Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 24
Capítulo 24 - Botas Pretas e Vestido Pêssego




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            Contei tudo á Luna. Dos sonhos até a perseguição que ocorrera um dia antes. Também falei sobre o diário de minha mãe e sobre tia Deborah. Quando comecei a contar-lhe tudo, Luna estava começando a trocar de roupa, ela parou assim que percebeu a gravidade das informações. Sentada na cadeira de balanço que eu trouxera comigo da antiga casa, Luna estava com o vestido verde, de camadas leves totalmente desalinhado ao corpo e com o ziper aberto, ela ouvia tudo em pleno silêncio com um olhar pensativo e uma mão apoiando o queixo. Ela era a personificação da palavra "surpresa", mas não uma surpresa como quando alguém te dá um presente inesperado, ou quando alguém que você não sabia te conta que gosta de você. Era uma surpresa ruim, como uma sentença.
-- Luna, você tem alguma idéia do que seja isso. - eu disse, enquanto sentava-me na cama. - Você entende e sempre acreditou nessas coisas sobrenaturais, pra mim isso tava bom enquanto ficava nos filmes.
-- Vou pesquisar. - ela disse, com uma voz perdida - Mas, isso é bem sério... - Balancei a cabeça consentindo - Como... Como você conseguiu fugir?

Percebi então que mais uma vez havia me esquecido de Enzo. Uma falha grande, pois, se não fosse por ele provavelmente eu não estaria alí.
-- Ele me ajudou. - contei. - Na verdade, me salvou. Mais de uma vez, e eu nem sei por que.
Luna ficou me olhando com as sobrancelhas erguidas, então, num salto levantou-se da cadeira.
-- Eu sabia! Sabia que ele não era normal! - ela deu um punho na outra mão espalmada. - Eu não lhe disse?! Você deveria ter escutado.
-- Mas, sinto que não é culpa dele Luna. Indiferentemente de ele estar próximo ou não, tudo isso tem mais a ver com a minha mãe. - expliquei.
-- Sua mãe? É mesmo...- ela disse, enquanto andava de um lado para o outro no quarto. - O que tem nesse tal diário?
-- A história dela... Toda a vida dela antes, durante e depois de conhecer meu pai. Eu sinto... - parei pra suspirar. - Sinto que ela quer me dizer algo.
-- Isso está mais do que obvio! Não se preocupe. Uma hora vamos descobrir o que é isso. - ela sentou-se na cama também.
-- É disso que eu tenho medo. - falei, enquanto encarava o chão coberto por uma madeira brilhante que me lembrava a antiga casa - E se.. o problema for eu? Talvez eu quem não seja normal.
-- É claro que você não é normal. - ela passou braço ao redor de meus ombros. - Com ou sem sobrenatural, você nunca foi muito normal. - nós rimos e uma lágrima saiu de meu olho. Luna a viu e levantou-se da cama. - Parou! Você tem que estar linda hoje. Essa aura deprê tá me contagiando e festa não combina com isso. Vá tomar um banho e colocar seu vestido... Depois faço seu cabelo.
Assenti, abracei-a e deixei Luna no quarto terminando de se arrumar, enquanto seguia para o meu banheiro. Ainda era estranho ter um banheiro tão chique e só meu mas, ao lembrar-me do evento que me aguardava lá em baixo, o banheiro parecia bem simples.


                 Tomei um banho rápido, tomando cuidado para não tocar em meus machucados, que após o banho ficaram ainda mais visíveis. Meus joelhos estavam muito feridos e o corte em minha mão, apesar de cicatrizados ainda estavam com um tom vermelho bem aparente. Parada de roupão em frente ao grande espelho do banheiro, passei a mão para desembaçá-lo. Enquanto encarava meu reflexo, recordei-me da manhã em que fomos á missa de um ano em homenagem a morte de minha mãe. Sem dúvidas, eu trocaria tudo isso por um minuto com ela. Pensei também se Andrew estaria lá. Ele tinha de estar! Há anos eu não passara aniversários longe dele. Essa festa não seria a mesma coisa sem o casal que acha que sabe dançar, mas parecem duas amebas. Ou seja, nós. Ouvi uma batida leve na porta.
-- Seu vestido chegou! - era Luna - Faça o favor de vir logo, pois quero vê-lo!
-- Pode abrir sem mim! - gritei.

