Premonição 6: Inferno escrita por Lerd


Capítulo 3
La Muerte Tiene Su Diseño


Notas iniciais do capítulo

Terceiro capítulo postado! Espero que gostem, e ah! Depois tem as (muitas) considerações finais, mas não leiam as notas finais antes de lerem o capítulo ok? Abração! o



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            — Ele não quer sair do quarto. — Hank disse de maneira pragmática. — Eu vou ter que dormir aqui no seu quarto, pode ser? Eu durmo no chão, com alguns travesseiros, não tem problema.

            Jill estava sentada na beirada da cama, com os olhos vermelhos de chorar. Pareceu nem ouvir o que o rapaz dissera.

            — O Seu Vladmir morreu. Ele tá morto, Hank. Ele... — E voltou a chorar copiosamente. O rapaz abaixou-se e abraçou a garota, sem saber o que deveria dizer. Ele não tinha certeza, mas imaginava que, no quarto ao lado, René estava tendo a mesma reação. Ele queria poder ajudar o amigo, mas o ruivo não deixava. A última vez que ele falara fora no carro da Dona Pam, quando eles estavam a caminho do hotel. Bastou que ele entrasse no seu quarto e tudo estava acabado. René não falara com mais ninguém desde então, e Hank só sabia que ele ainda estava vivo porque o rapaz abrira a porta em uma ocasião para pegar a comida que tinham trazido para ele.

            A comida que Pam havia trazido.

            A mulher estava mais preocupada com o rapaz do que o próprio Hank. Ela garantira que eles não precisavam se preocupar com nada: ela cuidaria de tudo. Falaria com a embaixada dos Estados Unidos e providenciaria a volta deles para o seu país. A estadia do hotel, segundo o que Pam descobrira, já estava paga por Vladmir para até dois dias depois do festival de cinema, então eles não precisariam se preocupar com isso.

            — Eu preciso ir lá embaixo ligar pros nossos pais. Você quer que eu fale com a sua mãe? — Hank perguntou. Jill concordou, meneando a cabeça. — Então eu vou indo. Fica bem.

            Jill deu outro abraço no mágico antes de ele sair, e então suspirou. O que aconteceu com você René?

x-x-x-x-x

            Hank caminhava tranquilamente pelo saguão quando alguém o puxou pelo braço. Antes que ele pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, sentiu lábios de encontro aos seus. A garota à sua frente lhe deu um beijo demorado, e ele só percebeu quem era quando ela o soltou.

            Era Cherry.

            — Obrigada, obrigada, obrigada. Eu jamais vou poder agradecer o suficiente pelo que você fez. Você salvou a minha vida.

            O rapaz não podia ver seu próprio rosto, mas teve certeza de que havia corado.

            — Eu... Não... Foi o René. — Ele disse decidido. — O René salvou a sua vida.

            A garota deu com os ombros, sorrindo.

            — Eu tentei falar com ele, mas eu não consegui, ninguém atende ao telefone do quarto. Além do mais foi você quem me tirou de lá. É você que merece todos os beijos do mundo. Se eu tentasse beijar o garoto eu poderia ir presa por pedofilia... — E riu. — Ou apanhar daquela menininha. — E riu mais ainda.

            Hank riu também.

            — Você está hospedada aqui, Cherry?

            A loira pensou um pouco antes de dizer:

            — Cherry? Como você sabe meu... Apelido?

            Droga, eu não tinha parado para pensar nisso. Hank ficou completamente vermelho, e não respondeu.

            — Você já foi ao clube? — A garota perguntou. O rapaz continuou imóvel. — É um clube pra maiores de vinte e um anos!

            Hank não entendeu nada, mas resolveu embarcar na mentira:

            — E você tem quantos anos, Cherry? Vinte e dois?

            — Antes de tudo, me chame de Amanda. Eu sou Cherry apenas quando estou dançando. Aqui eu sou Amanda. E não, eu não tenho vinte e dois anos. Na verdade eu tenho vinte e um. E não, eu não estou hospedada aqui. Eu... Trabalho... E moro aqui.

