Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 4
Capítulo 4 - Luz Negra


Notas iniciais do capítulo

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No dia seguinte logo pela manhã comecei meu ritual de desempacotar. Essa não era de longe a pior parte da mudança, mas não se pode negar que era cansativo e entediante. Abri primeiro a caixa de roupas e fui guardando tudo no guarda-roupas novo. Restou um grande espaço vago, pois ele era bem maior do que o antigo. Adicionei meus objetos e mudei algumas coisas de posição, tentando tornar o ambiente mais "meu". O edredom azul safira na cama ainda cheirava a novo, tudo era grande e branco demais. Percebi que não importava, minhas coisas simples não combinariam com aquele ambiente. Esse quarto seria meu refúgio por um bom tempo... Eu precisava fazer algo, mas o que? Enquanto pensava, olhei para o porta retrato na mesa, ao lado do computador que eu ganhara em meu aniversário de 15 anos. Na foto estávamos eu e mamãe, no dia em que ela trouxe Abby da maternidade. Não precisei pensar mais, eu já sabia o que fazer. Quando abri a última caixa, percebi que ela não era minha. Também não havia nada escrito do lado de fora, de modo que pensei em vascular para descobrir de quem era. Enquanto remexia na caixa encontrei uma foto de mamãe e meu pai juntos, no dia de seu casamento. Não tive tempo de ter qualquer reação, pois fui interrompida por uma batida na porta.
–-Só um minuto!
Rapidamente empurrei a caixa para dentro do armário e guardei a foto no bolso do casaco.
–- Pode entrar!
–-Mel, posso ficar com você?
Era Abby, sua voz e feição estavam completamente amuados.
–-Pode, o que foi?
–-Nada, eu só quero ficar aqui...
Eu sabia que era mentira, pois Abby sempre pedia para ficar comigo quando estava assustada ou doente. Ela não assistira nenhum filme, então não devia estar com medo, mas também não diria caso estivesse se sentindo mal, pois odiava hospitais.
–-Venha cá.- coloquei a mão em sua testa, ela estava ardendo em febre.-- Meu Deus Abby! Venha temos que achar a tia Amanda, ela tem que te levar ao médico agora mesmo.
–- Não, por favor Mel! Você sabe o que vai acontecer!
Injeções, o pesadelo do mundo.
–- Olha só, você lembra o que a mamãe dizia? Quanto mais rápido nós irmos, menos chance de você tomar injeção. Então, temos que ir agora. -
Era difícil ir contra aquela carinha, ainda mais doente, mas eu me sentia responsável por ela agora. Eu nunca havia passado por isso antes. Ver Abby doente e não saber bem como lidar com isso, me fez ter mais sentido de urgência.- Vou pedir o carro da tia Amanda, então eu mesma irei até lá com você. Tudo bem?
–- A tia Amanda saiu.
–- Só me faltava essa! Pra onde ela foi?
–- Não sei, mas levou o carro. Posso dormir? Estou muito cansada.
–- Você pode, assim que voltarmos.
Levei-a no colo até seu quarto. Não sei quem, mas já haviam desempacotado todas as suas coisas e colocado no lugar. Vesti Abby e liguei para o Andrew.
"O número chamado encontra-se desligado ou fora da área de cobertura"
–- Droga! Atende, atende por favor.
Decidi seguir por minha única saída, ir andando. O hospital ficava a seis quadras da casa, então saí caminhando a passos rápidos com Abby no colo. Não importava como, era meu dever cuidar dela. Isso não era nada perto do que eu faria para mante-la segura.
"Você não precisa de um carro", "Aprenda a economizar, manter um carro custa caro", "O Andrew te leva pra todos os lugares". Pois é mãe, o carro ''inútil'' parece bem útil agora! Enquanto eu discutia com minha mãe mentalmente, um trovão anunciou a chuva que veio a seguir. O que mais faltava acontecer?
–-Ei! Precisa de um carona?-- Um homem bem vestido, dentro de um carro que deveria custar mais do que minha antiga casa, abaixou o vidro e parou ao meu lado. Era Enzo. -- Entre, rápido.
Parecia surreal ele aparecer naquele momento. Minha primeira reação seria dizer "Não, obrigada", mas a situação era diferente. Coloquei Abby no banco traseiro e me sentei ao seu lado.
–- Onde estava indo? - Perguntou ele, em tom de repreensão.- Você não assiste á previsão do tempo? Está vindo uma tempestade terrivel, uma das piores do ano.
–- Não tive escolha, minha irmã está doente. Eu precisava leva-la ao hospital.
De repente, Enzo começou a tirar seu casaco. Depois disso, não pude evitar de olhar. Por baixo de seu casaco, ele usava uma blusa de gola alta verde escura, que valorizava a cor de seus olhos. Mas, essa não era a pior (ou melhor) parte. A blusa verde deixava aparente as formas de seu corpo. Não quero dizer que ele era super musculoso ou bem definito, nada disso. Ele era o que minha mãe chamava de "um homem de postura".
–-Pegue.
–-Estou bem, obrigada.
–-É para a criança.
Ele me disse, com um leve sorriso. Senti todo o sangue de meu corpo correndo para o meu rosto.
–-Ah.
Foi o máximo que consegui dizer. Retirei o casaco molhado de Abby e enrolei-a com o de Enzo. Durante todo o caminho ele não disse nada, mas toda vez que eu olhava pelo retrovisor, encontrava seus olhos em mim. E então, logo eles eram desviados.

