E o dia se seguiu. Seja lá o que Jeb tenha feito com Melanie e Ian, funcionou. Eles não conversavam como antes, se limitavam a lançar olhares raivosos um para o outro. Não me importei muito, antes isso do que outra briga como aquela. Coloco a mão no nariz automaticamente.

         Todo o meu serviço estava pronto e por mais que todos naquelas cavernas insistiam em fazer todas as minhas obrigações, me sentia cansada agora. Era apenas Ian que deveria levar alguns medicamentos que acabará da nossa dispensa, então me despedi dele e fui para o nosso quarto. Passei todo o tempo pensando nos últimos acontecimentos, corando com a minha noite de amor, alarmada com a briga do meu Ian coma minha irmã estressada, rindo com a imagem de Jared e Kyle fazendo minhas obrigações e Cal. O pensamento me grita. Não acreditara que passara todo o dia sem pensar nele. Lagrimas me enchem os olhos ao pensar que ele pudesse estar lá até agora. Imóvel. Meu coração se aperta. Não é Ian que é um monstro, sou eu. Ian fez tudo àquilo para me proteger, tudo por que ele me amava. Já Cal quando fez sua declaração de amor, não pude impedir que quase morresse. Sem dizer que eu o deixei lá, sem comunicar a ninguém.

           Sem mais delongas saio do quarto e tento ser invisível na escuridão das cavernas. Esta de noite, mas também não esta tarde, o que me obriga a ser mais cautelosa. Precisava vê-lo e Ian não poderia me impedir disso. Vou até aquela saleta e nenhum sinal de Cal, exceto por seu sangue agora seco, que fazia com que me lembrasse de que tudo aquilo fosse realmente real. Como não o encontrei lá, vou até a despensa, por ser o lugar mais seguro da caverna e ter pouco acesso às pessoas. Mas e se Cal estivesse realmente lá e Ian o pegasse de novo? Afasto aquele pensamento horrível e corro o mais rápido que eu possa, para evitar mais outro desastre.

           A despensa esta pela metade de suprimentos e o que eu deparo no interior da minha antiga salinha de tortura faz meus olhos se esbugalharem. Cal esta dentro do meu antigo buraco, mais próximo da entrada com o rosto terrivelmente deformado. Ele esta assistindo à tortura de Ian. Ele esta sentado numa cadeira, ele esta amordaçado, os pulsos amarrados nas costas e tornozelos à cadeira. Seu rosto esta coberto de suor e sangue. É Nate que esta distribuindo os golpes e quando o olhar de Ian me encontra na entrada da sala, seus olhos esbugalham assim como o meu, denunciando minha presença a Nate que se vira com um sorrisinho no rosto.

           -Olha só quem veio se juntar a nós. –Nate fala espelhando uma voz empolgada. –esta vendo, eu sabia que ela viria.

           Não falo nada. Estou num momento de terror único, tanto dentro quanto fora de mim. As lagrimas começam a descer. Meu Ian esta sendo torturado. Ele esta sofrendo.

           -O minha querida. Não fique assim. –Nate vem em minha direção fazendo Ian ter um ataque na cadeira e ter que ser segurado por Blake e Rob.

           Não fujo, nem sequer digo nada e não sei se essa reação é de tanto terror ou para mostrar que eu não tinha medo dele. E quando suas mãos acariciam meu rosto meu corpo relaxa um pouco.

           -Por favor. Com ele não. Eu...

          -Shhh. –ele faz colocando o dedo indicador sobre os meus lábios. –Nada do que eu fiz até agora foi sem comunicar a vocês. Na primeira vez que nos conhecemos, lembro-me de ter dito para nunca mexerem com meu amigo Cal. Se lembra? –ele pergunta com um olhar sínico.

         Ele estava falando a verdade, Lembro-me de suas palavras lá fora. Meu Ian...

         -Solte-o agora. –mesmo sabendo que ele estava falando a verdade é a única coisa que sai da minha boca. Passo por ele e vou até Ian que esta com os olhos alarmados sinalizando para que eu saia, com a cabeça. É claro que não vou obedecê-lo, não consigo entender por que ele ainda insiste em sinalizar para mim. Porém Blake e Rob, se retiram de traz da cadeira onde Ian esta aprisionada e avançam, ficando no meu caminho.

          -Se não o soltar agora eu vou gritar. –ameacei.

          -Eu aposto que você não vai fazer isso. –diz Nate indo até eles e escondo uma faca de lamina bem afiada.

          O sangue foge do meu rosto e caio de joelhos diante dele. Imploro, até peço para trocar de lugar com Ian, mas ele é irredutível. Ele bate, soca e chuta varias vezes Ian na minha frente e quando penso que tudo estará perdido, vejo a esperança me nutrir.

           -Nate já chega. Esta tudo bem. –Cal fala pela primeira vez desde que eu cheguei aqui.

           -Você já se viu no espelho Cal? –Nate fala calmo, mas percebo que sua voz calma esta sendo controlada por ele.

           -Não interessa, estamos sendo injustos. A Peg esta sofrendo, ela não fez nada contra nenhum de nós. Ela tentou me proteger.

           Nate pensou um pouco e rezei para que o argumento de Cal surtisse efeito sobre ele.  

