O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 39
VII.6 A intrometida.




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Entrou na garagem confiante, pois aquele haveria de ser um dia de triunfo.

Bulma olhava para a máquina das dimensões, as mãos enluvadas apoiadas nas ancas, um boné nos cabelos penteados num rabo-de-cavalo, vestida com um fato-de-macaco azul. Estava pronta para atacar o mostrengo, como ela lhe chamava agora.

Ao contrário do que era habitual naquela dimensão, conseguira dormir uma noite despida de pesadelos. Despertara apenas uma vez, com a impressão de estar a cair para um remoinho. Algo como um estalido na alma… Mas a impressão passou depressa, deitara a cabeça no travesseiro e voltara a adormecer profundamente.

De manhã acordara com aquela ideia e amaldiçoara-se por não se ter lembrado daquilo antes. Preparara leite e uma tigela de cereais para Bra e correra para a garagem, ansiosa por pô-la em prática.

Era uma quarta-feira de finais de setembro. Dali a cerca de uma semana faria nove meses que tinham chegado à Dimensão Real. Riscou mais um dia no calendário, onde contabilizava o tempo que mediava até à catástrofe. Antes de começar a trabalhar, ligou o rádio. Em vez de música, surgiu a voz do locutor a relatar uma notícia:

-“Foi sentido um sismo na região do Algarve, perto das zero horas de ontem, que atingiu a magnitude de quatro vírgula um na escala de Richter. O sismo foi seguido por várias réplicas, com magnitudes mais baixas. Apesar de ter sido relativamente fraco, o sismo assustou alguns habitantes da cidade de Faro e arredores. Os bombeiros reportaram vários telefonemas de moradores assustados. No entanto, não há vítimas a lamentar, nem estragos materiais relevantes. O epicentro, segundo o centro regional de Meteorologia e Geofísica, situou-se na serra do Caldeirão…”

Pensou no sismo e achou que o tinha sentido, mas não se recordava bem porque dormira realmente muito bem na noite anterior. Provavelmente, não fora nenhum sismo, mas um saiya-jin teimoso e insatisfeito a treinar-se para não sucumbir à monotonia da vida numa dimensão que odiava. Sorriu. Sentiu falta dos abraços dele e sem querer os olhos ficaram húmidos. Respirou fundo, limpou o nariz com a ponta dos dedos, agarrou numa chave-de-fendas.

O radar do dragão saiu do bolso do fato-de-macaco. Sentou-se e pousou-o na mesa, voltando o mostrador verde-escuro para baixo. Agarrou na chave-de-fendas e preparou-se para desaparafusar a parte de trás.

Aquele aparelho redondo, prático, que cabia numa mão e que detetava as bolas de dragão, tinha no seu interior a mais fina tecnologia da Dimensão Z e, por conseguinte, peças únicas e componentes eletrónicos especiais, que iriam ajudá-la a superar as dificuldades que a máquina das dimensões apresentava, por estar a ser construída com base numa tecnologia que ela não conhecia totalmente e que era claramente menos evoluída.

Abriu em esfusiante sorriso, considerando-se um perfeito génio, mas amaldiçoando-se a seguir por não ter tido aquela ideia mais cedo.

O tampo da mesa tinha pouco espaço, pejada de placas e de ferramentas. A arrumação nunca fora o seu forte e sempre sentira um especial prazer em trabalhar no caos. Afastou o que estava a atrapalhar, para criar mais espaço no tampo, mas a manga encalhou no radar e este caiu no chão, juntamente com as placas. Levou as mãos à cabeça. Era só que lhe faltava ter partido o maldito radar, agora que lhe tinha arranjado utilidade! Agarrou neste com cuidado, viu que estava ligado pelo bipe-bipe que emitia.

Bipe-bipe?

Intrigada, passou os dedos pelo mostrador do radar para limpá-lo. Como podia haver bipe-bipe sem bolas de dragão? Em cima, para noroeste, brilhava um pontinho branco na esquadria perfeita do radar, com um número quatro.

- Nani? A bola de dragão de quatro estrelas?

Pressionou várias vezes o botão do radar, mas o pontinho não desapareceu. Franziu a testa, a pensar se com a queda não teria avariado qualquer coisa… Ou teria consertado. Lembrava-se de o ter acionado uns meses depois de ter chegado à Dimensão Real e no mostrador não havia pontinho nenhum.

E se agora havia pontinho, significava que alguém ligado a Son-kun tinha com ele uma bola de dragão no momento da viagem. Pressionou o botão, diminuindo o raio de ação do radar e não apareceu mais nenhum pontinho a piscar. Era, realmente, só uma bola de dragão. Encolheu os ombros. Com, ou sem bola de dragão, o radar iria mesmo ser desmontado.

