O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado
Bateu à porta do quarto, mas não esperou a indicação que podia entrar. Limitou-se a entrar. Bulma encontrou o filho esmorecido, parado em frente ao espelho.
- Não sabes bater? – Repreendeu-a.
- Eu bati.
Trunks nem sequer se dignou a olhar para ela, continuando a admirar o reflexo que lhe devolvia uma imagem que não condizia com o que esperava ver. Passou uma mão pelo cabelo que lhe caía até aos ombros. Desabafou:
- Preciso cortar o cabelo. Já está muito comprido.
- Queres que to corte? Eu posso…
- Não.
Bulma não esperava aquela resposta seca e imediata.
- Não, obrigado – acrescentou Trunks e amarrou o cabelo atrás, como se habituara a usar.
Ele continuava a sentir-se muito cansado, mesmo depois de ter dormido o dia inteiro. Ou fingira ou acreditara que dormira. A verdade era que sempre que fechava os olhos sentia na pele o metal frio a contorcer-se à sua volta, enquanto o carro dava piruetas no ar e aquele desejo mórbido de que tudo terminasse de uma vez por todas, sorrindo ao ver o sorriso do amigo que o chamava e eram os dois meninos outra vez, a treinar no bosque, no verão.
Mas o destino encarregara-se de colocar um feijão senzu no caminho do seu desejo mórbido e ali estava ele, a olhar para um espelho onde via um desconhecido, a cara amorfa de um morto-vivo com um cabelo demasiado comprido.
- Sentes-te bem, Trunks-kun?
A voz da mãe lembrou-lhe que não estava sozinho no quarto e que as divagações teriam de terminar, como se ela tivesse a capacidade de lhe ler os pensamentos.
- Hai.
- Pareces-me abatido.
- Não te preocupes comigo.
- Conseguiste descansar?
Trunks esqueceu finalmente o espelho e voltou-se para a mãe. Não aguentou por muito tempo o olhar dela e baixou a cabeça. Agarrou-se ao tampo da cómoda.
- Deram-me um feijão senzu – disse, a cismar com as botas que calçava –, que repõe todas as forças, cura todas as feridas, alimenta por dez dias. Como poderia ter estado cansado?
- Tens razão… Só estou preocupada contigo. Estamos todos preocupados contigo. Sabes isso, não sabes?
- Tenho estranhado. Ele não tem andado atrás de mim ultimamente.
- Nani?
- Vegeta… Cansou-se de me perseguir?
- Eu pedi-lhe que parasse.
- Fizeste mal. Estava à espera dele, na noite do acidente.
Encarou-a e atirou, consciente de que iria atingi-la mortalmente:
- Se ele tivesse aparecido, o acidente não teria acontecido.
Como esperado, Bulma estremeceu.
- Trunks-kun…
Ele susteve o olhar, empurrando a faca devagar, ferindo-a mais e mais e mais… Bulma percebeu a intenção dele. Armou-se com a armadura habitual, defendeu-se do golpe mortal.
- Talvez o acidente sirva para mudar alguma coisa por aqui.
O contra-ataque surpreendeu o atacante.
- Por que é que dizes isso?
- Espero que tenhas aprendido alguma coisa com essa tua experiência. O caminho que escolheste não te vai levar a lado nenhum.
A mãe estava quase a tocar-lhe na alma. Ele esquivou-se no derradeiro instante, não se podia deixar atingir daquela forma tão evidente.
- Não existe caminho nenhum.
Uma curta pausa.
- Há quanto tempo não falas com Goku? Ou com Gohan?
- Nani?
A mãe era exímia naquele tipo de luta, ele perdia como um principiante, enredando-se na armadilha que ela, implacavelmente, lhe estendia. Escondeu as mãos nos bolsos das calças. Tentou não parecer atrapalhado, mas começava a ficar com dificuldades em respirar.
- Não tenho nada para falar com eles.
