Pude vislumbrar Adrian, alarmado, estendendo o braço na minha direção, correndo. Mas, aparentemente, o zumbi foi mais rápido – droga, pensei que esses desmiolados eram lerdos – e me vi cada vez mais afastada dos meus amigos. Antes de desmaiar pela falta de ar – não recomendo, ser sufocada é altamente agonizante – observei o Necromante pelo que me parecia a última vez, e uma enorme melancolia me tomou. Antes que eu pudesse perceber, ele virou uma parte de mim. Era horrível deixá-lo.

Senti uma lágrima escorrer antes de perder meus sentidos.

--x—

- Por céus! – Ouvi uma voz levemente familiar. Minha cabeça doía e não conseguia enxergar nada. Para ser precisa, não conseguia abrir os olhos, tampouco mexer o resto do meu corpo. – Pedi pra me trazerem uma garota! Não um ser sufocado quase morto!

Consegui ouvir um barulho seco, como se alguém socasse uma montanha de feno. Logo depois, um gemido baixo e gutural soou. Passos pesados se afastando.

Uma pessoa suspirou longamente, me pareceu ser a mesma que falara. A superfície na qual eu repousava se inclinou, imaginei que estivesse numa cama e alguém sentara nela. Senti uma sombra por cima de mim. Uma respiração quente. Algo puxou uma mecha de meu cabelo, como se estivesse brincando com ela entre os dedos.

Deus, será que serei estuprada por um zumbi azul?????? MÃÃÃE, VOCÊ É UMA INÚTIL SÁDICA NA MAIOR PARTE DO TEMPO, MAS ME SALVA!!!!!!!!!!!!!!! SOCORRO, VOU MORRER!!!

Apesar disso, algo me dizia que esse não era o zumbi azul.

“Nossa, Valente, ajudou muito, você será estuprada, mas não por um zumbi azul... Ah... Agora as coisas super ficaram claras e seguras...”, pensei com meus botões.

Tentei me levantar, mas meu corpo se recusava a me obedecer. Tentei mexer os dedos aos poucos, ciente da respiração acima de mim.

- O que será que ele viu em você? – Perguntou a voz pra mim. Sinto que ele não queria resposta, já que eu estava, hum... desmaiada, mas eu adoraria dar um gostinho de confusão naquela voz maldita que me tirou de Adrian... Mas afinal, quem era o “ele” a quem a voz se referiu?

Meu rosto deve ter feito alguma expressão de nojo, já que a respiração calma e contínua foi substituída por um leve ofego de surpresa.

“Bom, pelo menos consegui assustar ele de algum jeito...”

Sim, sou uma medrosa, mas já estava mais do que cheia de ficar assustada! Deus, eu convivo com um feiticeiro das trevas que tem um mascote à La Frankstein! Não devo ficar assustada por nada!

Braços me envolveram, me colocando sentada. Ah, dane-se, EU QUERO MINHA MAMÃE!!!!

Dedos repousaram no meu pescoço, pude ouvir uma risada fraca.

- Hm... Seus batimentos cardíacos estão altos. Deve estar um tanto assustada, né? Ou já se apaixonou por mim, gatinha?

“Com uma cantada dessa, ninguém se apaixonaria por você, seu zumbi azul paspalhão que nem ver eu vi (dane-se caso você não seja o zumbi azul, vou te chamar assim até te ver.)”

Silêncio, obviamente, eu não conseguia nem abrir minha boca.

- Hmmmmmmmmmmmmm... – Que vontade de enforcar esse maldito “hmmm”!! – Sem respostas? Que garota difícil, desse jeito eu vou te tomar para mim, está bem?

“É claro que não tem respostas! Não consigo me mexer, seu merda! Te tomar para mim é sua bunda!” Senti a raiva dar lugar ao medo.

- Nossa! Que veia enorme! E está ficando vermelha, isso tudo é raiva, gatinha?

“Meus, Deus, é um gênio mesmo!”, pensei, sarcástica.

- Agora dá pra parar de me chamar de gatinha, seu leso? – Ouvi minha voz. Foi tão surreal ouvir ela fora de meus pensamentos que quase me assustei. Yay! Consegui minha voz de volta!!

- Hm... Então o gato não comeu sua língua?

