Premonição 6: Inferno escrita por Lerd


Capítulo 13
Elo


Notas iniciais do capítulo

Bom, cá estou. Acho que esse foi o recorde de tempo entre um capítulo e outro, mas realmente a agenda está apertada. Tanto que estou devendo ler capítulos das fanfics de pelo menos três de vocês. Mas farei isso muito em breve, acreditem! Peço uma coisa à vocês, também: esse capítulo foi editado logo após eu tê-lo escrito, logo, como minha cabeça estava nele, alguns erros podem ter passado despercebidos. Se perceberem algum POR FAVOR me avisem! Eu ACHO que está tudo certinho, mas nunca se sabe né? A tradução do nome do capítulo é "Elo", em japonês!Bom, é isso. Espero que gostem e comentem :D



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Chelsea tomava banho dentro da nave que a levaria até China-7. Yohann estava do lado de fora fazendo qualquer outra coisa. A oriental tremia de medo a cada vez que ficava nua. Delineava com a ponta dos dedos de maneira delicada as cicatrizes que ganhara. Os cortes em seu corpo foram profundos, mas poderiam ser facilmente removidos com cirurgia plástica a laser. Mas Chelsea não queria. Aquelas eram cicatrizes de uma sobrevivente e, embora ela não quisesse que o mundo soubesse do ocorrido, serviam-lhe como uma medalha de honra.

Mas eu não teria sobrevivido sem o Chris.

Era verdade. A garota amava o irmão mais do que palavras podiam expressar. Desde criança ele fora o seu mentor, o seu protetor, o seu guia. Os pais os abandonaram muito pequenos em um depósito de robôs, e eles foram criados pelos gigantes cibernéticos. Um depósito de robôs era como um asilo para quando as máquinas humanoides se tornavam ultrapassadas, inúteis. Quase como um ferro velho. Esses lugares costumavam cuidar de todo tipo de excluídos: mendigos, órfãos, outros robôs “caducos”... E foi nesse ambiente que Chelsea e Chris cresceram. Criados por robôs velhos, mas que sabiam amar de maneira como nenhum humano na vida deles jamais soube. E a garota era grata por isso todos os dias de sua vida. Talvez fosse por isso que o irmão dedicara a vida a criar inteligências artificiais que jamais ficassem ultrapassadas e precisassem ser mandadas para esses asilos.

A garota terminou de retirar o sabão de seu corpo e passou delicadamente a mão na tela touch que controlava o chuveiro, desligando-o. Do outro lado da porta, ouviu Yohann dizer:

— A doutora Rosetti quer que nós voltemos. Eu não consegui entender o motivo, já que nós perdemos sinal com ela. Eu acho que acabou a energia da Colmeia.

A oriental replicou:

— Você não podia esperar eu sair do banho para dizer isto?

— Eu acho que sim. — O homem disse, e Chelsea imaginou que ele tivesse ficado envergonhado.

Já vestida e perfumada, Chelsea encontrou-se com Yohann na sala de controle da nave. O homem pareceu belo para a garota, pela primeira vez. Ela nunca tinha reparado nele, discreto e silencioso como uma sombra. Mas ali, sozinha com ele, era fácil perceber as suas qualidades. Para começar, Yohann era alto. Mais alto do que qualquer homem que Chelsea havia visto em sua vida, inclusive um palmo mais alto que o próprio Dallas. Além disso, Yohann parecia ter um corpo musculoso por baixo de sua farda, e isso excitava a oriental. O rosto também não era de se jogar fora, embora não fosse nem de longe seu melhor atributo: o nariz era bastante grande e reto, a boca fina e dura, os olhos estreitos e escuros, o maxilar quadrado e nenhum sinal de barba. Os cabelos eram castanhos claros, mas estavam grisalhos em alguns pontos, mesmo o homem tendo apenas vinte e nove anos, um ano a mais do que ela.

Mas nada chamava mais a atenção do que as suas mãos.

Eram grandes, enormes. Chelsea imaginou como seria ter aquelas mãos percorrendo seu corpo, acariciando seu rosto... Para, Chelsea. Isso deu totalmente errado da última vez. Para. Você só vai conseguir causar mais confusão. Você não pode ser sensual. Você não pode. Homens são animais. Todos eles são porcos, com exceção de Chris.

— A doutora Rosetti quer que nós voltemos? — Chelsea perguntou, olhando diretamente nos olhos de Yohann.

— Sim. — Ele respondeu. — Antes de perdermos o sinal eu a ouvi dizer que mandaria outra equipe, e que precisava de nós na Colmeia.

Chelsea estava frustrada.