            O mágico não estava conseguindo acompanhar direito o raciocínio da mulher. Ué, mas ela não era uma atriz? Agora era dançarina de um clube e ainda trabalhava no hotel? Pouca coisa fazia sentido.

            — Eu sou cantora aqui. — Amanda explicou. — Mas vamos tomar um drink. Você me fala mais a respeito de você daí. Topa?

            Hank achava que estava vivendo um pequeno sonho no meio de um enorme pesadelo.

            — Claro. Eu só preciso fazer umas ligações antes. Você me espera no bar? Prometo que não demoro mais do que vinte minutos.

            Amanda concordou, sorrindo. Disse:

            — Feito. Até daqui a pouco... Hank!

            E saiu. O mágico ficou sem entender muita coisa. Ela ouviu quando René pediu que eu tirasse Jill e Vladmir do lugar. Ela ouviu meu nome lá, e ela lembra. E, enquanto sentia um sabor agridoce na boca, caminhou em direção à recepção, decidido a esconder bastante coisa dos próprios pais e dos pais de Jill e René.

x-x-x-x-x

            Chrissie saiu do banho e ligou a TV. Estava passando um noticiário, em que uma bonita repórter de nome Heather Diamond dizia:

            — O acidente aconteceu nesta tarde, há mais ou menos meia hora. O dia estava ensolarado, e ninguém imaginava a tragédia que estava prestes a acontecer. Cerca de duzentas pessoas perderam suas vidas, e quatorze estão feridas, neste que é considerado o maior desastre envolvendo ruínas de civilizações antigas da história. Testemunhas afirmam que viram um pequeno grupo de pessoas sair das ruínas maias de Tulum, na zona turística de Riviera Maya, aqui em Quintana Roo, México, minutos antes de o local desabar. Autoridades afirmam...

            E, apesar de não ter desligado a televisão, desligou-se mentalmente do que a mulher dizia. O acidente fora horrível, e Chrissie achava que não o esqueceria tão cedo. Pessoas choravam e gemiam quando ela voltou com a ajuda que fora buscar. O pior acontecera depois: ela arrependia-se amargamente de ter falado que era formada em enfermagem. Os paramédicos estavam sobrecarregados com a quantidade de feridos, e sem relutar pediram a ajuda da garota. O pior momento do seu dia acontecera quando um garotinho de uns quatro anos de idade morrera nos seus braços após ser retirado dos escombros das ruínas. Se Chrissie fechasse os olhos ainda conseguia ver o rostinho pálido dele, a boquinha entreaberta e ensanguentada clamando pela mãe...

            Era mais do que ela podia suportar. A cabeça doía, as pernas doíam, tudo doía. Era pior ainda quando ela pensava que deveria estar morta àquela hora, se o rapaz ruivo não tivesse lhe roubado a bicicleta. De modo avesso ele salvou a minha vida...

            Tudo o que Chrissie queria era voltar para casa e esquecer tudo o que vira. Ela faria isso naquela mesma noite, se pudesse. Mas não podia. Havia burocracias a se cumprir, e ela só conseguiria comprar uma passagem de volta para os Estados Unidos no dia seguinte.

            Tremeu de frio, quando a janela do seu quarto se abriu. Colocou a mão na testa e percebeu que estava começando a ficar com febre. Mais essa agora... Como se já não houvesse desgraças suficientes...

x-x-x-x-x

            A cena era a seguinte: Brody e Pam estavam sentados de frente um para o outro, no bar do hotel. O garoto mexia desinteressadamente no canudo do suco de abacaxi que acabara de tomar, enquanto a mãe ajeitava a flor em seu cabelo. Naquela noite era uma orquídea negra.

            — Eu vou te contar filho. Tudo. Desde o princípio. É uma história longa, e ela é dolorosa...

            Brody tocou a mão da mãe com delicadeza.

            — Você não precisa me contar mais do que o necessário. Eu confio na senhora. Eu só quero... Entender. Me fala o mínimo, se for preciso. Apenas o suficiente para que eu não fique tão... Perdido.