O portão da garagem abriu-se. Não se voltou. Talvez fosse Kuririn para mais uma das suas visitas de auditoria.

- ’Kaasan?

Era a voz de Trunks e largou imediatamente a chave-de-fendas e o radar. Levantou-se. Reparou que o filho tinha alguém nos braços. Estreitou os olhos. Trunks desceu a pequena rampa e percebeu que era uma rapariga inconsciente.

- Quem é ela?

- Uma amiga…

- O que foi que lhe aconteceu?

- Contei-lhe uma coisa. Ela não deve ter aguentado a emoção e desmaiou. Não ia deixá-la caída no meio da rua e resolvi trazê-la para cá.

- O que foi que lhe contaste?

- Para onde a levo? Para a sala?

- Trunks-kun! O que foi que lhe contaste? – Insistiu zangada.

Trunks mostrou um sorriso enviesado e ela estremeceu.

- O que andaste tu a fazer agora?

- Contei-lhe que não me chamo…

Uma presença silenciosa, que se impunha pelo seu silêncio, chamou-lhes a atenção. Bulma e Trunks olharam ao mesmo tempo para a entrada da garagem e descobriram uma silhueta distinta na contraluz.

- Vegeta? – Disse Bulma.

Quando viu que o filho não estava sozinho, Vegeta desceu a rampa a coxear e a berrar:

- Que raios é isso que tens aí contigo? Kuso!!

Bulma arrepiou-se ao ver que ele estava ferido. Tinha arranhões e hematomas pelos braços, a cara amassada, as roupas rasgadas.

Vegeta estacou. Empalideceu como se estivesse a contemplar um fantasma. Depois, a cara ficou vermelha, apontou um dedo esfolado à rapariga e vociferou:

- O que é que essa intrometida está aqui a fazer?

- Ela tem nome, ‘tousan – disse Trunks com o seu sorriso enviesado.

- Leva-a daqui! Imediatamente!

- Mas quem é essa intrometida? – Perguntou Bulma confusa.

- É uma amiga do teu filho e do idiota do filho do Kakaroto!

Bulma recordou-se e indagou, ainda mais confusa:

- Aquela que esteve no jardim da nossa casa a espreitar-nos?

- Hai!

Trunks também ficou confuso.

- Ela esteve aqui? Quando?

- Quando regressaste do hospital – explicou Bulma.

- Honto?

- Como vês – Vegeta avançou um par de passos até se colar ao filho –, essa intrometida não hesita em meter o nariz onde não é chamada. Leva-a daqui! Não a quero na minha casa!

- Espera, Vegeta – intrometeu-se Bulma. – Não vês que ela está desmaiada?

- Pois ele que a acorde e que a leve daqui. Ou então que a leve para o hospital, se está doente!

- Parece-me que também precisas de ir ao hospital – observou Bulma com um esgar.

Vegeta voltou-se furioso.

- Nani?

- Onde é que tens andado para vires nesse estado?

Trunks aproveitou a interrupção no fio da conversa e foi deitar a rapariga num sofá velho que se encostava à parede dos fundos da garagem. Mas não conseguiu respirar fundo, o berro de Vegeta trouxe-o de novo para a arena.

- Leva-a daqui!

Ele enfiou as mãos nos bolsos das calças.

- ‘Tousan, deixa-a dormir um bocadinho. Não passou uma noite muito descansada.

- Estiveste com ela, esta noite?

Voltou-se para Bulma.

- Hai, ‘kaasan. Mas não aconteceu nada entre nós.

- Então, por que é que ela desmaiou? O que foi que lhe contaste, afinal?

Vegeta perguntou irado:

- Foste tu que a fizeste desmaiar?

- Hai. Contei-lhe que me chamo Trunks.

O rosto de Vegeta ficou de todas as cores – vermelho, roxo, azul, branco, amarelo, cinzento. As veias na testa pulsaram, Os olhos quiseram saltar-lhe das órbitas. Começou a espumar da boca. Bulma juntou as mãos, como numa prece.

- Trunks-kun, tu sabes o que acabaste de fazer? Colocaste-nos em perigo!

- Não sejas dramática, ‘kaasan. Contei-lhe, e depois? Não aconteceu nada, como vês. Continuamos nesta dimensão. Somos dois casos perdidos, já to tinha dito. Tu não consegues terminar a tua máquina, eu não consigo interagir. Apesar dos esforços…

E quando se voltou para o pai, para ver que cara punha desta vez, não conseguiu evitar o choque. Vegeta atirou-se ao seu pescoço. Os dois rebolaram pelo chão sujo da garagem.