— Isso não faz sentido. Se a “maldição” — e a garota disse essa palavra fazendo as aspas com os dedos — do garoto do corpo está acontecendo conosco, nós precisamos ser rápidos. Nós estamos a poucas horas de China-7. Fazer-nos voltar e trazer outra equipe é loucura, por mais necessários que nós sejamos na Colmeia. Não. Eu acho que devemos arriscar. Inventar uma desculpa e dizermos que não foi possível voltar no momento.

Yohann estava surpreso. Sorriu maliciosamente e disse:

— Mentir pra chefe? Uau, você é uma menina má, Chelsea.

E ele então olhou diretamente para as coxas nuas dela. A oriental usava apenas uma saia de pregas que ia até um pouco acima do joelho. Seu uniforme lembrava o de uma colegial japonesa de séculos atrás, e ela gostava de se vestir assim. Aquela roupa, a seus olhos, a infantilizava. Chelsea achara durante muito tempo que vestir-se assim a deixava menos sexual, mais infantil. Descobrira que estava completamente errada na noite em que a gangue de piratas espaciais a estuprou sem piedade.

Mas ela não desistira de seu vestuário. Estava a dois anos dos trinta, mas jamais permitiria que um trauma a impedisse de viver sua vida da maneira como gostaria. Já está na hora, Chelsea.

Yohann então disse, de repente:

— Isso pode soar inapropriado, mas... Você está muito...

— Muito...? — A garota disse, inclinando-se perigosamente na direção do homem.

Yohann calou-se. Sentiu um movimento em suas calças, e engoliu em seco.

— Muito... — Chelsea olhava diretamente em seus olhos. — Você está gostosa pra caralho.

A oriental desistiu. Não pensou em mais nada. Em um segundo todos os seus medos, traumas, convicções, anseios, filosofias, ideologias, razão... Tudo aquilo cedeu ao seu incontrolável desejo de ter seu corpo nas enormes mãos de Yohann.

x-x-x-x-x

A porta atrás de Sierra fechou-se com um baque surdo. A mulher tremeu de frio. A sala de Quinn Rosetti era sempre fria. Talvez fosse por isso que a outra doutora vivesse sempre de mau humor. O frio não é bom, concluiu a doutora Ghosh, ligando o sistema de aquecimento da sala.

Do outro lado do vidro, dentro da capsula e visível através de um telão, estava Natalie. A garota dormia tranquilamente, deitada e serena. Sierra estava ali para isso: para vê-la. Queria que fosse possível tocá-la, mas sabia que Natalie “morreria” se ela fizesse isso. A garota era uma espécie diferente de inteligência artificial. Ela não fora criada como um robô comum e de especialização e trabalho, como Dallas. Ela era frágil. Natalie ficava dentro de sua capsula vinte e quatro horas por dia, e caso fosse desconectada dos tubos que a mantinham suspensa, seu sistema se autodestruiria no mesmo instante, metaforicamente matando-a.

Por quê?, Sierra se indagou. Ela fora a responsável pela criação da garota, mas a decisão de criá-la como uma inteligência artificial de tubo fora de Quinn. Ainda nos estágios iniciais, quando a doutora Ghosh planejava o projeto, a doutora Rosetti fora enfática:

— Ela não poderá sair do tubo. Natalie será muito valiosa, nós não podemos correr o risco de vê-la sair daqui. Por isso eu preciso que você faça isso para mim, doutora. Preciso que crie um dispositivo capaz de destruir Natalie caso ela seja retirada de sua capsula. Você pode fazer isso para mim?

Adiantava dizer não? Não, não adiantava. Se Sierra se recusasse, o projeto parava. Ela precisava do aval de Quinn. E fora assim que a doutora tomara a decisão mais dura de sua vida: a de manter a sua criação, a sua garotinha, presa para todo o sempre. No começo, Sierra achara aquilo positivo. Não queria (e não podia) se envolver com a menina. Não poderia criar laços. Ela tinha a aparência humana, sim, mas não passava de uma máquina. Uma máquina criada para o nosso benefício. Para o benefício humano.

Mas a teoria era muito mais simples do que a prática.

A cada etapa de desenvolvimento, o sentimento maternal de Sierra por Natalie crescia. A cada fio de cabelo projetado, a cada unha criada, a cada escolha estética... A doutora Ghosh sentia-se dando à luz. Por ironia, a robô fora inicializada nove meses após a sua finalização. Foi exatamente como um parto.