            Pam sorriu. Meu filho é tão sensível e generoso... Ela nunca o amou tanto quanto naquele momento.

            — Aconteceu em mil novecentos e oitenta e três. Eu tinha quase dezoito anos, e eu estava me formando no ensino médio. É difícil de acreditar, mas naquela época eu era uma excluída. Uma caipira de quem todos tiravam sarro. Eu não tinha muitos amigos, claro. Acho que eu só tinha um colega. O nome dele era Jesse, se não estou enganada. Um bom garoto.

            O rapaz não interrompeu a mãe com nenhuma pergunta.

            — Um dia Jesse e eu decidimos ir numa festa onde estariam os populares do colégio. Era uma espécie de show de rock de uma banda do cara mais cobiçado da escola. O nome dele era Adrian. Adrian Blanc.

            Brody arregalou os olhos.

            — Adrian? Mas esse era o nome...

            — Do seu irmão, eu sei. Eu dei o nome dele em homenagem a esse rapaz. Ele foi o meu anjo da guarda. — E ela deu com os ombros, segurando as lágrimas. — Mas bom, quando nós estávamos no show, o Adrian parou de tocar de repente. Ele disse que havia visto que o lugar iria desmoronar e que todos nós iríamos morrer. Ele disse que tinha “visto em seu pensamento”.

            — Igual o rapaz de hoje...

            Pam concordou, mexendo a cabeça positivamente.

            — Ele então saiu do lugar, junto com vários dos amigos populares dele. Eu... Eu não sei, mas eu acreditei nele. Eu acreditei no Adrian. E eu saí junto com o Jesse.

            — E o lugar realmente desmoronou. — Brody completou a linha de pensamento da mãe, supondo o que ela diria a seguir. — Então por isso você acreditou no ruivinho. Você sabia que ele falava a verdade... — E o rapaz voltou a mexer o canudo do copo. — Isso é muito surreal, mãe. Dá um nó na cabeça.

            — Eu sei, meu filho. — Pam falou. — Eu sei.

            Há alguns poucos metros dali, uma garota estava sentada em um dos sofás do bar, lendo um livro. Ten Little Niggers, de Agatha Christie. Apesar de estar focada na leitura, seus ouvidos estavam atentos a todas as coisas que aconteciam ao seu redor. Ela aprendera a se concentrar em mais de uma coisa ao mesmo tempo. Fora aquilo que salvara a sua vida em mais de uma ocasião. Um casal chamou a atenção dela, então. Eram aparentemente mãe e filho: a mulher, elegante e bem vestida, e o rapaz, encantador. Um príncipe. Desde que eles chegaram ao local, Melissa pôs-se a ouvir a conversa deles, discretamente. A mulher falava alto, então a garota conseguia entender cada sentença que ela dizia. O rapaz era mais sucinto, e Melissa tinha de esforçar-se para ouvir o que ele dizia àquela distância.

            Mas as palavras ditas por eles prenderam a sua atenção como nada mais. O rapaz que havia dito à Pam que o local do show iria desmoronar e eles iriam morrer... Melissa ouvira isso com clareza. Ela ouvira também a parte em que o rapaz encantador disse que os dois acreditaram “no ruivinho”. Melissa tremeu.

            Parecia uma ironia do destino. Uma causalidade que dificilmente aconteceria naturalmente. Uma coincidência improvável... Era como se a própria morte estivesse brincando com ela, colocando-a em um labirinto do qual ela jamais poderia escapar. Sua vida andava em linha reta, mas volta e meia Melissa via-se parada no mesmo lugar, lutando contra um mesmo inimigo mais uma vez. Ela poderia facilmente deduzir que aquele era o seu destino final.

            A lista.

            A morte gostava de brincar com Melissa, mais do que com qualquer um dos outros. Sobretudo com ela.

            Melissa não pensava na lista há dois anos. Desde que ela se salvara junto de Kelsey e Angel, ela esquecera quase que completamente da lista da morte. Ela lembrava-se de Bobby todos os dias, mas era difícil que pensasse em sua própria lista, no Massacre da Babilônia. Ela não chegara a perder ninguém realmente próximo na ocasião. Talvez Skip, mas mesmo assim... Ele era a sua paixonite adolescente, seu primeiro amor. Era alguém que sempre estaria em seu coração, mas não em seus pensamentos. Eu deveria ir visitar o túmulo dele quando voltar para casa. Ele merece que eu faça isso.