Trunks afastou Vegeta com uma cabeçada e um soco. Uma ferida antiga abriu-se e sangrou. Vegeta irritou-se ao ver o próprio sangue. Aparou um segundo soco e atingiu o filho com um pontapé no peito, derrubando-o. Agarrou-o pela gola, esmurrou-o na boca.

Bulma puxou-lhe pelo braço.

- Vegeta, não!

- Solta-me!

O safanão foi tremendo e Bulma foi atirada de encontro à mesa. Vegeta desferiu outro murro, Trunks gemeu, com a boca cheia de sangue. Bulma atirou-se a Vegeta, agarrou-o pela cintura, puxou-o com toda a força, separou-o do filho.

- Para, por favor! – Gritou-lhe.

O cansaço devia estar a vencê-lo e só havia essa explicação para Vegeta não se libertar dos braços dela. Mas ordenou-lhe rugindo:

- Solta-me, mulher!

Bulma voltou-se para o filho.

- Levanta-te. Sai daqui e leva a rapariga para o quarto dos hóspedes.

Trunks abanou a cabeça, a tossir engasgado.

- Despacha-te! E vai-te limpar, tens a cara numa lástima.

A custo, pôs-se em pé. Esfregou os olhos, dirigiu-se para o sofá. Vacilou, tremia das pernas, notou Bulma. Vegeta tinha desistido, fixava o filho com uma raiva surda, mordendo cada gesto, mas mantinha-se nos braços dela, aceitando a sua ingerência.

Trunks tomou a rapariga nos braços, subiu as escadas interiores e desapareceu pela porta que conduzia até ao rés-do-chão da vivenda. Só nessa altura é que Bulma aligeirou o abraço. Vegeta rastejou para longe dela. Sentou-se, encostou-se à parede, a tentar conciliar a respiração. Estava zangado. Bulma sentou-se em frente a ele, também ofegante.

Ele disse:

- Não gosto que te metas nos meus assuntos!

As palavras contrariavam a sua atitude. Bulma não queria mais discussões. Estava a perder tempo, tinha de terminar a máquina das dimensões, abrir o radar do dragão, avançar mais qualquer coisa naquela tarefa impossível.

- Trunks é o meu assunto. Tínhamos combinado isso depois do acidente.

- Humpf!

Ele limpava o sangue da cara atabalhoadamente.

- E bater em Trunks não adianta nada, Vegeta.

- Ele merece uma boa tareia.

- Essa tareia não ia adiantar nada. Trunks passava uma longa temporada na cama, ficava a odiar-nos um pouco mais…

- Ele odeia-me?

- Ele tem sangue saiya-jin.

Vegeta riu-se.

Bulma levantou-se, sacudiu a poeira das calças. Disse sem olhar para ele:

- Tu também, vai-te limpar. O que foi que andaste a fazer, nestes dias que estiveste fora? A caçar animais selvagens?

- Cala-te, mulher.

Ele olhava para as escadas e para a porta entreaberta que Trunks utilizara. Coxeou, colocou um pé no primeiro degrau, mas retirou-o a seguir. Resmungou inconformado:

- Aquela intrometida está dentro da minha casa.

- Ela não nos vai fazer mal nenhum.

Bulma agarrou novamente na chave-de-fendas, mas pousou-a na mesa, ao lado do radar. Tinha uma convidada e deveria ir tratar do almoço. Não iria mandar a rapariga embora, assim que acordasse, era contra as regras da boa-educação. Suspirou, detestava cozinhar.

- Não sentiste?

- Hum?

Vegeta continuava parado no início das escadas, a olhar para a porta.

- Esta noite. A Porta dos Mundos esteve quase a abrir-se.

Bulma recordou que algo estranho a despertara no meio da noite. Mentiu:

- Não. Não senti.

- Foi o teu filho e com aquela intrometida. Ele esteve quase a interagir, eu sei. E se não ponho um travão nisto…

- Não vai acontecer – cortou ela, amedrontada. Não por causa do feiticeiro, do Universo, mas porque temia estar a abrir-se dentro da sua família uma chaga impossível de curar.

- Tenho um mau pressentimento. – Mostrou-lhe um punho fechado. – Bulma, a partir de hoje, Trunks passa novamente a ser assunto meu! E não vais interferir.

- Mas…

- Não há “mas”. A discussão terminou.

- Como queiras!

Atirou a chave-de-fendas contra a máquina das dimensões. A ferramenta fez ricochete na chapa que ficou a vibrar com um zumbido metálico. Vegeta subiu as escadas a coxear.

Bulma deixou-se cair numa cadeira, encostou a cabeça na mão, a suspirar.

Outro dia de trabalho perdido.

O calendário não mentia. Faltavam quase três meses para a catástrofe. 


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Despertando para a verdade.



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