Sierra nunca pensara muito em como uma família lhe faria falta. Quando jovem, tinha um sonho de construir uma carreira. Conseguira. E os anos se passaram e quando ela percebeu, não havia mais espaço para uma família em sua vida. E ao mesmo tempo surgiu a solidão. A doutora sabia que ainda era nova e que poderia ter um filho se quisesse, mas... Será que queria? A ideia de ter alguém para amar incondicionalmente lhe parecia agradável, mas ao mesmo tempo a ideia de colocar uma vida no mundo lhe parecia aterrorizante. Ser responsável por um ser humano, ter de cuidar dele, de alimentá-lo, ter de impedir que nada de mal lhe acontecesse... Era tudo muito assustador.

Natalie fora criada mesmo assim. E, apesar de saber que não deveria, Sierra a via como sua filha. Como a vida pela qual ela era responsável e a qual deveria amar incondicionalmente.

— Minha filha... — A mulher disse, tocando levemente o vidro da capsula onde Natalie estava.

x-x-x-x-x

Boo consultava dados no visor de seu dispositivo holográfico de maneira displicente. Dallas estava atrás dele, deitado na cama, o abraçando por trás. O doutor Murphy reclinou-se encostando as costas no peito do robô, e continuou distraído com as informações que lia. Disse:

— Você sabia que o casamento inter-racial não era permitido em vários estados dos Estados Unidos até 1965? E que o casamento entre pessoas do mesmo sexo só foi aceito em todo o país em 2014?

— Isso é assustador. — Dallas comentou. — Isso é há poucos séculos atrás. Eu não consigo conceber a ideia de pessoas não terem o direito de se casarem com quem bem entenderem.

Boo surpreendeu-se um pouco com a fala do robô.

— Não consegue? Pois e nós? Nós não podemos nos casar.

Dallas pareceu então entender a informação. Ele fica tão fofo quando está confuso. Aí está uma falha, doutor Holt.

— Isso é verdade. Nossa.

— O que foi? — Boo perguntou, ao perceber a reação do robô.

— Nós podemos ser pioneiros. — Dallas disse, com os olhos brilhando. — Quero dizer, isso é uma questão evolutiva, certo? Ao menos me parece. As civilizações vão se desenvolvendo, e vão percebendo que toda forma de amor é válida. Aconteceu com o casamento inter-racial, a união homoafetiva... E se o próximo passo é a união entre homem... — Ele apontou para Boo. — E máquina? — E apontou para si mesmo com orgulho.

— Algumas pessoas podem considerar isso uma parafilia. Tipo estar atraído por um sofá.

O robô então se ergueu, fazendo Boo se afastar. O doutor olhou para Dallas, e ele parecia ter se sentido ofendido. Boo disse:

— Eu disse algo de errado?

Dallas bufou.

— Você me comparou a um objeto. Me comparou a um sofá!

Boo riu.

— Me desculpe. O que eu quis dizer é que... Bom, nós estamos um pouco a frente do nosso tempo, é só isso. E tudo bem, a analogia foi errada. Você tem o aspecto humano. Sentir-se atraído por você é completamente normal.

E então o doutor Murphy deu um beijo em Dallas. O robô disse:

— Você me parece preocupado, e eu arriscaria dizer que o motivo não é a não-legalização da nossa união.

Boo concordou com um aceno de cabeça. Dallas voltou a se deitar, e o doutor deitou ao lado dele. O robô rapidamente passou seu braço por baixo das costas de Boo, o abraçando.

— É aquilo que a Natalie viu. Aquilo relacionado à história do garoto...

Dallas compreendeu rapidamente.

— Você não precisa se preocupar por enquanto. A doutora Rosetti disse que tudo está sob controle. Que ela vai arranjar uma saída. Ela nos garantiu isto.

— E se ela não arranjar Dallas? E se nós formos realmente morrer? Eu não... Eu não quero morrer... Eu não quero te perder... — E Boo beijou o robô mais uma vez. Dallas retribuiu o gesto com delicadeza, e o doutor viu o exato momento em que as calças do robô sofreram uma leve movimentação. Eu ainda não entendo como Chris deixou “isso” na formatação final. Se eles não permitem que nos afeiçoemos aos robôs, então porque nos tentar dessa forma? Boo não tinha certeza se os outros robôs também podiam sentir e demonstrar... Aquilo... Mas imaginava que sim. O desejo sexual. Talvez a maior distração humana e, de alguma forma, esses robôs também possuem. Bela porcaria que você criou, Chris. Eles são basicamente humanos. Com suas qualidades e especialmente como seus defeitos.

— Nós não vamos morrer. — Dallas disse categoricamente, em sua voz quase gutural. — Eu não vou deixar que você morra.

