O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 22
V.1 Recomeçar.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/306721/chapter/22

Bateu à porta do quarto, mas não esperou a indicação que podia entrar. Limitou-se a entrar. Bulma encontrou o filho esmorecido, parado em frente ao espelho.

- Não sabes bater? – Repreendeu-a.

- Eu bati.

Trunks nem sequer se dignou a olhar para ela, continuando a admirar o reflexo que lhe devolvia uma imagem que não condizia com o que esperava ver. Passou uma mão pelo cabelo que lhe caía até aos ombros. Desabafou:

- Preciso cortar o cabelo. Já está muito comprido.

- Queres que to corte? Eu posso…

- Não.

Bulma não esperava aquela resposta seca e imediata.

- Não, obrigado – acrescentou Trunks e amarrou o cabelo atrás, como se habituara a usar.

Ele continuava a sentir-se muito cansado, mesmo depois de ter dormido o dia inteiro. Ou fingira ou acreditara que dormira. A verdade era que sempre que fechava os olhos sentia na pele o metal frio a contorcer-se à sua volta, enquanto o carro dava piruetas no ar e aquele desejo mórbido de que tudo terminasse de uma vez por todas, sorrindo ao ver o sorriso do amigo que o chamava e eram os dois meninos outra vez, a treinar no bosque, no verão.

Mas o destino encarregara-se de colocar um feijão senzu no caminho do seu desejo mórbido e ali estava ele, a olhar para um espelho onde via um desconhecido, a cara amorfa de um morto-vivo com um cabelo demasiado comprido.

- Sentes-te bem, Trunks-kun?

A voz da mãe lembrou-lhe que não estava sozinho no quarto e que as divagações teriam de terminar, como se ela tivesse a capacidade de lhe ler os pensamentos.

- Hai.

- Pareces-me abatido.

- Não te preocupes comigo.

- Conseguiste descansar?

Trunks esqueceu finalmente o espelho e voltou-se para a mãe. Não aguentou por muito tempo o olhar dela e baixou a cabeça. Agarrou-se ao tampo da cómoda.

- Deram-me um feijão senzu – disse, a cismar com as botas que calçava –, que repõe todas as forças, cura todas as feridas, alimenta por dez dias. Como poderia ter estado cansado?

- Tens razão… Só estou preocupada contigo. Estamos todos preocupados contigo. Sabes isso, não sabes?

- Tenho estranhado. Ele não tem andado atrás de mim ultimamente.

- Nani?

- Vegeta… Cansou-se de me perseguir?

- Eu pedi-lhe que parasse.

- Fizeste mal. Estava à espera dele, na noite do acidente.

Encarou-a e atirou, consciente de que iria atingi-la mortalmente:

- Se ele tivesse aparecido, o acidente não teria acontecido.

Como esperado, Bulma estremeceu.

- Trunks-kun…

Ele susteve o olhar, empurrando a faca devagar, ferindo-a mais e mais e mais… Bulma percebeu a intenção dele. Armou-se com a armadura habitual, defendeu-se do golpe mortal.

- Talvez o acidente sirva para mudar alguma coisa por aqui.

O contra-ataque surpreendeu o atacante.

- Por que é que dizes isso?

- Espero que tenhas aprendido alguma coisa com essa tua experiência. O caminho que escolheste não te vai levar a lado nenhum.

A mãe estava quase a tocar-lhe na alma. Ele esquivou-se no derradeiro instante, não se podia deixar atingir daquela forma tão evidente.

- Não existe caminho nenhum.

Uma curta pausa.

- Há quanto tempo não falas com Goku? Ou com Gohan?

- Nani?

A mãe era exímia naquele tipo de luta, ele perdia como um principiante, enredando-se na armadilha que ela, implacavelmente, lhe estendia. Escondeu as mãos nos bolsos das calças. Tentou não parecer atrapalhado, mas começava a ficar com dificuldades em respirar.

- Não tenho nada para falar com eles.