            Ela não conseguiria suportar a dúvida. Não pensou duas vezes e fechou seu livro. Foi necessária coragem, mas quando menos percebeu estava em frente à mesa dos dois. Pam olhou para ela com olhos tristes, e Brody tentou sorrir.

            — Sim? Podemos ajudá-la? — A mulher falou.

            Melissa engoliu em seco.

            — Pode parecer loucura...

            Pam tremeu. Ela já estava se acostumando a loucuras.

            — Eu ouvi a conversa de vocês. Foi uma tremenda falta de educação, eu admito, mas eu ouvi vocês. Eu ouvi o que vocês falaram sobre... Premonições.

            Brody abaixou o olhar. Disse:

            — Sente-se.

            A garota não titubeou, e fez o que o rapaz dizia.

            — Aconteceu comigo. Comigo e com o meu irmão antes de mim.

            — Oh! — Pam exclamou, tapando a boca. — Querida, faz quanto tempo desde que isso aconteceu com você? Você está bem, você...

            — Eu estou salva. Eu... Detive a lista. — Pam compreendeu exatamente o que a loira dissera, mas Brody ficou confuso. Quando a mãe percebeu o olhar de dúvida no rosto do filho, ela soube que o que estava procurando esconder dele, fora revelado. O que acontece com as pessoas que estão na lista. Oh, meu pequeno. Meu bebê, meu filho... Eu não posso perder mais este. Eu já perdi Adrian, duas vezes. Eu não posso perder Brody.

            — Espera, que lista? Você deteve uma lista? Do que vocês estão falando? Mãe...?

            Melissa arregalou os olhos.

            — Desculpe, eu achei que você já sabia, que a sua mãe já tinha lhe contado...

            — Não! — Brody exclamou. — Ela não me contou nada, senhorita...?

            — Melissa. — A loira suspirou com a mudança brusca de assunto. — Que falta de educação a minha. Vocês são...?

            — Brody. E Pam. — O rapaz respondeu por si mesmo e pela mãe. Em seguida virou-se para a morena e perguntou: — Mãe, o que você está escondendo de mim? Me conta tudo, por favor. Confia em mim. Confia em mim como eu confio em você.

            E Pam soube que o momento da verdade enfim chegara.

x-x-x-x-x

            Helena apagou a luz do abajur e deitou-se ao lado de Marsellus.

            — O Ravin ganhou o torneio de tênis. — Ela disse. — A mamãe me disse que foi um jogo emocionante. Eu sinto por não estar lá para ver o sucesso do meu filho.

            A expressão no rosto de Marsellus era uma incógnita. Ele falou:

            — Amanhã nós voltamos para os Estados Unidos e você parabeniza o garoto. Compramos um presente pra ele, também. Alguma coisa cara e que estrague rápido. É disso que os garotos gostam.

            A mulher não sabia se concordava com aquilo.

            — Eu sinto muito pelo negócio. Eu não sabia que aqueles investidores seriam tão... Indelicados. Rudes.

            Marsellus riu sarcasticamente.

            — Rudes. É uma ótima maneira de colocar a questão. — E enquanto Helena virava o rosto na direção dele: — É uma ótima maneira de chamar aqueles filhos da puta conservadores e hipócritas. Aqueles ratos do sistema...

            Helena tocou o peito nu do homem com delicadeza, e disse calmamente:

            — Fique calmo. Eles não eram nada. Nós não precisamos deles, nossos negócios estão indo às mil maravilhas...

            O loiro virou o rosto na direção da mulher, e, com os rostos quase colados, disse:

            — Não foi o fato de o negócio não ter dado certo que me frustrou. Foram os motivos. Quero dizer... Uma coisa pessoal, uma coisa da minha vida e que não interessa a ninguém... Foi isso que estragou tudo. E... — O homem parecia ter voltado a ficar bastante nervoso. — Eu não consigo entender.