Meio minuto depois, ouvir sua reação.
-- VEM VESTIR ISSO DAQUI, AGORA!
Não consegui conter o riso e saí, pronta para encarar a fase da arrumação.
                                                                                          *******


                 Após colocar o vestido, Luna me fez rodar, desconsertada, uma dezena de vezes para ela ver as rendas movimentando-se. "Deslumbrante", ela disse. Prendemos meu cabelo, mas achei que era um visual formal demais. "Parece até que vou me casar", brinquei. Então, decidimos que como o tema da festa era obvio: flores, nada mais natural do que eu usar flores! Peguei o arco que Abby fizera para mim e o coloquei. Agora sim, eu parecia eu mesma e não uma boneca.
-- Parece mesmo que você vai se casar. - Luna disse enquanto fazia uma maquiagem simples em mim. - Só que você no caso seria uma fada. Não tinha como esse arco vir mais a calhar! Mas, não acha que acharão estranho? Quero dizer, a família do seu pai. Eles devem esperar uma Anne Hathaway, e vão ter uma Emma Stone.
-- Que bom. - eu disse, simplesmente.
A intenção era essa. Causar.
                Luna ''maquiou" meus machucados que ficaram quase imperceptíveis. A maquiagem do rosto consistia em um delineado simples, blush e batom num tom natural pêssego. Calcei meu salto nude, mas mudei de ideia. No fim, saí com minhas botas preta de cano baixo.
-- Nossa. - Luna pronunciou, enquanto eu girava uma vez para lhe mostrar o look completo.
-- Vestido Vidalgo, pés e cabeça Lake. O que achou?
-- Demais! Não imaginei que essa combinação daria tão certo.
Ficamos nos encarando juntas no espelho.
-- Vão amar ou odiar? - perguntei, sorrindo.
-- Quem se importa?! - ela disse, antes de eu a pegar pelo braço e sairmos do quarto.

               Assim que desci as escadas, dei de cara com boa parte da família de meu pai. Eles param alguns segundos para me encarar, então, forçadamente voltaram á suas conversas alheias. Minha tia-avó, Meredith, aproximou-se de mim. Ela tinha olhos inchados e enrugados, além do avermelhado que a faziam parecer ainda mais maléfica.

-- A quanto tempo, não? - ela disse, enquanto apoiava-se na muleta. - Nem deve se lembrar de mim!
-- Lembro sim tia Mery. - tentei ser simpática.
-- Meredith Vidalgo Monarc! É assim que sou conhecida, mas a família me chama de Dith. - ela corrigiu-me. - Quantos anos está fazendo?
-- 18. - o desespero para me desvencilhar dela cada vez mais crescia.
--Mas já! Impossível! Eu não estou tão velha assim.
Talvez ela se surpreendesse, caso se visse como eu a via. Para meu alivio, Rick aproximou-se de nós.
-- Vejo que já se reencontraram. - ele disse. - Terão muito tempo para conversar. Com licença tia Dith.
Ele pegou-me pelo braço e afastou-me dela. Puxei Luna comigo.
-- Obrigada. - eu lhe disse aos sussurros.