           -Cal, você já pensou que tudo isso só esta acontecendo por causa dela? –ele diz e num golpe rápido, que pega todos nós de surpresa, ele da um tapa forte no meu rosto.

           O golpe é tão forte que caio de lado, minha cabeça batendo no chão e me deixando tonta por um tempo. Preciso ter muito cuidado, esse corpo e frágil demais, se fosse o corpo da Melanie estaria tudo bem, tinha certeza quanto a isso e não consigo me lamentar por não estar usando-o agora.

            -Nate. –Rob diz impressionado.

            Cal vem até mim e me ajuda a levantar. Um liquido quente escorre pelo meu lábio inferior e o lambo. O gosto de ferro preenche minha boca.

            -Nate você enlouqueceu? Ela não tem nada a ver com o que me aconteceu. Deixe ela fora disso. –Cal fala urgente para Nate que o empurra e me coloca de pé novamente.

             -Não vê? Ela é um problema para todos nós. Foi por causa dela que tudo isso aconteceu. –e pegando pelo cabelo, me vira para Cal. - anda peça desculpas.

             -Pelo que? –gaguejo por conta dos soluços que não consigo segurar.

             -Por ter o feito sofrer tanto, por gostar de você. Ele te amava. Ficava sempre bobo quando falava de você, olha como ele esta agora.

             -Desculpe. Por favor.

             Cal não me responde, mas me tira dos braços de Nate e me abraça, me consolando. Correspondo, mas me afasto logo e cambaleando ainda tonta, empurro Nate de lado e não consigo para de gritar para Rob e Blake.

             -Monstros, Monstros, saiam de perto dele. Agora. –e quando não o fazem eu voo para cima deles. Bato, mordo, chuto e todos estão perplexos com a minha reação.

             De repente Rob e Blake saem do meu caminho ambos atônitos, sem prestar muita atenção neles desamarro Ian e tiro cuidadosamente a fita de seus lábios. Não digo nada, apenas o puxo para mim e lhe dou um beijo. Pela primeira vez, não me importava que Cal estivesse nos olhando, nem como o jeito pornográfico de Ian me beijar, estou pensando só em nós, apenas em mim. Alguém dá um pigarro, mas não procuro saber quem foi. Nada importa mais. Só Ian. Não sei quanto tempo ficamos ali, quando finalmente tomamos ar, tirei minha blusa e a passei em seu rosto ensanguentado.

            -Para – ele grunhiu.

            -Ah não. Você esta horrível e eu estou usando sutiã. –apontei para o sutiã de bojo azul claro.

            Ele não gostou, mas se limitou a uma carranca em seu rosto que me fez sorrir um pouquinho. Quando terminei de limpar seu rosto o ajudei a levantar, ele não me deixou sair daquela sala sem colocar a blusa. Revirei os olhos e fomos. Cal nos acompanhou sem dizer uma palavra e de novo Ian continuou com seus resmungos.

            -Isso vai ter volta. Eu juro que vai. –eu grunhi, para o restante deles, antes de sair.

            Todo o tempo que eu levei para levar Ian pera o quarto e o feito dormir, Cal não disse nada. Achei aquilo muito estranho, mas o ignorei. Era mais fácil trabalhar assim, mas só fora quando decidi ir até a sala de jogos, onde já não havia mais ninguém, que ele resolvera cortar o silêncio.

           -Peg, me desculpe. Sei que você vai dizer que nada disso é minha culpa, mas...

           -Nada disso. Tudo foi sua culpa, nem pense que vou tirar isso das suas costas. –o interrompi com um tom cortante. –se você tivesse feito tudo que eu disse que você devia fazer nada disso teria acontecido.

          Ele me olhou inocentemente, sem compreender ou talvez até fingindo.

          -Eu disse pra você ir embora enquanto estávamos naquela saleta. Eu disse que Ian ia nos escutar. Agora veja o que você fez?

         Ele abaixou o olhar parecendo culpado, mas logo em seguida o levantou e sua postura ficou ereta.

         -Foi disso que eu te avisei. Hoje você bateu, ou melhor, tentou, no Blake e Rob e ameaçou o Nate. Isso é a convivência com humanos.

         -Então o que você me sugere. Que vamos para a superfície? –perguntei sarcástica.

         A postura de Cal se desfez e um olhar triste foi o que ocupou seu lindo rosto, agora bastante danificado. 

         -Não. Eu sou o melhor pra você. –ele falou com uma voz triste e um olhar perdido no campo de futebol. –você é influenciável, não a culpo por isso, mas você esta ficando com Jared, Kyle, Ian, Melanie...

           Não sei se fico feliz ou triste com aquela informação. Todos eles eram minha família e eu os amava. Nunca quis ser como eles, sabia bem como eles eram estourados, mas só com aqueles que procuravam por isso. Não era? Eu estava me tornando uma agressora assim como eles também. Como Kyle? Ao pensar nisso meus estomago revirou e pressionei meus braços um pouco contra meu estomago.

           -Não é verdade. E você sabe disso. –digo desta vez minha voz mais calma.

           -Não. Eu não sei. –ele falou. E embora ele não tenha sido grosso, suas palavras me cortaram por dentro. –entendo que eles são como sua família, mas não os defenda. Tenha consciência que eles são animais. Animais entendeu?