Ambas sabiam que a dor que Sayaka causaria não teria fim se não fizessem algo a respeito.

Mas também sabiam que ela não merecia passar por nenhuma dor depois de todos que salvara.

A lança foi desembainhada. A explosão aconteceu em um relâmpago.

Juntas, Soul Gem e Grief Seed foram destruídas.

Juntas, Sayaka e Kyouko se foram desse mundo.

Coçando os olhos, Sayaka tentou observar ao redor. Estava em uma cidade, no entanto não era uma cidade como a que estava acostumada a viver. Era uma pequena cidade que, nos lugares inóspitos do Japão, mantinha consigo sua história.

Ela reconheceu o lugar como a antiga moradia dos samurais. Lá, muitas batalhas foram travadas, mas muita paz fora trazida. Lá, pessoas foram corrompidas, inclusive o imperador, que se livrou daqueles que sempre lhe juraram fidelidade. Naquele lugar vazio e ao mesmo tempo nada solitário, se ouviram espadas raspando o ar e a respiração solene da meditação dos samurais. Lá era o lugar perfeito para alguém como ela estar.
No meio daquele campo, havia uma cerejeira, que já começava a dar suas primeiras flores.
Mas a única Sakura que lhe atraía a atenção era Sakura Kyouko. Esta, sentada no pé da árvore, a encarava com um meio-sorriso tão sereno no rosto que parecia não pertencer à ruiva que ela conhecia.

- VOCÊ! O que... Está fazendo aqui? O que é que aconteceu... O que eu estou fazendo aqui...? VOCÊ FEZ ALGUMA COISA, NÃO FOI?

Kyouko suspirou.

- Você já se tornou a pessoa desconfiada e defensiva que jurou não ser...

A azulada rosnou. Mas a expressão serena de Kyouko não hesitou. Como sempre, elas mantinham seus opostos. Em um mesmo lugar, ambos os lados dos samurais se encontravam: a violência e a paz.

- Sabe, teve um motivo pelo qual eu te chamei pra conversar aquele dia. Eu não estava simplesmente jogando minhas crenças pra cima de você. Eu também estava me abrindo, contando meu passado, me sujeitando à uma humilhação que jurei esquecer. Tudo isso tinha um motivo, Sayaka. O motivo é que eu já fui como você. - foi assim que a ruiva começou a história que estava esperando para contar, mantendo esperanças de que isso pudesse resolver a rixa entre as duas... Não queria chegar até ali para ser meramente ignorada pela outra.

A azulada começou a ouvi-la. Mas ainda dava para perceber a tensão de antipatia em seus músculos, bem como o olhar desconfiado que acompanhava as orbes, seguindo cada movimento de Kyouko. A linguagem corporal era clara: não confiava em Kyouko. Essa percepção fez a ruiva suspirar.

- Você não entendeu? Eu te conheci e descobri que você é forte, Sayaka. Que tem ideais inquebráveis, confia em si mesma e não volta atrás no que acredita. São coisas que eu julgava ter, mas que se desfaleceram. Você, naquela primeira luta, me fez perceber como eu perdera minha essência. Minha força de vontade. Mas isso era algo que eu não conseguia me ver conseguindo novamente.

Com uma pequena pausa entre esses parágrafos, a ruiva pegou uma cereja da árvore ao lado. Com o pequeno sorriso despretensioso que ambas conheciam, e olhando a azulada pelo canto de seu olho como costumava fazer, ela mordeu avidamente a pequena bola avermelhada, deixando apenas seu cabo entre suas mãos. Sayaka suspirou. Ela não sabia de nada...

- E aquilo que poderia trazer minhas convicções de volta é você, Sayaka. No entanto, eu sabia como esse mundo funciona. Sabia que, uma hora ou outra, você ia se decepcionar e se tornar uma bruxa... Então, fui falar com você para evitar que isso acontecesse. E só então percebi que, naquela conversa, eu estava indo contra os seus ideais que eu tentava proteger. Então, decidi proteger você, Sayaka. Ao longe. Porque eu, como estava, não sabia mais como eram as crenças que queria de volta.

Ela se virou para a azulada pela primeira vez. Os olhos se encontraram por um instante, e nos da ruiva Sayaka viu sinceridade. Ela realmente queria dizer o que dizia. Sayaka começou a perceber que havia julgado mal alguém que talvez se importasse com ela. E, quando a visão de Sayaka lentamente parou de desfocar tudo o que não incluía seus olhos, ela percebeu que o rosto da outra também era enfeitado por um sorriso doce, de quem está alegremente conformado com o destino.