E então o robô beijou o doutor mais uma vez, dessa vez com mais intensidade. E antes que Boo pudesse tomar uma decisão mais racional, o ato já estava acontecendo. Naquele momento não havia proibições, não havia lista da morte.

Havia apenas ele e Dallas.

Doutor, doutor, preciso muito de você, querido

Doutor, doutor, onde você está? Me dê algo

Eu preciso do seu amor, eu preciso do seu amor, eu preciso do seu amor

Você tem esse tipo de remédio que me mantém vindo?

Meu corpo precisa de um herói, venha e me salve

Algo me diz que você sabe como me salvar

Eu tenho me sentido muito estranho

Oh, eu preciso que você venha e me resgate

Me faça voltar a vida

Venha e me excite

Toque-me, salve minha vida

Venha e me excite

Eu sou jovem demais para morrer

Venha e me excite

Me excite, me excite

Me excite, me excite

Oh você faz isso, faz isso direito

Minha temperatura está super alta

Se eu gritar, se eu chorar

É só porque eu me sinto vivo

[...]

(Turn Me On – David Guetta feat. Nicki Minaj)

x-x-x-x-x

Chelsea encaminhava as mãos de Yohann para seu rosto de maneira quase instintiva. A maneira como ele acariciava as suas cicatrizes... Era quase como se aquilo o excitasse. A oriental gemia e estendia os braços, empurrando qualquer coisa que estivesse ao seu lado em cima da mesa de controle da nave.

Lá vai ele

Meu amor caminha tão devagar

Tic-tac sexual

Sim, eu sei que nós dois sabemos

Que essa não é a hora, não

Mas você poderia ser meu?

Nunca iremos tão longe

Apenas você, eu e o bar

Um simples ménage-a-trois, às vezes

Você seria meu?

Oh baby, acenda a luz

Mas sua mãe não está em casa

Estou cansada de me deitar sozinha, hey

Com esta febre, febre, yeah

Meu primeiro e único

Quero te pegar sozinho

Te causar uma febre, febre, yeah

[...]

(Fever – Adam Lambert)

Chelsea não percebeu quando apertou, com seu cotovelo, um botão azul do painel de controle. Yohann também não. O homem então retirou a garota da mesa, enquanto ela se dependurava nele, com seus braços ao redor do pescoço do homem. Yohann andou alguns metros, e em seguida encostou Chelsea na parede de metal ao lado da porta metálica que dava para o lado de fora.

Para o infinito.

O homem fazia movimentos de vai e vem, e Chelsea parecia não perceber nada ao seu redor. Ela ergueu os braços e sem querer tocou a tela responsável por terminar de abrir a porta metálica.

E então aconteceu.

A porta ao lado da garota se abriu e sugou-a para fora com uma facilidade absurda. Yohann não teve nem tempo de observar o que acontecera: em um momento Chelsea estava ao lado de si (e ele dentro dela), e no outro ela desaparecera. O homem rapidamente fechou a porta, antes que tivesse o mesmo destino, e olhou para fora através da janela.

Não conseguiu vê-la. Jamais conseguiria.

Chelsea fora sugada para fora da nave, fora sugada para o infinito do espaço. O homem não conseguia imaginar como seria morrer daquela forma. Como seria... Morrer.

Subitamente, as lembranças do garoto vieram à sua mente. A lista da morte, a visão que Natalie tivera, o aviso de Quinn para que ele voltasse. Está acontecendo. Está realmente acontecendo. Chelsea está morta. CHELSEA ESTÁ MORTA.

— Chelsea está morta. — Ela disse em voz alta, e só então pareceu cair a ficha do que havia acontecido. Ela morreu, ela morreu. Ela foi sugada pra fora. Ela está morta, Yohann. Morta.

O homem então caiu sentado no chão. Ainda estava nu, e o contato de sua pele com a superfície gélida e metálica da nave o fez ter um choque de realidade. Yohann caminhou, ainda sem roupas, em direção ao painel de controle. Em segundo as coordenadas para voltar até a Colmeia foram digitadas e a nave seguiu seu curso. O doutor então ligou seu comunicador. O sinal voltara.

— Doutora Rosetti? — Ele disse timidamente. Chelsea está morta. Ela morreu trepando com você. Como você vai explicar isso garanhão?

Doutor Cutler! Finalmente nós reestabelecemos contato! Como está indo a viagem de volta de você e da Holt?

Yohann engoliu em seco.

— Bem, doutora... Bem... É só que... A Chelsea...

Sim? — Quinn falou. — O que tem Chelsea?