Após estacionar, Enzo retirou Abby do carro e levou-a no colo para dentro do hospital.
–- Com licença, eu preciso de um pediatra.
Após dar uma boa regulada em Enzo, a enfermeira rechonchuda respondeu
–- Desculpe senhor, estavamos com muitos pacientes no momento. O senhor vai ter que aguardar.
–-Como assim? Eu estou com uma criança doente aqui! Não está vendo?
–- Eu gostaria de poder fazer mais, mas com as chuvas há muitos acidentes e a demora aumenta. Se o senhor puder esperar um pouco...
–- Eu espero MESMO que ela não piore.- O tom de Enzo fez saltar até a mim. - Se algo acontecer, saiba que todos vocês serão devidamente processados!
Com os olhos arregalados, a enfermeira deu um breve telefonema e logo um médico apareceu. Ele se identificou como Dr. Gabriel Arbus. Era um rapaz jovem, de olhar acolhedor, cabelos claros e olhos castanhos. Tinha um jeito muito certinho, de quem causava orgulho á família.
–-Muito bem bebê, agora abra a boca...
Após fazer alguns exames em Abby, ele nos disse que ela estava com uma forte gripe e que deveria ficar de repouso.
–-É bom que ela permaneça aqui por algumas horas, no soro. Vamos ver como ela reage aos medicamentos. Não queremos que a febre volte, não é?
disse ele, abrindo um sorriso.-- E vocês, são os pais?
Todo o momento durante a consulta Enzo não havia saído do meu lado.
–- Não...Não! Eu sou irmã dela e esse é meu...Meu amigo.
–- Enzo Portocallo.
Ele apertou a mão do Dr. mais firmemente do que o necessário.
–- Portocallo, é? Parente de Laura Portocallo?
–- Sim, eu era.
–- Como é?
–- Minha mãe, Laura, faleceu há 17 anos.
Mãe? Percebi que nunca cheguei a me perguntar o por que daquele nome.
–- Oh, sinto muito! Eu não sabia...Meus pesames. Ela foi uma grande referência para mim, na área médica.
–-Eu entendo.
repondeu Enzo, frio.

Depis disso nos retiramos do consultório e fomos ver Abby no quarto. Ela estava dormindo tranquilamente. Sentei-me na cama ao lado e fiquei olhando pela janela. Enzo sentou-se ao meu lado.
–- Gostou do bolo?
–- Hã?
–- O bolo, que lhe dei ontem.
Percebi que já havia me esquecido disso. Era impressão minha ou estávamos nos tornando próximos?
–- Não o comi, mas Andrew pareceu gostar muito.
Eu disse, dando uma risada ao lembrar.
–- Ah, o Andrew. Vocês namoram, então?
–- Sim.
–- Há muito tempo?
Que pergunta mais intima...
–- Dois anos, mas nos conhecemos desde sempre. Não lembro de uma fase de minha vida da qual ele não tenha feito parte.
–- Entendo.
Ele parou de olhar pra mim e começou a olhar pela janela também. Seu olhar parecia perdido.
–- Sinto muito, pela sua mãe.
Eu disse, olhando pra ele. Pela primeira vez o encarava de perto assim. Ele tinha uma barba por fazer, o que o deixava com uma aparência séria. A boca bem desenhada, que seguia de um nariz não muito pequeno. Estando assim, perto, pude reparar mais em seus olhos. Eram um tom de verde musgo, algo neles diziam que ele já havia passado por muita coisa.
–- Faz muito tempo.
Ele me respondeu, ainda com o olhar perdido na chuva.
–- Não importa, eu sei o que é. Eu sei como é essa dor.
Enquanto eu falava e olhava em seus olhos, ele se virou e olhou nos meus também. Seus olhos percorreram de meus olhos, para os meus cabelos e dos cabelos ele passou para minha boca. Parou o olhar por alguns segundos e então voltou a me olhar nos olhos.
–- Sua mãe- ele disse baixo - Tinha esses mesmos olhos negros que você tem?
Seu olhar me fazia congelar e derreter ao mesmo tempo.
–- Não, os olhos dela eram azuis, como os de Abby.
Eu não podia deixar aquele clima continuar. Não podia deixar-me sentir daquela forma. O que eu estava pensando? Virei o rosto e encarei a janela. Enzo virou firme, porém carinhosamente o meu rosto de volta contra o seu.
–- Eles tem uma luz. Já te disseram? Uma luz única. Uma luz negra.
Assim que terminou de falar, ele se aproximou mais e mais, até que o calor de nossas respirações se encontrassem.



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Notas finais do capítulo

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Beijos.