            A loira deitou no peito do homem, sentindo o calor da pele dele. Sabia que o que iria falar era arriscado, mas falou mesmo assim:

            — Você pode não gostar do que eu vou falar, mas... Eles não queriam ter o nome da empresa deles associado a escândalos. Não queriam ter o nome da marca deles associado... A você, Marsellus. — E Helena sentiu o movimento de respiração do peito do homem aumentar. Ele sempre respirava mais rápido quando estava furioso, e isso acontecia com bastante frequência.

            Helena não precisava citar o incidente ao qual se referia. Acontecera há alguns meses. Marsellus apresentara, há anos atrás, um reality show com aspirantes a chefe de cozinha. O programa tinha baixa audiência, mas fizera o homem tornar-se notório na mídia. Ele era famoso por seus discursos brutais e por suas críticas impiedosas aos participantes. Fora através do programa que ele ficara, pelo menos nacionalmente, conhecido.

            E então sua liberdade foi privada. Marsellus nunca escondeu de ninguém o seu gosto por mulheres e homens, mas uma coisa era isto ser sabido, a outra era isto ser visto. E num belo dia ele desfrutava a companhia de seu novo caso, um jovem atraente de nome Piers, em um restaurante de Milão, quando foi flagrado com o rapaz. A notícia pipocou em diversos sites de fofoca, e logo se tornou pauta de programas de baixo calão. Tudo acabaria aí, uma fofoca qualquer, não fosse o fato de que o rapaz mentira a sua idade para Marsellus, e era, na verdade, menor de idade. Os alegados vinte e um anos eram apenas míseros dezesseis.

            A repercussão do assunto foi a pior possível. Marsellus foi brutal e publicamente atacado, e, embora o resultado na justiça tivesse sido favorável, a opinião pública sobre ele estava formada, e ele jamais conseguiria mudar isso. O incidente havia causado pouco dano financeiro a ele, porém. Isso até aquele dia em Cancun. Era verdade que ele e Helena não precisavam do dinheiro daqueles investidores. Mas seriam eles os únicos? E se a notícia do não apoio se espalhasse e em breve todos temessem investir nos restaurantes Hellus? Era isso o que mais assustava o homem. O fracasso e a humilhação.

            — Eu não devia ter descontado a minha frustração naquele rapaz. — O homem declarou. — Não era culpa dele o que aconteceu conosco. Ele não tinha culpa nenhuma. Eu... Excedi-me. Mas ele me irritou, naquele momento. Ele queria chamar a atenção, queria fazer uma ceninha... Meu dia já estava ruim o suficiente sem aquele pirralho...

            Helena concordou com a cabeça, embora Marsellus não pudesse ver por causa da escuridão do quarto.

            — E o velho... O avô do garoto...

            A mulher não precisava ser lembrada daquilo. Quando a pedra acertou o velho em cheio, e o sangue espirrou... Helena ainda conseguia sentir o gosto do sangue do homem em sua boca. Ela estava boquiaberta quando tudo ocorreu, e o líquido vermelho espalhou-se por todo o seu rosto.

            — No fim isso foi bom. — Helena disse. — Nós teríamos ficado nas ruínas se você não tivesse atacado aquele pobre menino. Isso salvou as nossas vidas.

            Marsellus deu com os ombros.

            — É verdade. Mas mesmo assim eu me arrependo. Eu vou falar com ele amanhã, pedir desculpas e perguntar se posso fazer algo por ele. Pagar o implante de um novo dente, pelo menos. É o mínimo.  — Helena concordava com todas aquelas palavras. — Ele está nesse hotel, não é?

            — Sim. — A dama concordou. — Não lembro o quarto, mas podemos ver na recepção amanhã. O amigo dele me falou que o registro está no nome de Vladmir Giamatti. Eu ofereci carona a eles, mas eles não aceitaram.

            O loiro riu.

            — Na certa ficaram com medo de irem de carro comigo. — E soltou uma gargalhada assustadora. — Bom, vamos dormir minha rainha. Teremos um dia longo amanhã.

