Dangerous escrita por Carolina Moreira


Capítulo 8
Á flor da pele


Notas iniciais do capítulo

Vai ser um tanto confuso por enquanto, mas com o tempo vocês entenderão.



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Capitulo 8 – À flor da pele

Clove. Era dela que Lira precisava. Ela nem morava tão longe, era só descer a colina das amoreiras e subir o próximo monte. Ela só queria sair um pouco do caos em que sua vida se encontrava deixar todo mundo pra trás e passar um tempo com a pessoa que não saia de sua cabeça. Chegava ser obsessivo o jeito pelo qual Lira se afeiçoou a Clove. Ela sonhava, pensava, imaginava, era só piscar os olhos que lá estava a garota. Angelical e sutilmente selvagem.

Lira pulou para o banco de trás do carro e se deitou. Talvez ela se culpasse por não ter continuado na casa dos Farnsworth, mas não agora. A imagem de Clove nua apareceu ao fechar de olhos de Lira. Era tão linda, o corpo escultural perfeito. Não era malhado, era magro e esguio, seus seios eram pouco avantajados e seu cabelo negro era iluminado pela luz do cômodo. Cômodo que ela reconheceu pouco depois como seu próprio quarto. Clove a beijava louca e intensamente, ela tirava as roupas de Lira com facilidade e lhe acariciava a perna, beijava seu corpo todo, fazendo Lira se curvar na cama. O prazer era bom. Incrivelmente bom.

Ao escutar passos se aproximando do carro Lira tirou as mãos rapidamente de dentro das calças e as limpou no banco, fechou o zíper e tentou parecer o mais normal possível.

– Oi – dizia sorrindo torto Vergan, enquanto se sentava ao lado de Lira no banco traseiro. O sorriso torto dele não era belo e simpatizante como o de Clove, mas era bonitinho – quer conversar?

Lira encostou a cabeça no ombro do menino de pele bronzeada. Ela poderia viver cem, duzentas, quem sabe trezentas vidas e ainda sim não mereceria Vergan ao seu lado. Ele desviou, segurando Lira pelos ombros, olhando pra menina seriamente nos olhos.

– Eu estou muito preocupado com você Lira, é sério - dizia o menino com as sobrancelhas erguidas – isso não pode continuar assim – ele ia puxando delicadamente a manga do suéter de Lira, mas a menina puxou o braço bruscamente.

Ele olhou para ela como quem diz ‘confie em mim’. Lira estendeu o braço e Vergan arregaçou suavemente suas mangas. Lá estavam todas as cicatrizes da menina. Não eram exatamente recentes, mas ainda não haviam cicatrizado totalmente. As cicatrizes foram feitas pouco antes de ela parar na casa de Clove.

– Lira, você sabe que eu daria a minha vida por você – ele olhava fixamente os olhos assustados de Lira – não estou dizendo que eu mereça, é só que não quero te ver mais assim, sofrendo em silêncio. Você tem a mim para confiar teus segredos e desabafar – uma lágrima desceu rebelde de seus olhos, tudo que ela menos precisava era chorar na frente de Vergan. Ele passou suavemente um de seus dedos na direção da lágrima de Lira, limpando-a, segurando seu rosto com a mã, segurando-o para olhar diretamente em seus olhos. Lira não sabia oque fazer se respondia, ou se apenas continuava ali, estática – Lira você não está sozinha.

Quando se viu Lira estava abraçando o garoto. Derramando todas suas incoerentes tristezas em seus ombros. Era tão bom ter Vergan ali. Quando se soltou do abraço olhou para olha-lo nos olhos. Olhos castanhos e profundos. Vergan se inclinou, fechando as pálpebras e Lira o abraçou novamente. Não queria dar esperanças para para o menino.

No banho Lira se deu conta do quão estupida ela fora. Podia ter se esfregado com Vergan ali mesmo e esperar para que Naomi visse aquilo e tirasse aquela ideia ridícula que estava em sua mente. Mas não seria verdade, quem ela estaria tentando enganar? Ela não queria ser lésbica, e as pessoas são o que querem ser, certo? É como Jessy e Megara. São ricas e populares porque querem ser, doam a vida para isso. Todos pensam que elas são ricas e populares. Mesmo Jessy morando numa casa de madeira acabada com a avó e alugando casas noturnas para suas festas com o dinheiro que ganha na lanchonete do pai do Vergan.

Jogou-se na cama e pensou em como o que Pauline havia lhe dito não seria astuto de se considerar, finalmente ela dormiu exausta.

Estava aos amassos com Vergan no carro quando Clove abriu a porta e começou a gritar histérica que ela era traíra. Lira tentava frustrada explicar que aquilo era tudo um engano, mas a menina chorava e dizia repetidamente que nunca a perdoaria.

Acordou soando frio, agradecendo por não ter feito nada acusatório com Vergan. Segunda feira. Ela tinha que se preparar pra ir para escola, mesmo querendo ficar ali jogada na cama, sentindo a quentura dos cobertores e a suavidade de sua pele que estava recém-descansada. Na verdade não tinha que se preocupar com o que Clove pensaria sobre ela beijando Vergan. Provavelmente a garota nem se lembrava dela, nem se importava com ela. E muito mais provavelmente nem pensava nela. Elas não tinham nada mesmo não é? Foda-se.