O rapaz então suspirou. Disse pragmaticamente:

— Ela está morta.

x-x-x-x-x

Chris estava deitado no sofá da sala de controle de maneira desajeitada. Quinn estava próxima do painel de controle, e acabara de receber o aviso de Yohann. Um filme passou pela sua cabeça. A primeira já foi. E então eles eram seis.

Quinn desligou o aparelho sem despedir-se.

— E então? Eles estão voltando? — Chris perguntou de maneira preocupada. — A Chelsea está bem, certo?

A doutora não respondeu. Aquilo foi o suficiente para que o Samurai percebesse o que estava acontecendo.

— Você me disse que não tinha certeza sobre a ordem. Disse que podia ser qualquer um de nós. Você disse que a Chelsea e o Yohann deveria voltar por precaução!

Quinn estava assustada. Chris gritava com ela de maneira furiosa. A doutora sabia como o Samurai era honrado e como jamais tocaria em um fio de cabelo dela, mas era difícil se sentir segura com ele naquele estado. Ele parece um animal.

— Eu não sei, Chris... — Assim que as palavras saíram, a doutora percebeu como havia chamado o homem pelo seu apelido. Droga. — Eu não sou a responsável por isso. Eu não vi coisa alguma, eu...

— Claro que você viu! — O homem gritou, quase em cima da doutora. — Você viu a visão de Natalie. Você viu este acidente. Como você pôde ser tão relapsa...?

Quinn não sabia como responder a nada daquilo. Ela sabia que não tinha culpa por coisa alguma, mas não sabia como dizer aquilo para Chris. O homem estava irado, a ponto de explodir.

— Me libere uma nave. Eu preciso ir buscar o corpo da minha irmã. — Chris disse, quase ordenando à Quinn que fizesse aquilo.

— Eu receio que não seja possível... — A doutora disse. — O Yohann já está voltando com a nave e...

— E...?

— E o corpo da sua irmã foi sugado para fora dela. A Chelsea caiu no espaço. Não existe mais corpo.

x-x-x-x-x

— Você tem certeza que é por aqui? — Boo perguntou, enquanto acompanhava Dallas em sua caminhada.

— Claro que eu tenho. Eu tenho um mapa da nave na minha memória.

— Ah! É verdade. — O doutor Murphy concordou, continuando a caminhar. É fácil se esquecer de que ele é um robô.

Os dois estavam no subterrâneo da Colmeia. Quinn os chamara com urgência, e eles estavam prestes a chegar até a sala dela. Mas no caminho a energia da Colmeia voltara a ser prejudicada, e todas as salas foram fechadas por segurança. Ou seja, não havia maneira de chegar até a sala da doutora Rosetti.

— Exceto pelo subterrâneo. — A mulher comentara.

Era por isso que os dois estavam ali, em busca de uma maneira de encontrar Quinn e Chris.

— Está mesmo acontecendo, não é? — Dallas comentou de repente.

Boo não precisou perguntar sobre o que o robô se referia. Ele sabia.

— Eu acho que está sim.

Dallas ficou calado por alguns instantes. Apenas os passos dos dois eram ouvidos através dos corredores escuros.

— E o que nós vamos fazer? — O robô perguntou ingenuamente.

O doutor Murphy tinha uma resposta para isso:

— Eu não sei o que nós podemos fazer para deter essa maldição, mas eu sei que nós temos um trunfo que eles em dois mil e treze não tinham.

— Eu. — Dallas disse, sabendo a que Boo se referia.

— Exato. — O doutor Murphy comentou. — Segundo Quinn, você estava na lista. Mas você não é humano. Eu não sei bem como isso pode trabalhar ao nosso favor, mas eu sei que você pode ser a saída. Você pode ser a nossa solução, Dallas. A nossa salvação.

O robô sorriu de maneira gentil, e Boo retribuiu. Ele então pegou na mão do gigante cibernético para continuar o restante da caminhada.

x-x-x-x-x

— O doutor Holt não vai se juntar a nós? — Sierra perguntou de repente, fungando.

Quinn respondeu calmamente

— Não. Ele está muito abalado. Está na ala de chegada e partida das naves esperando o Yohann. Além disso, ele é novo aqui, não conhece os caminhos subterrâneos. Ele não saberia chegar até a minha sala.

Sierra concordou com um aceno, e voltou o olhar para o telão onde Natalie dormia tranquilamente.

— Você acha... — A doutora Ghosh começou. — Que a maldição... A lista... Que ela os considera... Humanos? — E apontou para Natalie.

Quinn levantou-se de sua cadeira, ajeitando seu uniforme, e respondeu:

— Eu acho... Eu... Espero. Eu espero que não. Se ela não os considerar humanos, nós temos uma saída. Afinal, Dallas está na lista.