            Helena concordou. Marsellus virou-se de costas, e a mulher aproximou-se dele, abraçando-o por trás. Dormiu sentindo o calor da pele do homem que mais amava e que, paradoxalmente, mais temia...

x-x-x-x-x

            — Tio, o senhor tem certeza de que isso é seguro? — O rapaz perguntou receoso. Acima dele havia apenas a escuridão, com poucas estrelas iluminando o céu de Cancun.

            Aaron revirou os olhos.

            — Não, eu não tenho. E essa é a beleza da coisa.

            Já era tarde da noite, e Aaron e o sobrinho estavam dentro de uma lancha, navegando pelas águas do mar. A lancha era bastante elegante e cara. No chão dela havia um piso de vidro retrátil, que servia para que eles pudessem pescar de dentro da embarcação. Fechado, o vidro permitia que eles vissem o que se passava debaixo deles, o movimento das águas...

            — Eu não acho que deveríamos fazer isso.

            — Ah, qual é, Pod! Você se preocupa muito com as coisas. Se eu quisesse alguém me aconselhando a não fazer as coisas, eu tinha trazido a patroa ou a sua mãe, aquela chata. Mas eu trouxe você, o meu sobrinho divertido. Não me decepcione, rapaz.

            O tal Pod concordou com um aceno, e Aaron pediu ajuda ao sobrinho para fechar o seu traje de mergulho. Nas costas havia um tanque de oxigênio que o manteria debaixo d’água por vários minutos. Em suas mãos estava uma lanterna à prova d’água para que Aaron pudesse observar tudo o que gostaria.

            — Essa é a válvula de liberação de oxigênio. Se estiver com problemas, libere devagar para uma subida gradual. — Pod explicou ao tio. Ele já estava acostumado com aquele tipo de aventura, então sabia todos os procedimentos.

            — Tá, tá, eu já sei de tudo isso, Podrick.

            O rapaz deu com os ombros.

            — E tenha cuidado. — Pod disse, por fim.

            E Aaron mergulhou.

x-x-x-x-x

            Chrissie tremia debaixo das cobertas. A TV exibia um documentário qualquer a respeito de uma mulher insatisfeita com o seu corpo. A garota já havia acabado com uma tigela de sopa que pedira ao serviço de quarto do hotel, mas aquilo não parecia ser suficiente para abaixar a sua febre.

            Para falar a verdade, Chrissie apenas achava que era febre. Não tinha medido sua temperatura ainda para ter certeza. Decidiu-se que era isso o que faria, então. Empurrou as cobertas para o lado e se levantou, caminhando lentamente e sentindo o delicado carpete do chão contra seus pés nus. Ela usava apenas uma camiseta e uma calcinha.

            — Termômetro, termômetro... — A garota murmurou, enquanto vasculhava a sua maleta de primeiros-socorros. Ao lado dela estava um esqueleto falso de tamanho real, que Chrissie ganhara de seu professor quando se formara em enfermagem. Era um presente bobo, jamais teria alguma utilidade prática, mas ela achava engraçadinho e divertido. Dava-lhe sorte. Além disso, quando desmontado, ocupava pouco espaço. Não era grande empecilho trazê-lo, especialmente quando ele a fazia lembrar-se um pouco de casa.

            O telefone tocou no exato momento em que Chrissie encontrou o termômetro. A garota assustou-se e derrubou o objeto no chão.

            — Droga!

            Chrissie pegou o termômetro do chão e o avaliou por alguns segundos. Por sorte não havia quebrado. O que ela não percebeu foi uma minúscula rachadura na parte debaixo do vidro do objeto. Um buraco pequeno, mas o suficiente para que o mercúrio dentro do termômetro vazasse.

            — Alô? — Ela disse, ao atender ao telefone.

            Era a sua mãe. A mulher falou por muito tempo, mas então desligou. Ela queria saber se a filha estava bem, e se ela sabia do furacão que estava prestes a chegar a Cancun. Chrissie não sabia, mas naquele momento estava tão cansada que não se importava. Que viessem furacões, terremotos, erupções e tsunamis. Sua febre era mais importante no momento. Quando conseguiu, voltou a lidar com a sua indisposição.