- Qual é a do seu fetiche com gatos, estranhudo? – Me ouvi dizer. Tentei abrir meu olhos. Nada. Droga, como pode?

Uma gargalhada descontrolada preencheu o lugar, foi tenso. Os dedos no meu pescoço agarraram brutamente meu queixo, me virando com força para o que imaginei ser o rosto do esquisitão com complexo por gatos.

- Gatinha, você está mesmo em posição de falar assim comigo? – Deu ênfase naquela palavra odiosa. Seu tom soava ameaçador. – Caso tenha esquecido, eu te sequestrei e você está totalmente desprotegida, à minha mercê.

- Obrigada por me informar que fui sequestrada. – Soei irônica. – Agora me deixe ir, minha mãe não gosta que eu me atrase para o jantar.

Todas as células do meu corpo me impeliam a rejeitar aquele maldito, como se um alarme estivesse soando constantemente na minha cabeça. Ele era perigoso. E, por algum motivo, sabia que esses joguinhos verbais eram a melhor coisa para distraí-lo até voltar a sentir meu corpo e armar um plano para sair dali. Não estava nos meus planos virar escrava de um palhaço zumbi.

Um silêncio predominou, estranhei a pessoa não me responder com mais algumas lindas palavras ácidas. A mão que estava no meu rosto, desceu novamente até a cintura, me dando arrepios. Arrepios de medo, só a nível de informação.

Tive o pressentimento bizarro de que o estranho sorria.

Me concentrei melhor nas sensações ao meu redor, ao ser privada da minha visão. E percebi. Ele era quente. Ele tinha respiração.

O zumbi azul era frio, e definitivamente não respirava.

--x—

Ter certeza desse fato que eu já estava considerando era muito pior do que só ter pensado nesse caso.

O zumbi azul podia ser um morto-vivo e ter me desmaiado por asfixia, mas estava obedecendo à algo acima.

E eu estava nos braços do “algo acima”.

Um medo profundo me invadiu, muito pior do que o dos outros, que eu poderia me consolar com um: “No final das contas, isso não existe de verdade.”, “Acho que minha mãe não é doida o suficiente pra nos jogar nesse barranco. Acho.” ou “Tudo bem, esse cara é um feiticeiro do mal, mas está de boas, a única coisa que ele fez foi um mascote zumbi”.

Pelo menos alguma coisa boa aconteceu (imagino eu): meus olhos abriram. Não precisei me acostumar com a luz, já tinha anoitecido e a lua ainda não subira. Perto de mim estava até que claro, mas conforme de distanciava, ficava mais escuro, com ares de assombrado.

“Valente, não sinta medo, você vive em uma casa mal-assombrada”, tentei me convencer.

Peguei fôlego e me virei pro raptor, teria que fazer isso.

Era um garoto (não me diga). Mas não era nenhum demônio ou algo do tipo, era, aparentemente, um garoto normal.

Um garoto playboy, mas normal.

Ele sorria maliciosamente, e, quando viu que eu abrira os olhos, o sorriso se alargou. Os cabelos pretos eram bagunçados, e até que compridos, escorrendo pela nuca até um pouco acima dos ombros. A franja cheia era toda jogada para um só lado, caracterizando ele tipicamente um “emo de um olho só”. O cabelo do outro lado do rosto era preso rente com algumas presilhas em formato de X, só um fio escapava, e caía insistentemente no olho (só dava para ver um) azul. Ele se vestia com uma pesada jaqueta de couro, e parecia muito orgulhoso da sua imagem de encrenqueiro.

Eu sentia que conhecia o rosto, mas, desejando não conhecer, afastei o pensamento.

- Ah, gatinha, então decidiu abrir os olhos?

Considerei dizer que não conseguia antes, mas ele poderia descobrir que não consigo mexer o resto do corpo e me colocar em mais desvantagem ainda.

- O que você quer de mim?

- Ora, ora, que gatinha selvagem, desviando uma pergunta com outra?

- Quem está fazendo isso é você. Me responda: O que quer de mim?

Ele bufou, revirando os olhos. Me soltou. Aliviada, notei que conseguia me sustentar sozinha e estava recuperando os movimentos.

- De você, gatinha, nada. Eu quero algo é dele.

- Dele?

- Sim, dele. Do meu irmão.