— E Natalie? Ela não estava né?

— Naturalmente não. — A doutora Rosetti respondeu calmamente. — O acidente que ela previu acontecia na Bliss, e ela estava aqui, sã e salva. Ela viu o acidente acessando as câmeras da Colmeia.

A outra doutora concordou. Quinn então começou a caminhar pela sala, e disse:

— Eu só não entendo como... Quero dizer, eu entendo sobre a ligação e todo o resto que a formatação do doutor Holt pode ocasionar. Mas o garoto do qual a Natalie vasculhou as memórias, não era o visionário. Era só o melhor amigo dele. Então como ela adquiriu a capacidade de prevero futuro? Não faz sentido.

Sierra pigarreou e disse:

— Isso porque você está vendo as coisas pelo lado errado, doutora. Como se Natalie pudesse adquirir as características psicológicas de uma pessoa. Não, não é isso. Por acaso você vê os robôs da Colmeia agindo de maneira semelhante a humanos específicos? Digo, não é porque um robô anda com alguém que, por exemplo, odeia cebolas, ele também necessariamente odiará cebolas. Não. É mais do que isso. A ligação faz com que os robôs criem uma personalidade própria. Os humanos, a ligação com eles, é apenas um elo que permite a conexão e a decisão do “gosto” ou “não gosto”. Os robôs só precisam conviver para poder adquirir o que acham necessário ou interessante. Eles não precisam estar na cabeça da pessoa. Então quando Natalie conviveu com o tal... — E Sierra se esforçou para lembrar o nome do garoto. — Quando Natalie conviveu com o tal René, através das memórias de Hank...

—... Ela decidiu que a capacidade dele de prever o futuro era uma boa habilidade para se ter. Mas como? Como Natalie pôde tomar essa decisão?

Sierra sorriu e tocou a mão de Quinn. Tão pragmática...

— Oh, doutora, ela não tomou essa decisão. Não de maneira consciente, pelo menos. Você alguma vez tomou a decisão de que gostava de ser uma cientista? Não. Você apenas teve um contato, direto ou indireto, com a profissão, e soube que isso lhe cabia bem. O mesmo acontece aqui. Natalie soube, no momento em que o rapaz teve a visão, que aquilo lhe cabia.

Quinn prestava o máximo de atenção ao raciocínio da outra doutora. Tudo fazia sentido até ali, a não ser...

— Mas espera. Se isso que você diz for verdade... A capacidade de precognição, a capacidade de prever o futuro... Ela é uma habilidade? Ela é... Uma escolha? Uma escolha empírica, uma escolha inconsciente do individuo? Você está dizendo que todos aqueles que possuem a capacidade de premonição... Eles inconscientemente escolheram este destino final?

Agora sim, doutora.

— Eu jamais poderia afirmar isso, doutora. Eu sou uma cientista, eu vivo de provas, de fatos. Mas sim, esta é a minha teoria.

Oh, isso é mais profundo do que eu poderia supor, Quinn pensou com seus botões.

Mas antes que pudesse pensar mais a respeito daquele assunto, seu comunicador apitou. A imagem holográfica de Boo apareceu no mesmo instante. O doutor disse:

— Nós estamos chegando, Quinn. Estamos há duas salas da sua. Você vai precisar abrir a porta para nós.

— Claro. — Quinn respondeu, ainda meio zonza com a quantidade de coisas que Sierra lhe dissera.

x-x-x-x-x

Yohann desceu da nave de maneira quase ritualística. Ele sabia que Chris estaria o esperando ali, exigindo saber o que acontecera com a sua irmã.

O Samurai de fato se mostrava presente, estava encostado em uma das pilastras de metal da garagem, e correu na direção do outro doutor assim que o viu. Os dois ficaram parados, cara a cara, sem dizer qualquer palavra. Foi o doutor Holt quem quebrou o silêncio:

— Me conte como foi.

Yohann suspirou, cansado. Disse:

— Esse não é o momento, doutor Holt. O senhor está abalado e...

— Me conta como foi! — Chris exigiu de maneira firme e irada, mas sem erguer o tom de voz. Com Quinn ele gritava porque era o máximo que poderia fazer por ela ser uma mulher. Mas com Yohann não era necessário: se as palavras não fossem suficientes, sempre existia a sua katana e os seus punhos.

— Ela derrubou alguma coisa no botão de abertura da porta e depois esbarrou no sensor de segurança. Um acidente, como qualquer outro das visões da Natalie. Um triste, terrível e fatal... Acidente. — O doutor Cutler fez questão de enfatizar a palavra final. Dane-se se essa história é mentira, foi basicamente o que aconteceu.