            Verificou o termômetro por mais alguns segundos. Bufou. E então o colocou na boca.

x-x-x-x-x

            Em seu quarto, René desenhava com fúria. Não sabia o motivo, mas desenhava. Era como se algo o estivesse forçando a fazer aquilo. Como se alguma força sobrenatural o obrigasse a desenhar. Ele pegara a primeira caneta e o primeiro pedaço de papel que encontrara. Estava sentado no chão, desenhando da melhor maneira que conseguia.

            Esporadicamente ele cutucava o buraco do dente que havia perdido, com a língua, para se distrair. Aquilo estava se tornando quase que um TOC. René não percebia, mas mesmo enquanto desenhava, repetia o gesto.

            Quando terminou, se pôs a avaliar o resultado de sua obra abstrata.

            Eram dois desenhos. O primeiro era um símbolo, um símbolo estranho. Era um círculo, parecido com o yin-yang, mas formado por flechas. René não conhecia aquele símbolo de lugar algum. Já o segundo desenho era o de um esqueleto. O ruivo não tinha dom para o desenho, então parecia apenas um monte de rabiscos que deveriam representar ossos, mas o rapaz sabia o que deveria significar.

            O que está acontecendo comigo? Primeiro a visão, e agora isso... Eu... Eu não posso ficar assim. Eu preciso de ajuda. Eu preciso saber o que está acontecendo comigo. Tem de haver uma razão...

x-x-x-x-x

            Embaixo da água, Aaron iluminava a lanterna em diversos pontos, avaliando os animais marinhos. Havia muitos peixes, corais, anêmonas e até uma espécie de tubarão que era inofensiva. O rapaz inclusive tocou o bicho durante breves segundos, antes que percebesse o quão imprudente estava sendo. Então se afastou, nadando para longe. O delicado toque das águas límpidas cobriu o símbolo em seu tanque de oxigênio: um círculo de yin yang formado por flechas.

            Não percebeu quando passou ao lado de uma espécie de estátua que estava afundada há, aparentemente, muitos anos. Era uma estátua de Poseidon segurando seu tridente. Aaron passou muito perto, e o tridente esbarrou na válvula que liberava o oxigênio para que o homem subisse até a superfície.

            A válvula que Podrick instruíra que deveria ser lentamente aberta.

            Aaron só conseguiu arfar, tendo seu ruído abafado pela máscara de oxigênio.

            E então sentiu o impulso. Ele estava subindo até a superfície com uma velocidade absurda, e quase não conseguia ver nada ao seu redor. Apenas o azul, o azul... E então ele bateu com força no chão de vidro da lancha.

            Praticamente não sentiu o impacto. Quando sua cabeça encontrou-se com o chão, o vidro estilhaçou-se. Cacos perfuraram todo o rosto de Aaron, furando suas bochechas e seus olhos. Pedaços menores foram engolidos pelo homem, e naquele momento cortaram seus órgãos internos. Um último estilhaço, maior, foi o fatal: cortou a sua garganta com brutalidade. O sangue espirrava em rubros e constantes jatos.

            Enquanto Podrick gritava, a lancha seguia seu curso, deixando um rastro de sangue pelo caminho.

x-x-x-x-x

            Chrissie sentiu o mercúrio descendo por sua garganta quando ela colocou o termômetro na boca. Queimava, ardia. Ela, como uma boa enfermeira, sabia o que estava acontecendo e quais seriam os resultados. Quais seriam as consequências.

            Cambaleando, correu até o banheiro. Em sua cabeça, a frase era clara.

            Elemento mercúrio: Altamente tóxico e potencialmente fatal se ingerido.

            A morena colocou o dedo na garganta e começou a tentar vomitar o líquido. Cuspia o máximo que podia, e sentia todo o seu corpo queimando. Por fim conseguiu vomitar um pouco, e viu o líquido vermelho na pia. Não era o mercúrio.

            Era o seu sangue.