- Pois eu acho que tens. E que evitas falar com eles por causa de Son Goten.

Fechou as mãos com força dentro dos bolsos. O metal frio contorcia-se, misturava-se com a carne, furava-o e transformava-o num ser híbrido, homem e máquina e a dor era recebida como abençoada, porque iria purificá-lo e levá-lo para o local onde o amigo o esperava. Antes de falar com Goku-san ou com Gohan-san, precisava falar com o amigo, para saber…

A voz de Bulma quebrou a lembrança em duas:

- Tens medo do que eles te possam dizer por causa daquilo que fizeste a Son Goten.

Trunks arquejou, a mãe rasgava sem pudor a máscara onde ele se refugiara naqueles últimos sete meses. Ela percebeu que o estava a alcançar, que finalmente o conseguira e animou-se.

- Trunks-kun, estás a carregar uma culpa que não é só tua. Se Son Goten perdeu a vida sabes muito bem que, em parte, Zephir foi o culpado.

Os olhos azuis dele, cheios de dor, fixaram-se no rosto da mãe.

- Dizes bem. Em parte! Porque o resto, a monstruosidade do ato, cabe-me a mim. Foi a minha mão que disparou o raio mortal que o matou! Foi a minha força que… – Deteve-se, porque resvalava para uma sinceridade que o enojava. – Bah! Não quero falar nisso!

- Provavelmente, deverias falar.

- O que queres saber? Os pormenores sórdidos?

- Não. Quero saber o que tu sentes, Trunks.

Ele encolheu os ombros.

- Não sinto nada.

Um beco. Bulma voltou atrás. Não o queria perder, era evidente, mas ele já estava longe e ela não se apercebia. Trunks colocava a máscara à pressa, antes que a perdesse para sempre. Precisava daquela identidade, ou morria.

A mãe disse-lhe:

- Quando me lembro do teu acidente, não consigo deixar de pensar que aconteceu porque tu quiseste que tivesse acontecido. Foste tu que o provocaste. Querias encontrar Son Goten no Outro Mundo.

O sorriso de Goten invadiu-lhe a mente. Trunks fechou os olhos, estarrecido com a lembrança.

- Queres encontrá-lo para pedir-lhe que te perdoe. Mas ele já te perdoou, acredito.

- Tu não sabes isso – gemeu, aflito com uma súbita apneia que lhe paralisou os pulmões.

Ela agarrou-se aos braços dele, abanou-o.

- Trunks-kun, se lhe queres pedir desculpa, porque não o fazes pessoalmente? Quando voltarmos à Dimensão Z e ressuscitarmos Goten com as bolas de dragão, podes dizer-lhe tudo o que quiseres.

O argumento que precisava para o golpe de misericórdia. Recuperou o funcionamento dos pulmões, respirou fundo. Soltou-se das mãos dela e disse com cinismo:

- Isso não vai acontecer, porque nunca mais vamos voltar para a Dimensão Z.

- Não podes dizer isso… Eu estou a construir a máquina das dimensões.

- Poupa-me! Podes enganar os outros, mas não a mim… Nem sei como consegues enganar Vegeta. Essa máquina nunca vai ficar pronta. Aqui não existe a tecnologia necessária para que isso aconteça, nem que peças ajuda aos amiguinhos universitários de Gohan.

Bulma soprou entre os dentes:

- Trunks… Estás enganado.

- E como eu nunca mais consigo interagir com ninguém… Acho que somos dois casos desesperados, ‘kaasan. Dois falhados, sem possibilidade de recuperação!

Depois, abriu a porta do quarto e saiu.

Bulma sentiu-se desanimar.

O filho continuava a escolher a vertigem noturna que lhe comia a alma, que o raptava do mundo ao qual pertencia por direito e ao qual não queria regressar, percebia-o agora, pois temia reencontrar os fantasmas de velhas lembranças.

Afinal, nada tinha mudado com o acidente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Visita à casa da serra.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.