- Pois eu acho que tens. E que evitas falar com eles por causa de Son Goten.
Fechou as mãos com força dentro dos bolsos. O metal frio contorcia-se, misturava-se com a carne, furava-o e transformava-o num ser híbrido, homem e máquina e a dor era recebida como abençoada, porque iria purificá-lo e levá-lo para o local onde o amigo o esperava. Antes de falar com Goku-san ou com Gohan-san, precisava falar com o amigo, para saber…
A voz de Bulma quebrou a lembrança em duas:
- Tens medo do que eles te possam dizer por causa daquilo que fizeste a Son Goten.
Trunks arquejou, a mãe rasgava sem pudor a máscara onde ele se refugiara naqueles últimos sete meses. Ela percebeu que o estava a alcançar, que finalmente o conseguira e animou-se.
- Trunks-kun, estás a carregar uma culpa que não é só tua. Se Son Goten perdeu a vida sabes muito bem que, em parte, Zephir foi o culpado.
Os olhos azuis dele, cheios de dor, fixaram-se no rosto da mãe.
- Dizes bem. Em parte! Porque o resto, a monstruosidade do ato, cabe-me a mim. Foi a minha mão que disparou o raio mortal que o matou! Foi a minha força que… – Deteve-se, porque resvalava para uma sinceridade que o enojava. – Bah! Não quero falar nisso!
- Provavelmente, deverias falar.
- O que queres saber? Os pormenores sórdidos?
- Não. Quero saber o que tu sentes, Trunks.
Ele encolheu os ombros.
- Não sinto nada.
Um beco. Bulma voltou atrás. Não o queria perder, era evidente, mas ele já estava longe e ela não se apercebia. Trunks colocava a máscara à pressa, antes que a perdesse para sempre. Precisava daquela identidade, ou morria.
A mãe disse-lhe:
- Quando me lembro do teu acidente, não consigo deixar de pensar que aconteceu porque tu quiseste que tivesse acontecido. Foste tu que o provocaste. Querias encontrar Son Goten no Outro Mundo.
O sorriso de Goten invadiu-lhe a mente. Trunks fechou os olhos, estarrecido com a lembrança.
- Queres encontrá-lo para pedir-lhe que te perdoe. Mas ele já te perdoou, acredito.
- Tu não sabes isso – gemeu, aflito com uma súbita apneia que lhe paralisou os pulmões.
Ela agarrou-se aos braços dele, abanou-o.
- Trunks-kun, se lhe queres pedir desculpa, porque não o fazes pessoalmente? Quando voltarmos à Dimensão Z e ressuscitarmos Goten com as bolas de dragão, podes dizer-lhe tudo o que quiseres.
O argumento que precisava para o golpe de misericórdia. Recuperou o funcionamento dos pulmões, respirou fundo. Soltou-se das mãos dela e disse com cinismo:
- Isso não vai acontecer, porque nunca mais vamos voltar para a Dimensão Z.
- Não podes dizer isso… Eu estou a construir a máquina das dimensões.
- Poupa-me! Podes enganar os outros, mas não a mim… Nem sei como consegues enganar Vegeta. Essa máquina nunca vai ficar pronta. Aqui não existe a tecnologia necessária para que isso aconteça, nem que peças ajuda aos amiguinhos universitários de Gohan.
Bulma soprou entre os dentes:
- Trunks… Estás enganado.
- E como eu nunca mais consigo interagir com ninguém… Acho que somos dois casos desesperados, ‘kaasan. Dois falhados, sem possibilidade de recuperação!
Depois, abriu a porta do quarto e saiu.
Bulma sentiu-se desanimar.
O filho continuava a escolher a vertigem noturna que lhe comia a alma, que o raptava do mundo ao qual pertencia por direito e ao qual não queria regressar, percebia-o agora, pois temia reencontrar os fantasmas de velhas lembranças.
Afinal, nada tinha mudado com o acidente.
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Próximo capítulo:
Visita à casa da serra.