Onde ela já tinha visto aquilo antes...?

- Foi um tanto complicado. Especialmente por causa do que o Kyuubey fez. Eu nem imaginava que a nossa alma vivia dentro de novas Soul Gems. Por isso, quando vi que você já tinha desistido de lutar, que estava no chão sem reagir...

Seus pulsos tremeram, e ela olhou com amargura para o outro lado.

Aquele olhar amargo... Ela já vira antes.

Não era enquanto lhe contava seu passado... Aquele era mais como um olhar sem fé.

Aquele, no entanto, demonstrava desespero.

Uma lança em mãos e sangue nos ombros.

Um olhar de súplica e medo.

Seus lábios se moveram, mas ela só ouviu o que diziam quando já soltavam um novo grito: o de dor.

"Sayaka..."

- Eu achei que tivesse morrido. Chegou perto, e eu senti aquele estranho alívio quando vi que estava errada. Mas eu sabia que aquilo tinha mexido com seu psicológico. Que lhe fez perder a fé em si mesma. Afinal, na sua cabeça, apenas um humano entende outro. e, se você não era uma, como poderia ajudar outros?

Sayaka, pela primeira vez, baixou a guarda. Não dava para ver músculos tensionados ou posições agressivas. A única coisa que se via eram os olhos, arregalados como se querendo fugir daquela situação com a qual não sabiam lidar.

Kyouko a entendia. Não só seus desejos, mas... Como ela funcionava.

Ela sabia como Sayaka se sentia...

- Você... Foi a única que percebeu isso...

Sua resposta foi aquele mesmo sorriso claro e sincero.

"É um saco ficar sozinho, não é mesmo?"

E aquela face, a mesma que a encarava naquele instante.

- Eu me senti aliviada ao perceber a sua vida. Não que meu alívio tenha durado - disse, e, dessa vez, a mordida que deu para separar a cereja de seu cabo foi mais potente.

"Me digam... Por que... Eu estive lutando?"

"Eu entendi. Enquanto você tiver a quem proteger, nada mais importa enquanto você puder proteger essa pessoa"

"Sayaka! Acorde! Não era isso o que você queria!"

- E então...

Sayaka caiu contra o chão.

- Sayaka! O que aconteceu?

Suas lembranças retornaram em um flash. Ela se viu atacando Madoka, e repetidamente Kyouko. Aquela a quem ela sempre acusara de não pensar nos outros estava tentando salvá-la, com tanto afinco que sangrava, e mesmo assim não levantava a lança contra ela.

Notas que se quebravam...

Dividiam...

Separavam.

Percebeu que aquilo havia deixado de ser Kyousuke há muito tempo.cque ela já havia decidido deixá-lo para Hitomi. E que essa fora sua perdição. O que lhe importava era ser justa, uma heroína. No entanto, nem humana era, e agora não tinha mais um ponto de apoio. As outras mahou shoujos não ficaram tão vulneráveis com essa descoberta porque elas tinham a fé de que seu desejo havia valido a pena.

Mas o de Sayaka não levara a nada.

A perda de Kyousuke não era assim tão significante no fim quanto ela pensava. Mesmo assim, ela se lamentava aquele rumo. Pois ela sentia que, se vivesse mais...
Teria dado uma chance melhor a Kyouko. Poderia ter reparado que Kyousuke não era sua única conexão com o mundo, mas também seu sonho. Que ele era tão valioso que valia a pena ser protegido. Percebeu que a ruiva seria uma boa amiga, uma conselheira. Alguém que poderia, todo dia, convencê-la de que o que fazia era o certo, que era importante. Porque, no fundo, era apenas isso o que ela precisava, e jamais tinha. De alguém que lhe desse a bravura de acreditar em si.

Quando o tom de falsa coragem em minha voz falha, o sonho começa a terminar.
O que... Ela perdera...?

Pulou sobre a ruiva que avançava sobre ela, preocupada com sua súbita queda.

- Kyouko... Desculpa... Eu fui muito idiota... Não te entendi...

A outra apenas sorriu e a segurou entre os braços.

- Não tem problema. Você tem a morte inteira para consertar. E eu também.

E, subitamente, Sayaka se sentiu muito melhor.