Levantou-se preguiçosa e se vestiu com qualquer coisa. Não se preocupou com os cabelos e foi pra escola. O sinal acabara de bater e todos já estavam nos corredores, ao passar pela porta da frente Lira sentiu que os pesos dos boatos corriam em seu nome. Todos os olhos atentos olhando pra ela, cochichos constantes. Ela não estava acostumada a ser comentada e nem nada do tipo, ela sempre se preocupava em olhar as pontas dos pés andando, nunca teve de olhar o rosto daquele bando de adolescentes. O que estava acontecendo?

– Essa é a lésbica? – ouviu o comentário sobre o ombro - eai fanchão - disse uma garota loira que provavelmente era um ano mais nova, dizia isso colocando a língua entre dois dedos - é disso que você gosta não é? - falava e fazia seus amigos rir, Lira pensava que se a felicidade deles estava no ápice poderiam falar o que quiser, o que vale é a felicidade, mesmo que não fosse a dela. Eles diziam coisas que Lira nem se dera o trabalho de tentar entender, ela apenas tentava ignora-los, tapando os ouvidos sem as mãos.

Lira não aguentava nem seus próprios julgamentos, quem dirá o do resto da sociedade. Era demais pra ela. Ela fazia de tudo pra ser a menos falada possível. A garota que ninguém nem nota a presença. E de repente, ela se torna uma bomba relógio. A menina achava que ia explodir, ali mesmo, no meio do corredor, que ia começar a gritar, se ajoelhar e mandar todos calarem a boca. Quem fora o inútil que andava falando merda pelas suas costas?

Foi até seu armário e pra sua surpresa um bilhetinho colado na porta.

‘‘Ouvi dizer que você calça 48, é verdade?’’

Sem paciência Lira arrancou o bilhete e amassou. Ouviu os risinhos abafados pelas mãos em suas costas. Abriu o armário e pegou os livros para a primeira e segunda aula. Fechou com força o armário e só assim percebeu oque acontecia no fim do corredor. Traidora. Hipócrita. Como ela podia? Fingiu que se importava e agora isso?

Lá estava ela, toda pomposa. Naomi, rindo e fazendo piadinhas que insinuam a homossexuais no fim do corredor, conversando alegremente com Megara e Jessy.

Enquanto pensava se ia até lá dar um belo tapa estalado na cara daquela vadia, ela piscava freneticamente tentando fazer com que a pequena poça d’água que estava se formando permanecesse lá. Virou-se e seguiu pra sala de aula, desabando na carteira.

Não estava se sentindo apenas traída por uma amiga, mas estava se sentindo sem chão, como se não tivesse mais sentido a vida, cega e muda, não tinha palavras pra descrever tudo oque sentia. O sangue fervia em seu rosto, ela sentia a pele pinicando, cada milímetro dela sendo preenchido de fúria e ódio. Raiva. Ela sentia uma raiva incrivelmente possessa. Ela não estava chorando, chegava até dar sorrisos irônicos. Ela chegou a pensar em como as pessoas naquela escola eram infantis e idiotas, afinal, mesmo que ela fosse lésbica oque eles tinham a ver com sua opção sexual? Ser lésbica é só mais uma característica, como ter cabelos loiros ou ruivos e até negros. Mas porque Naomi tinha dito aquilo pra todos? Porque ela queria tornar sua vida um inferno? Porque? Ah, Naomi, Naomi...

O sinal bateu, e Lira agarrou seu braço fazendo que ela fosse obrigada a lhe seguir, estavam indo na direção contrária, assim batendo em todos no corredor, ela estava roxa de medo, mas andou debochando.

Jogou a mala da garota no chão e a encurralou na parede com os braços, não sabia exatamente oque fazer, mas a beijou a forças, a garota se debatia, lutava. Estava explicito que não era oque ela queria, mas depois ela relaxou, entrando no jogo. Sua saliva era morna, tinha gosto de ferro, de sangue.

Soltou a menina, a olhou nos olhos e sorriu maliciosamente.

– Eu queria fazer a muito tempo, mas nunca tive coragem – dizia Lira no estacionamento vazio do colégio – a raiva ajuda às vezes - ela sentia o gosto de fruta mordida na boca, como uma maça que já contém teus restos de saliva e e lira morderia por cima.

Era hora do intervalo, pouco a pouco as pessoas iam saindo de suas classes e se amontoando em volta de Naomi e Lira, Jessy chegava dando cotoveladas em todos pra chegar na frente.

– Espero que aproveitem o show - sussurrou Jessy dando sorrisos tortos e insinuantes.

As meninas estavam se encarado, próximas, Lira mantinha as mãos no ombro da menina, e ela estava olhando para os lados sorrindo debochadamente, e provavelmente se perguntando também como sairia dessa.

