Andere Ich escrita por Blumenkranz


Capítulo 1
Prólogo




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Eu não conseguiria fugir. Estava perto demais e era perigoso demais para que eu pudesse impedi-lo de explodir a sala. Jin gritava histericamente pelo transmissor, tentando me passar instruções do que fazer e as imagens enevoadas que minha mente projetava poluíam minha visão. Eu sentia meu poder se esvair naquela pressão de ter o mundo nas costas. Toda a fraqueza que eu tentei esconder apareceu naquele momento crítico. Era a pior hora para desistir e cair prostrado diante da Ravendran.

Enquanto eu sentia um gosto amargo na boca e o sangue quente escorrendo do meu peito, vi um vulto passar no fim do corredor - a única saída.

Bitterkeit , vamos agora! Não há mais nada a ser feito, ela se foi! Se ficar aí perderemos você também, precisamos acabar com isso!

— Eu... Não posso... - balbuciei, em meio ao desespero.

Ela não esperou que eu dissesse mais nada, apenas me pegou pelos braços e envolveu as tiras de curativos de emergência em volta de mim. Eu estava tão perplexo que não sentia mais minhas pernas, não percebia o quanto de sangue havia perdido. Meus pensamentos estavam nos últimos gritos que foi a ultima forma de pedido de socorro da única pessoa que eu poderia confiar pela vida toda depois daquela missão. Mas eu fracassei, e ela se foi por minha causa. Eu nunca me perdoaria, nunca esqueceria, era impossível permanecer na equipe depois daquele dia fatídico. Como eu olharia novamente para Zack, para minha mãe e o resto do mundo? Minha insegurança e confiança em mim mesmo desapareciam conforme as lembranças de todo aquele tempo junto dela surgiam em minha cabeça. Estes pensamentos bombardeavam minha mente quando voltei a ouvir as vozes de quem ora me socorria as pressas, ora gritava com o restante do grupo para perseguir os cientistas maníacos.

O comandante apareceu na sala depois que fomos transportados para fora. Não estava com uma cara muito boa.

— Você falhou.

— Mizuno, por favor... - Disse a alemã, pedindo compaixão - Precisamos terminar a mis...

— Não há nada a ser feito, apenas mande as tropas recuarem por ora. Você tem duas horas para levantar isso— e apontou para mim de forma desdenhosa.

Mizuno saiu da sala com as mãos cruzadas nas costas, calmamente, como se nada tivesse acontecido. Ele não tinha nem um pingo de consideração com as pessoas da Adler.

Eu sabia que não poderia deixar aquilo daquele jeito, ou a morte dela teria sido em vão. Pensei nos resultados, no que eu encontraria no fim daquele túnel - ou o que encontrariam, caso eu fosse substituído.

— Weise... Eu preciso voltar lá...

A garota me olhou com aqueles olhos enormes, tirou o jaleco e deixou ele em cima de uma cadeira e veio para perto de mim com um olhar ameaçador.

— Está louco, Bitterkeit? Daqui você não sai. Em minutos o Jin chegará com o purificador. Até lá trate de ficar quieto.

Todos os que passavam pela janela da sala olhavam para mim com desaprovação, e eu percebia alguns deles chorando. Afinal ela era importante para todos, seu sorriso e jeito de ser contagiava até o agente mais sério da Adler. “Um dia vamos ver o mar juntos, e ninguém vai nos atrapalhar, vou jogar o Hiro dentro da agua só pra ver o Zack ficar todo vermelho” disse ela uma vez entre gargalhadas. Mal sabíamos o que nos esperava depois que a Ravendran desse sinais de vida e pior, continuasse a por em prática os planos que haviam feito antes da guerra...

“Como ele está?” disse uma voz na sala ao lado.

“Não vai morrer por enquanto. E o Dave?”

“Ainda nada. Não sei mais onde procurar.” A voz falava de forma desesperançada.

“Por via das duvidas leve isto com você. Vou cuidar do garoto.”

Jin entrou na sala apressada e desengonçadamente, carregando a maca com o aparelho de purificação em cima.

— Ei meu rapaz, seu rosto está em pânico. O que você viu lá?

Eu estava sangrando e a ultima coisa que queria era conversar sobre o meu fracasso na base subterrânea. Naquele momento todas as nossas pistas de chegar em algum lugar provavelmente já estariam enterradas e queimadas naqueles laboratórios. Fiz uma careta para Jin e virei a cabeça para a parede.

— Hum... Tudo bem, devo imaginar como se sente. Mizuno quer que você termine o trabalho como o plano inicial. Houve umas dificuldades para conseguir trazer isso aqui... Mas como foi o Zack que fez, deve funcionar. É portátil, sabe? - e ele piscou os olhos, tentando me animar.

— Você... fala demais...

Ele olhou para cima e uma lagrima surgiu dos pequenos olhos. Enquanto ajeitava o purificador e me transpunha para cima da maca, Jin começou a falar novamente.

— Sabe, você mais do que ninguém sabe que não vai adiantar ficar assim. Use a ida da sua amiga pra dar a volta por cima dessa bagunça. Não tem mais ninguém aqui capaz de deter o poder daquela lente. Você deve destruí-la antes que aquele lá chegue primeiro. Em dez minutos você estará novinho em folha. Cerre os olhos. - E fechou a máquina, me deixando sem ar.

