Tudo bem?

– Hum, essa energia toda está quase me matando, fora isso... Não sinto nada.

– Deveria tomar cuidado, mesmo assim. Parece estar um pouco machucada. – Ele apontou um corte perto do pescoço. Nem me lembrava daquilo. – Vai, Dante está ajudando com os feridos.

Concordei, estranhando ver um Dante tão...prestativo. Tinha anos que ele não ajudava alguém assim, de bom grado. Entrei na tenda que eles usavam de enfermaria, vendo-o estancar um sangramento.

O ar ali também era pesado. Não tanto quanto lá fora, mas em alguns focos eu já podia sentir a morte chegando. Dante me viu, mas não foi me ver até ter terminado com o adolescente.

– El, fiquei preocupado. – Ele virou meu rosto, olhando direito para o corte, que ainda sangrava um pouco. – Isso foi meio fundo, não? Vem, a gente ajuda.

A gente eram os irmãos do chalé de Apolo. Solace estava lá, ajudando uma menina a curar um garoto. Dante me sentou e colocou um pano sobre o corte.

– Dói?

– Eu já destrui seu portão com o ombro. Acha que isso dói? – Perguntei, vendo o sorriso torto aparecer. – Acho que nem se eu quisesse meu bloqueio ia parar agora.

– Ficou linda com a Mac10. – Ele murmurou, voltando ao serviço de médico. Ri. Em alguns minutos ele e Solace conseguiram fazer um curativo nos ferimentos mais graves no meu corpo e me mandaram descansar.

Só que sem cansaço algum, eu fui andar. Parei na praia, logo ao lado de Japa. Ele me olhou, mas não disse nada. Eu não queria ouvir nada também.

– Eu...

– Não vai embora. Não agora. – Falei, já sabendo o que ele diria. – É melhor do que isso, Japa. Do que fugir toda vez que a situação se complica.

– Mesmo sendo monstros, não gosto dessa matança. – Ele murmurou, fitando o mar de volta. – Acho que tem razão, porém. Não posso te largar aqui sob o feitiço do lobo mal.

Sorri. Se era feitiço, eu o aceitaria pro resto da vida. Japa estendeu a mão para mim e esperou eu dizer algo. Qualquer coisa. Coloquei minha mão na sua e respondi.

– Somos um quarteto desde o dia que me seguiu. Problema seu se não gostar da ideia. – Na companhia do meu amigo, eu fui tentando liberar um pouco do conteúdo da minha barragem, sentindo uma mistura tão confusa de alegria, tristeza, agonia, dor, cansaço.

– Descansa, garota. Você merece. – Acabei dormindo logo em seguida, sentindo a dor de todos os ferimentos, mas vencida pela onda de cansaço.