Chris abaixou a cabeça, abatido. Disse apenas:

— Obrigado por sua honestidade, doutor Cutler.

E saiu.

x-x-x-x-x

As luzes do corredor que dava até a sala de Quinn piscavam de maneira estranha. Aquele era um estreito e iluminado corredor, incapaz de comportar duas pessoas caminhando lado a lado.

Quando Boo entrou nele, a porta atrás de si se fechou de maneira automática. Mais dispositivos de segurança. O corredor devia ter cerca de dez metros, e ao fim dele havia uma porta transparente por onde ele podia ver a doutora Rosetti. Naquele momento a mulher tentava passar seu cartão para abri-la, mas ela parecia não obter êxito.

— Eu acho que a Quinn está tendo algum problema. — Dallas comentou.

Boo concordou com um aceno. Foi então que ambos ouviram uma voz robótica dizer:

— Alerta de segurança. Repitoa de segurança. Protocolo de proteção 081 em ativação.

Não, foi tudo o que o doutor Murphy conseguiu pensar. Ele nada disse. Estava em choque. No fim do corredor, Quinn estava com a mesma cara de pavor, branca. Boo observou que ela gritou alguma coisa para Sierra, de certo para que ela tentasse alguma maneira de desativar o protocolo de proteção.

— Protocolo de proteção 081? — Dallas perguntou, confuso. — Eu não tenho registro deste protocolo no meu sistema.

Boo poderia explicar que aquele era um protocolo antigo e jamais usado, por isso não estava no sistema de Dallas, mas não teria paciência. Não teria condições. Disse apenas:

— Protocolo de proteção 081 significa lasers. Lasers mortais. E eles irão começar a funcionar em três...

O doutor Murphy então correu até a porta de trás e tentou abri-la. Não conseguiu. Dallas então começou a dar pancadas com seu ombro, tentando arrombá-la. Impossível, ela era feita de material ainda mais resistente do que os robôs da Colmeia.

Não, eu não posso morrer assim.

Na outra ponta, Quinn desistira de tentar passar seu cartão e esmurrava a porta transparente. A doutora gritava (embora Boo e Dallas não ouvissem) e batia com força no material transparente. Em vão.

—... Protocolo ativado.

E então o raio laser surgiu, vindo do fim do corredor. Ele passava na altura da cintura do doutor, e então ele e o robô foram capazes de evitá-lo com facilidade. Os dois correram em direção à Quinn, e então o doutor disse, torcendo para que ela pudesse ouvi-lo:

— Você precisa destruir o painel central. Ele fica do lado da garagem.

Do outro lado da porta, Quinn ouviu apenas a palavra “garagem”, mas fora o suficiente. Ela sabia o que Boo estava querendo lhe dizer.

Chris.

A doutora entrou em contato com o Samurai de maneira quase instantânea. Ainda colada na porta, vendo Boo e Dallas desviarem de dois lasers horizontais, ela disse:

— Chris, você precisa desativar o sistema de segurança no painel central, ao lado da garagem. O Boo e o Dallas vão ser mortos pelos lasers.

O homem não respondeu nada, apenas desligou o comunicador. Mesmo tendo se passado muitos anos desde o projeto em comum que eles tiveram, os dois ainda conseguiam ter uma comunicação fantástica. Bastavam algumas palavras e Chris sabia exatamente o que Quinn queria. Sem perguntas, sem embromação. É como se nós estivéssemos sempre em sintonia. Mesmo quando nós provocamos um ao outro, isso só acontece porque nós sabemos exatamente como a outra pessoa está pensando. Oh...

O Samurai correu através das naves o mais rápido que pôde. Ele desviava dos veículos de maneira quase sobrenatural, enquanto outros cientistas que passavam por ali o olhavam de maneira desconfiada. Naquele momento Chris só tinha um objetivo na cabeça, e era o de salvar Boo e Dallas. Por Chelsea. Por todos nós.

Enquanto isso, Quinn pegara uma cadeira e batia repetidamente contra a porta. Em vão. Boo suava muito, e estava a ponto de começar a chorar. Dallas desviava dos lasers com facilidade, e na maioria das vezes era ele quem erguia ou abaixava o doutor Murphy. Isso não vai durar para sempre, Boo pensou. Apesar de o protocolo 081 jamais ter sido ativado antes, todos os cientistas da Colmeia sabiam sobre ele. Os raios lasers tornavam-se cada vez mais específicos, cada vez mais detalhados. Isso permitia aos sensores perceberem qual tipo de ameaça eles estavam enfrentando: quanto mais resiliente, mais inteligente era o invasor. Pela quantidade de lasers que eles tinham desviado, Boo imaginava que os próximos passariam a ser duplos, e então triplos. Até mesmo uma malha de raios estava projetada para ser ativada se eles ainda sobrevivessem. Oh.

