O Regicídio escrita por Borracha
Notas iniciais do capítulo
"Morreu por causa das suas qualidades, não por causa dos seus defeitos."
Rui Ramos in D. Carlos
Gravíssimo Atentado Contra a Família Real
Morte D´el – Rei e do Príncipe Real D. Luís Filipe
Regressavam hoje, dia 1 de Fevereiro, suas majestades, El-Rei D. Carlos I, a Rainha, senhora D. Amélia e Sua Alteza, o Príncipe Real, de Vila Viçosa. O filho mais novo D´el Rei, D. Manuel havia regressado uns dias mais cedo por causa dos seus estudos de preparação para a Escola Naval.
A carruagem da família real seguia com três quartos de hora de atraso, após um descarrilamento na Casa - Branca, onde nada havia acontecido. Terá sido esse descarrilamento um simples acaso? Ou foi premeditado para que houvesse um atraso e se chegasse mais tarde? Sobre isso nada podemos afirmar.
Na estação já se encontrava muita gente da corte e mesmo sem ser. No cais, entre várias personalidades, estava D. Manuel, o filho mais novo de D. Carlos. Quando finalmente chegou o barco em que vinham os reis e o príncipe, os quatro entraram para uma carruagem que já os esperava. Segundo nos foi possível apurar, no fundo ia sentada D. Amélia e à sua esquerda D. Carlos. Diante do rei, encontrava – se D. Luís Filipe e diante da rainha seguia D. Manuel.
Saíram da estação lentamente, quando se ouviu o primeiro tiro no Terreiro do Paço. O sinal estava dado!
Um homem de barbas, já identificado como Manuel Buíça, passada a carruagem, dirige-se para o meio da rua, leva à cara a carabina que tinha escondida sob a sua capa, põe o joelho no chão e faz pontaria. O tiro atravessou o pescoço do Rei, matando-o imediatamente. Começa a fuzilaria: outros atira dores, em diversos pontos da praça, atiram sobre a carruagem, que fica crivada de balas. Os populares desatam a correr em pânico e o condutor, Bento Caparica, é atingido numa mão.
Pouco depois saiu de debaixo da Arcada do Ministério um outro homem, também já identificado como Alfredo Costa, que pondo o pé sobre o estribo da carruagem, se ergue à altura dos passageiros e dispara sobre o rei já tombado. D. Amália ergue – se então, heroicamente, e com um ramo de flores na mão começa a gritar: «infames, infames».
O criminoso volta-se para o príncipe D. Luís Filipe, que se levanta e saca do revólver do bolso do sobretudo, mas é atingido no peito. A bala, no entanto, não foi fatal e o Príncipe, sem hesitar, desfecha quatro tiros rápidos sobre o atacante, que tomba da carruagem.
Se pensam que acaba aqui, estão enganados, pois ao levantar-se D. Luís Filipe fica na linha de tiro e o assassino da carabina atira a matar. O príncipe real cai para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda de onde, segundo o seu irmão, o sangue jorrava como de uma fonte! D. Manuel tira um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o sangue: mas que podia ele fazer? O lenço ficou logo como uma esponja.
Puco depois, o primeiro regicida, Manuel Buíça foi morto por um polícia.
No meio daquela enorme confusão estava-se em dúvida para onde devia ir a carruagem: pensou-se no hospital da Estrela, mas achou-se melhor o Arsenal. D. Manuel, já na Rua do Arsenal foi ferido num braço por uma bala. Fez o efeito de uma pancada e um pouco uma chicotada: foi na parte superior do braço direito.
Estava-se ainda na dúvida, infelizmente de pouca duração se ainda viviam El – Rei ou o Príncipe real, D. Luís. Estavam lá muitos médicos, um deles, o Dr. Bossa, um dos nossos entrevistados, contou – nos que logo que chegou, acendeu um fósforo e ainda as pupilas de D. Luís se retraíram. Quando porém repetiu a experiência nem mesmo esse pequeno sinal de vida lhe restava.
Num instante, chegou todo o Ministério. Todo menos o Ministro da Fazenda, Martins de Carvalho. Diz -se que fugiu para as águas-furtadas do Ministério da Fazenda e ali fechou a porta à chave. Todos achamos isso absolutamente extraordinário!... Para não dizer mais.
A mãe de D. Carlos, a rainha Dª Maria Pia foi chamada então ao Arsenal e, segundo os presentes, assim que chegou foi direita a D. Amélia e disse-lhe «On a tué mon fils!» (“Mataram-me o meu filho”) ao que esta respondeu «Et le mien aussi!» (“E o meu também!”)
Caiu a noite e por essa altura estava já, então, muita gente no Arsenal, e começou-se a pensar no regresso para o Paço das Necessidades. Foram então escoltadas para o palácio as rainhas e o novo rei.
Julgando que se tratava de um novo golpe de estado, a população de Lisboa refugiou-se nas suas casas e a cidade ficou deserta. Mas as tropas permanecem nos quartéis e a situação permaneceu calma.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
= O CAÇADOR SIMÃO =
"Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lôbrega e silente
Corta a mudez sinistra o mar profundo
Chora a rainha desgrenhadamente
Papagaio real, diz-me quem passa?
É o príncipe Simão que vai à caça.
Os sinos dobram pelo rei finado
Morte tremenda, pavoroso horror!...
Sai das almas atónitas um brado,
Um brado imenso damargura e dor
Papagaio real, diz-me, quem passa?
É el-rei D. Simão que vai à caça.
Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da pátria a agonizar
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...
Papagaio real, diz-me quem passa?
É el-rei D. Simão que vai à caça.
A Pátria é morta! A Liberdade é morta!
Noite negra sem astros, sem faróis!
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infâmia os sepulcros dos Heróis!
Papagaio real, diz-me, quem passa?
É el-rei D. Simão que vai à caça.
Tiros ao longe numa luta acesa!
Rola indolentemente a multidão
Tocam clarins de guerra a Marselheza
Desaba um trono em súbita explosão!...
Papagaio real, diz-me, quem passa?
É alguém, é alguém que foi à caça
Do caçador Simão!..."
Logo na primeira quadra, Guerra Junqueiro, hostiliza o rei, acusando-o de indiferença, perante a agonia do seu moribundo pai, o rei D. Luís I e da dor da sua mãe, a rainha D. Maria Pia. Nas restantes quadras pode observar-se o ódio e o sentimento patriótico provocados pelo Ultimato Britânico, o qual vexou uma pátria inteira. O ódio expresso por Guerra Junqueiro leva-o a escrever a última quadra, que se viria a revelar profética, não faltando quem a interprete como um incentivo ao regicídio (Papagaio real, diz-me, quem passa? - É alguém, é alguém que foi à caça do caçador Simão!...) [Em Simão leia-se o Rei D. Carlos].