– Querem saber da minha paranoia super delirante? - perguntou Lira tirando as mãos da garota e batendo-as nas laterais do corpo - Sem ela na minha vida é como se eu fosse vazia. Com ela, como amiga mesmo, é como se ela irradia-se gloria em mim. É fácil ver a escuridão num piscar de olhos quando ela se vai - ela começara a chorar finalmente, ela sabia que uma hora ou outra isso aconteceria, conseguia ver Vergan no meio da multidão, ela ia explodir, desabar, falar tudo oque guardara pra si durante tantos anos sobre Naomi - é só ela se despedir, se afastar. É fácil dizer assim, mas durante mais ou menos 8 anos da minha vida, se eu penso em alguém, é nela que eu penso. Não dá pra mudar oque me marcou, simplesmente não dá. O que ficou, todas as magoas, sorrisos, troca de abraços, o que ficou - ela batia com força no lado esquerdo do peito - vai ficar pra sempre. É simples assim, sabem oque é isso? Amor. E não importa o tipo, gay, hétero, ou a porra toda, continua sendo amor. É isso Naomi. - a menina que ouvia tudo estava se segurando pra não despencar ali também - É exatamente isso que eu sinto por você. Bem mais que amizade.

Com isso Lira se distanciou de todos, corria pelas ruas, deixando as lagrimas escorrerem e os cabelos voarem pela brisa, gritava, nada em especifico, apenas enchia os pulmões e soltava o ar o mais forte que podia. Ela estava fugindo de novo, como sempre, a covarde Lira estava fugindo. Como sempre estava fugindo de tudo e todos. Saindo do seu mundo. Rapidamente ela chegou à estrada de terra e chegou à floresta. Lá achou uma clareira e se jogou no chão enlameado. Da sua bolsa escolar tirou o estojo e de lá seu apontador de ferro, desparafusou o prego pequeno que segurava a lâmina, e enfincou a parte mais afiada na pele. A dor nem chegava a ser considerada se for pensar com oque ela estava sentindo. Toda a dor estava sendo amenizada. Tudo estava sendo amenizado, porque agora ela sentiria na pele o quão estupida e inútil ela é.

– PARA! - gritava Lira pras vozes em sua cabeça enquanto enfincava mais e mais forte a lâmina no braço - P-PARA COM ISSO CLOVE POR F-FAVOR! - Ela chorava intensamente.

Você é um lixo Liranda, sua mãe queria te abortar. Teu pai é um puto cafetão. Teu irmão vai morrer sem você, e você vai deixar, porque você é, e sempre será a covarde da Lira. Amigos? Apenas uma velha á beira da morte. Ninguém te quer Lira, vai corta logo esse pulso. Vai, queima no colo do diabo. Vai, anda logo, oque você está esperando? Que a sua tigresinha venha te impedir? Não... Isso nunca vá acontecer, sua cola velcro imunda.

Lira jogou longe a lâmina, tapando os ouvidos numa tentativa frustrante de parar as vozes de sua cabeça, mas elas aumentavam, mais e mais. Lira havia cortado a parte superior de seu braço inteiro, um corte aqui, outros ali, ninguém veria, ninguém se importaria, e eles formavam a palavra: Fraca.

Ela nunca acharia a lamina, havia jogado muito longe, ela se levantou, recolheu a mala, e estava decidida. Apoiando-se numa pedra, segurando tremula uma caneta, ela estava escrevendo uma carta. Depois de caminhar até aquele lugar onde se lembrava de tão boas lembranças, e pensando se não poderia ela ter morrido em seu lugar. Ela estava lá, no cemitério, do lado do tumulo do avô. Que morrera apertando a mão de Lira. Não fora uma boa experiência, mas fizera Lira crescer muito. O vô era o melhor amigo de Lira, seu porto seguro. Eles passavam horas e horas fazendo barquinhos de papel e colocando no lago. Quando ele morreu, Lira tinha 9 anos, e visitava o avô no asilo aos finais de semana.

Vovô, não tens noção do quanto o senhor faz falta. Preciso do senhor agora. Vovô, você consegue ouvir meus gritos roucos? Porque não consigo sentir o senhor? Falar com o senhor? Sei que estou morta por dentro. Nunca te esquecerei vovô.

Voltando pra casa comprou gazes e esparadrapos para enfaixar o braço e estancar o sangue. Ela ainda se sentia mal. Péssima. Mas ela tinha que voltar pra casa, havia chorado por mais de quatro horas. Seus olhos estavam inchados e cansados. Ela queria se atirar na cama, e dormir eternamente.

Enfiou a chave na fechadura, parecia dura de virar, ou era só a fraca da Lira mesmo. Com algum esforço entrou. O pai estava sentando na poltrona, como sempre faz, ou fazia como quando queria conversar seriamente com Lira. Ela não devia ter acordado hoje, deveria ter ficado na cama, dormido o dia inteiro, aquele não era o dia de Lira, parecia que quanto mais ela tentava se levantar, mais a empurravam pra baixo, mas tentavam fazê-la se afogar.

– Lira, eu sinto muito - dizia o homem se levantando - eu sei o quanto ela significava pra você - o coração de Lira batia ritmado, forte, parecendo que ia explodir - mas, agora ela se foi, e estarei aqui para ajudar-te a superar.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pelo carinho, é muito importante pra mim, vocês sabem quanto.