            Chrissie cambaleou até o telefone próximo do esqueleto. No chão estava o vidro vazio do termômetro, com algum mercúrio espalhado no chão. A garota não percebeu, e tropeçou nele. Escorregou.

            E caiu, dando um último abraço em seu esqueleto.

            O objeto e a garota caíram juntos, entrelaçados, literalmente abraçados. Quando o corpo dela chocou-se contra o esqueleto, as costelas do enfeite perfuraram a barriga da garota, saindo pelas suas costas. Chrissie inspirou fortemente uma última vez, e então morreu.

            A cena era poética. Chrissie, morta, estirada no chão, em cima de um esqueleto. A cabeça da morena repousava delicadamente em cima do crânio, da caveira. O sangue escorreu até formar uma delicada poça ao redor da garota, que era refletida pelo fraco brilho da televisão.


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Notas finais do capítulo

E dois foram mortos! XD Dessa vez eu decidi ser mais dinâmico e fazer algo diferente. Claro, eu já matei dois personagens num mesmo capítulo (Eric e Roxy, Trish e Tiffany, Cassie e Sherry, Kelly e Nikki), mas nunca com acidentes acontecendo AO MESMO TEMPO. Com Eric/Roxy e Trish/Tiffany foi um acidente só que matou ambos. Já com Cassie/Sherry e Kelly/Nikki foram acidentes que aconteceram um após o outro, apesar de no mesmo capítulo. Dessa vez quis fazer dois acidentes diferentes acontecendo ao mesmo tempo, estilo o de Janet e Hunt em Premonição 4, sabem? Espero que tenha ficado bom :D
Além disso, esse é o "debut" de Melissa na fic. De agora em diante ela é presença garantida em todos os capítulos :D
E ah! Eu espero que o motivo de Marsellus atacar René tenha ficado bom. Ele não foi "de última hora", e estava pensado desde quando bolei a trama da fic e quais personagens escapariam. Então espero realmente que tenha ficado satisfatório.
Esse capítulo tirou MUITO do foco de René. E era necessário. Em geral meus protagonistas sempre carregam a fanfic e a trama nas costas, mas eu decidi que dessa vez não seria assim. Eu já utilizei o recurso do visionário não ser o protagonista (na fic 3, com Kelsey tendo a visão e Melissa sendo a protagonista), e dessa vez quis utilizar um novo recurso: René está perdido. Não é ele que vai atrás das respostas, não é ele que procura saber sobre as coisas. Ele acabou de deixar de ser uma criança. Além disso existem duas estrelas na fanfic, Pam e Melissa, e eu não posso ignorá-las. Por isso o spotlight foi retirado do René nesse capítulo, e eu sinto que é certo. Ele continuará sendo um personagem de enorme destaque, mas terá de dividir as atenções com Melissa, Pam, Hank e os outros, para que a fanfic corra como eu preciso e quero que ela ocorra.
E ah! As mortes de Aaron e Chrissie foram retiradas diretamente do gibi Final Destination: Spring Break. Os desenhos de René também foram retirados do gibi, embora nele não haja desenho da morte da garota do mercúrio. A protagonista de Spring Break, Carly, desenha apenas o símbolo do yin yang com as flechas, que, no gibi, é de um motor que mata outro personagem, não o símbolo da morte do mergulhador. ^^
Uma imagem da morte que me inspirou a escrever a morte da Chrissie: http://images2.wikia.nocookie.net/__cb20100503214349/finaldestination/images/thumb/4/4e/KatieDeath.jpg/370px-KatieDeath.jpg
E uma imagem da morte que me inspirou a escrever a morte do Aaron:
http://images3.wikia.nocookie.net/__cb20100428205223/finaldestination/images/a/a7/GinoDeath.jpg
Por último: a trama do futuro voltará a ser abordada no capítulo 6, pra quem está curioso em saber. E eu planejei inicialmente 14 capítulos pra essa fanfic (ao invés dos tradicionais 10) então haverá tempo pra desenvolver Quinn e cia. sim :D
Abração, e espero que comentem e gostem! :D