Antes de perder a consciência, senti o restante da minha energia acabando em meio ao vapor anestésico. Não era a primeira vez que eu entrara naquela máquina, mas eu sempre estranhava. Me sentia apenas um soldado em um campo de batalha cujos inimigos eram maiores e mais fortes que eu, mas que se caíssem, cairiam apenas uma vez. Muitas vezes eu queria entrar naquilo com vontade de não mais me erguer para brandir a espada da persistência e continuar tentando parar aqueles que queriam destruir nossos objetivos. Mas nunca acontecia, eu sempre acordava dez minutos depois com aquela sensação de estar pronto para mais. E eu não queria... Não queria continuar... Não havia mais sentido. Mas naquele dia os dez minutos de renovação de minhas feridas vieram com um presente. Enquanto eu permanecia desacordado, eu conseguia ver cenas de um passado não tão distante, momentos felizes ao lado dos que me eram próximos, de quando os dias eram normais, como os de uma pessoa qualquer que não tem preocupações a não ser as contas para pagar.

Comecei a ouvir um chiado parecido com os das antigas emissoras FM e uma voz tentando entrar no sinal como de uma rádio pirata.

— *shhh*, Ei cara *shhh*, se eu te conheço bem você deve *shhh* estar com essa cara de bosta querendo *shhh* desistir da *shhh* missão. Eu já estou sabendo do que houve e pense *shhh* no que ela faria *shhh* no seu lugar. Faz aquele negócio maneiro que você fez da primeira vez, lembra? *Shhh* sei que é difícil, mas *shhh* prometo que compro uns Takoyaki *shhh* pra você quando acabar tudo *shhh*.

Zack. Aquele que nunca via o lado ruim das coisas. Ele estava certo. Bancar o fraquinho agora não adiantaria, Mizuno não teria tempo de treinar outra pessoa, Weise não poderia por a vida de outra pessoa em risco para testar os componentes novamente. Tinha de ser eu, mais ninguém. Eu poderia correr para o limite do mundo e fazer com que tudo valesse a pena, eu precisava voltar pra casa ainda e ver a minha mãe, precisava do meu lar. É incrível como algumas palavras te fazem mudar de ideia tão rápido, um pensamento avulso me veio, com a voz de algum idiota qualquer. A transmissão do Zack não era tão perfeita assim e algumas vozes “piratas” entravam no meio. Provavelmente toda a Adler estava ouvindo o que eu estava pensando naquele momento. “Maldito.”

Já havia passado mais de sete minutos e eu não me sentia melhor. Talvez as mensagens embutidas no processo fizessem ele ficar mais lento. De repente tudo se apagou e eu me senti caindo em um buraco no meio do nada. Já havia ouvido falar disso antes, e as más línguas diziam que a pessoa veria isso caso a maquina falhasse. “Não” pensei, “Eu escolhi viver para acabar com isso, e não será uma máquina que vai atrapalhar isso. Mei... me ajude...”

Não sei de onde me surgiu estas palavras, mas apenas sei que as pensei inconscientemente. Senti nas minhas veias correr algo mais consistente e firme que o meu sangue, como se aço liquido estivesse passando por elas. Nunca havia acontecido antes. “Tudo de hoje nunca aconteceu antes” ponderei comigo mesmo. O calor dentro de mim começou a tomar forma e eu consegui abrir os olhos e não estava mais no consultório da Weise. O meu dragão negro aparecera para mim novamente. Ele só fazia isso quando todo o resto estava perdido. E sempre que eu o via naquele vale à luz de uma lua cheia, em cima de uma grande pedra me observando com cautela e convicção, me encantava com seus olhos fulgurantes prontos para devorar tudo que opusesse perante a sua vontade. Eu o admirava e queria ser como ele, forte, valente, fiel e sagaz.

— Você é tudo isso, pequeno ser. - Disse o dragão, aterrissando perto de mim e fazendo o chão tremer, com uma voz profunda e forte, que me faziam arrepiar cada fio de cabelo de minha cabeça.

— Me desculpe senhor. Eu fracassei novamente. Apesar de achar que conseguiria me levantar novamente e terminar o que foi começado, aqui estou eu... Não sou digno do seu legado, não estou apto para usar estes poderes.

— Estás sobrecarregado com tantos afazeres, não consegues ver que tudo é uma coisa só. Queres encontrar uma saída e uma solução para o que estão fazendo com teus chegados mas não sabes como. Precisas olhar para dentro de si e no que a Herança deixou para trás e por que foste escolhido. Nada foi em vão. Agora vá pequeno ser, e quando estiveres pronto entregarei novamente meu poder a vós. Não há mais ninguém que possa completar esta tarefa e sinta-se grato por seres o único.

— O que devo fazer senhor?

— Acreditas em mim, garoto? - Ele olhou dentro dos meus olhos, profundamente.

— Sei que o senhor é fruto do meu stress, e que na verdade é apenas coisa da minha cabeça, e ninguém mais sabe que o senhor existe e é uma forma de eu encontrar um jeito par...

— Fiz-te uma pergunta, pequeno ser.

— Sim senhor.

— Então carregues isto contigo e quando precisares de mim, eu estarei lá.

O ser mítico levantou voo, me deixando inundado em pensamentos. O cenário se desfez e eu voltei à realidade, tomando ar como se tivesse morrendo afogado, e ao abrir os olhos, encontrei Weise me observando atentamente como se cada centímetro de mim fosse um dado a ser estudado.

A História de 50 anos atrás não se repetirá. Isto não acabou ainda”.



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