Skyscraper escrita por Constantin Rousseau


Capítulo 3
"Change your mind"


Notas iniciais do capítulo

"Mude sua mente"



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Quando entramos no trem, sinto suas mãos pequenas e delicadas em meu colarinho. Não sou fraco, e não é uma garotinha como Clove que pode simplesmente me prender contra a parede, fazendo com que Lyra , a mulher que a sorteou, grite alto pela surpresa. Mas eu não evitei o contato com Clove, porque não quis. Sabia que ela o faria, não me surpreendia, e ainda assim não reagi.

— O que acha que está fazendo?! — quase grita, e seus olhos denunciam toda a raiva que se mescla com a melancolia. — Quer se matar, seu idiota?!

Encaro-a. Há algo de estranho na forma como ela comprime os lábios numa linha fina, algo estranho na forma como a vermelhidão de seu rosto destaca as sardas que salpicam sua pele clara. Além da raiva, além da tristeza. Clove está curiosa a respeito de minha atitude, e isso está nítido. Conheço-a há tempos, desde o dia em que entrou no Centro de Treinamento do Distrito Dois. Ela, a pequena e indefesa Clove. Ou, talvez, não tão indefesa assim; logo desenvolvendo sua tremenda habilidade com lâminas. Sua mira era perfeita, desde aquela época.

Ninguém mexia com Clove, porque ela era a garota das facas. Ninguém, com exceção do grande idiota aqui. Se eu jamais a tivesse provocado, duvidando de sua capacidade, jamais teríamos brigado, jamais teríamos nos tornado amigos, e a perspectiva de matar ou morrer com ela ao meu lado não seria mais tão desesperadora. Ainda não é, para ser sincero. Estar ao lado de Clove, durante esses últimos anos, foi a melhor e a pior coisa que me aconteceu.

Contrariando tudo o que seria considerado sadio em nosso distrito, ela se tornou uma grande amiga. Eu continuava sendo o cara que ficava até mais tarde no Centro do Treinamento, continuava sendo “a parede de dois metros composta por músculos”, mas sabia que, até certo ponto, ela estaria lá, ao meu lado. E nós nunca conversamos a respeito dos Jogos, mesmo treinando a vida toda para tal, e ela tampouco se pronunciou a respeito.

Mas Clove sempre soube que eu desejava me voluntariar, provavelmente só não esperava que a sorte estivesse a nosso favor. Participaremos juntos da 74ª Edição dos Jogos Vorazes. Nós, tributos do Distrito Dois, Carreiristas. Ela sabe que só pode haver um vencedor, assim como eu.

E agora, ainda com suas mãos me impedindo de escapar do interrogatório, tudo já foi decidido.

— A ideia é matar, na verdade. — arqueei uma sobrancelha, afastando-me um pouco. — Se prefere ver dessa forma...

— Seu... — Clove se cala por um longo momento, mas nenhuma palavra de seu vocabulário é cruel o bastante para que consiga completar o xingamento.

Ela me solta, e recua alguns passos. Posso ver a batalha interna na qual se encontra agora, posso ver a forma como suas mãos estão cerradas, como se desejasse poder me socar. Lyra Dwornik continua a nos encarar com espanto, as mãos cobrindo a boca coberta de maquiagem, e posso ouvir alguns passos apressados que ecoam mesmo no tapete felpudo do interior do trem.

— Por que fez isso, Cato? — é sua única pergunta, agora sem acusações ou raiva, e eu gostaria de poder respondê-la.

Porque não posso permitir que se machuque, pequena. Porque você é minha única e melhor amiga. Porque mesmo eu sendo uma pessoa terrível, você esteve sempre ao meu lado. E não pedia justificativas, ou satisfações. Porque eu te devo isso.

Valorizo nossa amizade, Clove. Valorizo tudo que você representa para mim. E, se não conseguir, pelo menos tentei. Mas fracasso não é o tipo de coisa que vem de um Carreirista.

— Eu fui treinado a vida toda, e estive sempre esperando para participar dos Jogos, Clove.

— Não era sua única chance! — ela volta a se revoltar, posso perceber que minha resposta não acabou com sua curiosidade; na verdade, pareceu inflamá-la ainda mais. Droga. — Poderia se voluntariar daqui a um ano ou dois*! Por que aqui?! E por que agora?!

Posso ver Brutus pelo canto do olho, chegando curioso para observar nossa briga, apesar de eu acreditar que não chega a tanto.

— Você não entenderia. Não se trata de um simples jogo. Fui criado para ser um vencedor, então, um vencedor serei.

Clove me encara com raiva, mas, bem aos poucos, sua expressão vai suavizando, até que nada mais reste além de um sorriso debochado. Ela assumiu uma postura defensiva, diferente da que há poucos segundos expressava. Isso significa que realmente acredita no que estou dizendo, que realmente acredita que tudo não passa de uma tentativa de me exibir e poder mostrar as habilidades que desenvolvi ao longo de todos esses anos.

Sim, por favor. Eu não preciso que você piore as coisas, Clove. Eu não preciso que você torne tudo ainda mais difícil.

— Então espero que esteja pronto para se decepcionar.

A única coisa que posso ouvir, em seguida, é a porta de seu quarto sendo fechada com violência.


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Notas finais do capítulo

*Ao contrário do que dá a entender no livro, [ou pelas aparências] Cato tem apenas um ano a mais que Clove. Ou seja: 16. {É o que diz a ficha técnica do personagem}