Chris alcançou o painel central com facilidade. Quem cuidava do lugar era um dos robôs da Colmeia, e o Samurai sabia facilmente como ludibriá-lo. Assim que entrou na sala, o homem começou a procurar os botões. Rapidamente percebeu que não conseguiria desvendar como desativar o sistema a tempo. Optou então por algo mais simples: retirou uma barra de ferro de um dos armários e começou a bater furiosamente no painel.

Quinn gritava desesperadamente. Dois lasers aproximavam-se de Boo e Dallas, ambos horizontais. A mulher soube no mesmo instante em que os viu, que aquele era o fim.

— Por favor! — A doutora Rosetti berrou aterrorizada, sem saber direito para quem.

E então aconteceu. Boo fechou os olhos, e Dallas instintivamente segurou a mão do doutor. O laser passou pelo robô de maneira quase cirúrgica, dividindo-o em três partes. O primeiro raio decepou-o do peito pra cima, e o segundo dos joelhos pra baixo.

Boo gritou.

O laser parou segundos antes de fatiá-lo em pedaços como havia feito com o robô.

Aquela era a salvação do doutor Murphy.

Era.

Boo manteve-se segurando a mão de Dallas, e esse foi o seu erro.

No exato momento em que os lasers dividiram o corpo do robô em três, o gigante cibernético entrou em curto circuito. Como qualquer máquina. A descarga que o doutor recebeu foi suficiente para fazer bolhas formarem-se instantaneamente em todo o seu corpo, e então estourarem. Boo mexia-se em espasmos grotescos, sentindo a descarga elétrica passar por todo o interior de seu corpo. O interior do corpo dele está sendo frito, a doutora Rosetti pensou, enojada.

Quinn gritou mais alto do que nunca.

E então Boo caiu, ajoelhado, completamente frito. Seu corpo repousou delicadamente ao lado das três partes que antes compunham Dallas.

E então eles eram quatro.


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Notas finais do capítulo

Antes de tudo, prometo que o penúltimo capítulo sairá beeeeeeeeeeem mais rápido que esse! ^^ E ele basicamente trará um final para essa trama do futuro. Bom, espere e verão. Agora vamos as considerações finais:Como vocês puderam perceber, o sexo foi um elemento recorrente nesse capítulo. Foi uma maneira de relacionar os dois acidentes, e também de reforçar o título do capítulo (que está em japonês pelo fato de se relacionar bastante à Chelsea e Chris, mas quer dizer "Elo"). Além disso, existe todo um dilema sexual envolvendo Chelsea, coisa que eu tinha flertado com Amanda. A questão da independência sensual (e não sexual) das personagens, da exploração de sua sensualidade e tals... O fato de a personagem superar um "trauma" e "libertar-se" para logo em seguida ter seu fim também foi algo que planejei para Chelsea, e executei. Espero que essas cenas não tenham ficado gratuitas. Se ficaram, considerem sexploitation, um recurso famoso dos slashers XD Mas eu espero mesmo que não tenha ficado.E ah! Os cientistas da Colmeia chamam a parte "embaixo" dos laboratórios de subterrâneo por conveniência, porque como a Colmeia é uma colônia no espaço, é ÓBVIO que não existe terra para ser subterrâneo né? XD Além de responder a pergunta de "porque Natalie teve a visão mesmo vendo o corpo de Hank e não René" esse capítulo propõe uma teoria sob os visionários. Observem que em nenhum momento eu coloco isso como FATO ou REGRA. É apenas uma possibilidade, assim como os Índigos. É provável no universo das minhas fanfics? Sim. Eu afirmo que É isso? Não. Cabe ao leitor interpretar da maneira como achar mais adequado.Um detalhe muito curioso e que o Paul me perguntou no facebook: sim, os robôs da Colmeia tem todas as partes do corpo, todas mesmo. Até... You know :'D Inicialmente eu escreveria um motivo para isso, mas no fim eu achei que ficaria muito off-topic, e, se tratando de uma fanfic futurística, eu tenho certas liberdades criativas, como essa de decidir que os robôs dessa época possuem todas as partes de um ser humano tradicional. As explicações pra todas as outras "humanidades" deles (sentimentos e etc), porém, foram dadas, por serem relevantes e necessárias. Só essa que eu não achei necessária. E ah! Sim, a morte de Dallas é inspirada no primeiro filme de Resident Evil XDBom, eu acho que é isso. See ya o/