-- Não foi nada, o pior ainda está por vir.
Assim que ele disse isso, eu a avistei. Era uma mulher magra, esguia e de cabelos louros que, apesar de desbotados pela idade, estavam muito bem cuidados e presos em um penteado chique. O vestido preto era liso e formal, uma echarpe de ceda azul cobrindo seus ombros. Ela parou enquanto dava uma gargalhada contida, daquelas que se dá não por que achou algo engraçado, mas só para fazer a social. Então, virou-se para onde todos olhavam e encarou-nos com seus olhos castanhos e frios. Rick apertou meu braço, uma forma de dizer que estava comigo. Ela aproximou-se de nós.
-- Feliz aniversário, nossa querida Mellany Vidalgo - ela disse, erguendo o queixo ligeiramente - já é praticamente uma moça.
-- Mellany Lake Vidalgo - a corrigi enquanto olhava-me dos pés á cabeça. - Obrigada vovó.
Catherine Donagan Vidalgo, ou Cath Vidalgo, como é conhecida entre a nata da alta sociedade, como ela mesma referia-se aos seus ''amigos''. Minha avó, mãe de meu pai. Fora com ela que eu aprendi, desde criança, que esses títulos "avô", "pai" e etc., são somente títulos. Não significa obrigatoriamente que a pessoa te ame como se deve. Para ela e era uma bastarda, assim como Abby. Éramos um erro da juventude de seu filho rebelde, com uma hippie estrangeira.
-- Não sabíamos que a senhora viria. - Rick falou.
-- Você me mandou um convite, não mandou? - ela ergueu as sobrancelhas finas. - Eu não ia perder a chance de vir aqui ver esse circo.
-- Que circo?! - meu pai revoltou-se, mas se controlou para não chamar atenção dos convidados.
-- Você está meio grande pra brincar de bonecas, Ricardo. - ela apertou os olhos. - Comprou uma casa e roupinhas para elas. Isso não muda nada. Sua irmã me falou, mas eu tinha de ver com meus próprios olhos.
-- Elas são minhas filhas, Catherine. - ele pronunciou o nome de sua mãe com rispidez. - Você não é obrigada a ficar e foi convidada por simples cortesia. Estou cuidando de minhas filhas, coisa que vocês deveriam ter feito comigo, ao invés de partir em seus cruzeiros.
Eu estava impressionada com a forma com a qual meu pai me defendia. Tantos anos imaginando que ele coagia com sua família e que tinha nos deixado por causa dele. Finalmente, eu podia ver que isso não era verdade.
-- Pobre menino rico, não é assim a velha frase? - ela soltou uma gargalhada. Qualquer um que nos visse imaginaria que estávamos nos divertindo. - Faça como quiser filho amado mas, assim como a mãe, elas o deixarão a ver navios, e você correrá de volta para o seio de sua família, de onde não deveria ter saído. - neste momento, um garçom passava com uma bandeja com algumas taças de champagne ou vinho. Ela pegou uma. - Um brinde a aniversariante! - ela ergueu a taça em minha direção, então desfez seu sorriso e saiu de perto de nós.
-- Não se preocupe. - meu pai virou-se para mim. - Em breve ela ficará completamente bêbada, então meu pai a levará embora. - ele disse com asco.
-- Obrigada por ter nos defendido. - eu o abracei o mais forte que pude. - A festa está muito linda, pai. Eu nunca pensei em ter algo assim antes.
Sem dizer nada, ele me abraçou forte e me desejou feliz aniversário. Então, pegou-me tentando ver ao longe de onde vinha aquele som alto. Com certeza era dos fundos da casa, onde meus amigos deveriam estar. Eu estava louca para me encontrar e dançar com eles.
-- Vá! E não pare no meio do caminho caso alguém fale com você! - ele riu.
Sorri em agradecimento e parti desviando-me de todos os parentes que se aproximavam para conversar comigo. Até que, ao lado da escada, eu o vi. Parado com uma mão no bolso de sua calça preta, enquanto a outra mão segurava um porta-retratos. Era uma foto minha quando criança, abraçando nosso antigo gato chamado Miumiu. Fiquei um tempo encarando suas costas. Não sabia o que fazer se deveria cumprimentá-lo ou não. Então, ele virou-se e minha atenção desviou-se para o que ele estava vestindo. Um terno muito bem alinhado e seus cabelos louro escuro penteados para trás. Enzo lançou-me um sorriso. Se de manhã ele parecera quase um humano, agora ele estava além do sobrenatural. Aproximei-me da bancada de bebidas que estava ao lado e disfarçadamente comecei a falar.
-- O que está fazendo aqui? - perguntei, enquanto dava um gole no vinho. Fiz uma careta. Era horrível!
-- Fui convidado. - ele deu um sorriso torto, confuso. - E você?
-- Sem graça. - disfarcei enquanto uma conhecida do colégio passava perto de nós. Sorrimos para ela, que ficou nos encarando o máximo que pode. Droga!
-- Acalme-se Mellany, não há nada de mais em eu estar aqui. Sou um professor no aniversário de uma aluna, convidado pelo próprio pai dela. - ele pegou o copo de vinho de mim. - Você gosta disso? - ele disse, enquanto balançava o copo com desinteresse.
-- Não. - peguei o copo de sua mão e o deixei na bancada. - Era só pra disfarçar.
-- Entendo. - ele riu, deixando-me nervosa.
Será que Enzo não percebia a gravidade de sua presença? E eu me referia a gravidade de ele e Andrew se encontrarem. Dei-lhe as costas, pronta para prosseguir rumo á pista de dança, quando ele me puxou novamente.
-- O que foi?
-- Tome cuidado. - ele estava sério agora e me encarava como sempre com seus olhos verdes semi serrados. Puxei meu punho de volta, o que ele segurava, temendo que alguém estivesse prestando atenção em nós. Assenti duramente e virei-me de novo. Novamente ele me puxou, agora pela mão. Olhei-o com uma cara de reprovação, mas ele prosseguiu, e sussurrou "Adorei as botas", olhou para os meus pés e então para os meus olhos novamente, antes de afastar-se de mim e reunir-se com os demais professores que estavam presentes. Olhamos para trás ao mesmo tempo, enquanto eu abria a porta, fazendo o som da pista de dança chamar a atenção de todos dentro da casa. 


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Notas finais do capítulo

Além de aniversário da Mellany, hoje é aniversário da Bia!!! Ou seja euuuu eeee kkkkkkkkkkk Gente, tô velha! 1.9... É... As definições de idade foram atualizadas. (: