Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 20
Capítulo 20 - Estou Aqui


Notas iniciais do capítulo

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Girei a chave tentando dar partida no velho conversível, sem tirar os olhos das sombras que se tornavam cada vez mais visíveis no fim da rua. Após um forte rangido, graças ao esforço no motor, o carro falhava diversas vezes deixando-me ainda mais desesperada. Virei-me rapidamente para pegar minha bolsa no banco de trás e levei um susto quando Finny moveu-se. Ele estava escondido entre a bolsa e o banco. No desespero de escapar eu não havia percebido que havia um passageiro á mais em meu carro. Joguei a bolsa no ombro e saltei do carro. Com Finny no colo, saí correndo para o único lugar mais próximo: a casa antiga. Olhando para trás diversas vezes, observei as sombras que se moviam lentamente subindo a rua. No meio delas, uma sombra menor parecia imóvel, algo nela a fazia destacar-se entre as demais sombras, que aproximavam-se cada vez mais rápido. Finny encravara as unhas em meu casaco e olhava de olhos arregalados para o que deveria estar vindo atrás de nós. Enquanto eu corria pela rua coberta por resto de folhas, que agora tornaram-se uma armadilha escorregadia. Eu desviava o máximo que podia dos galhos e folhas que o vento havia arrastado na tempestade, mas quando estava em frente a casa escorreguei e caí de joelhos novamente
Demorei alguns segundos para me levantar, era como se meu corpo estivesse entorpecido pelo medo. Tudo parecia tão rápido, tão vivo. A chuva caía pesadamente sem parar, um trovão rugiu no céu, enquanto eu encarava minhas mãos raladas e apoiadas na calçada. Haveria escapatória, afinal? Toda essa fuga contra algo que parecia surreal, uma ameaça desconhecida. Levantei-me. Não, eu não poderia desistir. Finny já havia corrido e entrado no quintal por um buraco na cerca. Corri para o portão e o empurrei para cima, fazendo-o abrir-se. Empurrei-o e corri para a entrada. Finny me aguardava lá, sentado junto a porta. Os segundos a seguir pareceram um sonho. Enquanto eu me aproximava da porta com a mão já esticada em direção á maçaneta, a porta abriu-se fazendo meu coração disparar. Eu havia sido pega? Não! Para minha surpresa, Enzo estava do outro lado da porta e pegou minha mão rapidamente, puxando-me para dentro da casa. Todos os nossos movimentos pareciam ritmados, como uma dança. Assim que eu havia entrado completamente para dentro da sala, em um giro ele virou-se novamente e fechou a porta, em nenhum momento nossas mãos se soltaram. Abri minha boca para falar, mas nada pronunciei.
– O que aconteceu?! - Enzo cortou o silêncio enquanto olhava-me chocado. Tentei novamente, mas não consegui falar nada. - Fique aqui. - Ele me disse, enquanto soltava minha mão e fazia menção de abrir a porta.
–- NÃO! - Falei, finalmente. - Não faça isso! Eles estão lá fora. Vários deles! - Eu disse, aos berros agarrando sua mão novamente.
Sem mais perguntas, Enzo apertou os dentes. Um olhar feroz tomou conta de sua expressão. Senti sua mão fechar-se cada vez mais, comprimindo a minha. Quando percebeu, ele suavizou a expressão e soltou minha mão. Virou-se de costas para mim, em direção a porta.
–- Fique aqui dentro. - ele me disse. Pelo tom de voz, não ousei questionar suas ordens. - Volto já.
Ele abriu a porta e saiu, fechando-a atrás de si. Eu quis dizer "Não vá!" novamente, mas algo em sua segurança me fez acatar sua vontade.

Eu estava cansada, assustada e perdida demais para correr atrás dele ou esconder-me. Caminhei um tanto sem direção pela sala de estar, perdida em meus pensamentos. Sentei-me bruscamente no pequeno espaço que havia entre nosso velho sofá e a parede, Acabei batendo as costas na parede e apoiei minha cabeça na lateral do sofá, observando meus ferimentos. Nada grave, porém a calça jeans havia cedido á minhas quedas e estava rasgada no joelho esquerdo, expondo os cortes em meu joelho. Ergui minhas mãos diante do rosto, elas estavam raladas e com os arranhados do gato. Abaixei-as e fechei os olhos. Um tempo depois, nem sei dizer quanto, ouvi a porta se abrir novamente e passos seguirem aproximando-se de mim. Da posição que eu estava não conseguia ver a porta, então meu coração disparou novamente quando duas mãos encostaram-se em meus ombros, gritei enquanto empurrava-o.
–- Shhh – era Enzo. – Sou eu, está tudo bem. - Ele me abraçou, encostando minha cabeça em seu peito e colocando os braços em minha volta. Percebi que eu estava chorando compulsivamente. – Ninguém vai ferir você. – ele me disse, enquanto balançava-se lentamente, me acalmando. – Confie em mim
Aquele parecia novamente o Enzo gentil que eu conhecera de repente na confeitaria.
–- Queria que minha mãe estivesse aqui. – A frase saiu de mim com dificuldade e nem eu mesma sabia se a havia dito ou pensado. “Eu quero minha mãe”, é uma frase infantil e medrosa, mas era a coisa mais sincera que eu poderia dizer naquele momento.
Enzo não havia se importado com meu estado deplorável e abraçava-me firmemente com o rosto encostado no topo de minha cabeça, a camisa já suja pela lama que cobria boa parte de mim.
–- Eu estou aqui. – ele disse baixinho, sem parar de me embalar em seu balanço lento.
Mas, apesar de seu esforço, eu não conseguia parar de chorar. As lágrimas brotavam de mim como as águas na nascente de um rio. Ele levantou-se e sumiu por alguns segundos. Meus sentidos ainda estavam apurados, como estiveram enquanto eu fora perseguida, de modo que cada mínimo som despertava minha atenção. Eu ainda estava em pânico. Enzo voltou e entregou-me uma xícara de chá. Percebi que ele observava apreensivo as minhas mãos tremulas levarem a xícara lentamente até meus lábios. Bebi tudo em um gole, sem ao menos sentir o gosto. Ergui as mãos para entregar-lhe a xícara, mas ao invés de pegá-la, em um movimento rápido Enzo retirou um sapato meu. Olhei-o aturdida.
–- Você precisa descansar. – ele disse por fim, indo em direção ao meu outro tênis.
–- Mas, eu não quero. – eu disse, rapidamente.
Como se eu não tivesse dito nada Enzo retirou meu outro tênis. Levantou-se e me pegou no colo. Olhei-o perplexa, tudo parecia tão surreal. Ele sentou-me, de roupa e tudo na banheira. Por um segundo, imaginei se ele iria retirar minhas roupas. Fiz menção de levantar-me, pois era claro que eu não permitiria que isso acontecesse. Porém, meu corpo parecia cada vez mais pesado. Tentei relutar, mas fui dando piscadas cada vez mais longas, até que lentamente meus olhos se fecharam.
********

Uma forte luz seguida de um estrondo fez-me despertar de meu sono. Ainda de olhos fechados, senti algo gelado roçar meu joelho e deslizar até minha canela. Então, algo tocou novamente meu lábio inferior, tinha um cheio desagradável e era úmido. Abri os olhos numa fração de segundo e levei a mão até o que estava me tocando. Parei enquanto segurava firmemente a mão de Enzo, que segurava uma gaze embebida em algo arroxeado. Olhei-o em seus olhos verde escuros que fitavam-me com um ar preocupado.
–- O que pensa que está fazendo? – perguntei, enquanto levantava-me senti uma forte dor nas costas. – Ai...
–- Pelo visto você já voltou ao normal. – ele disse gentilmente. Então, voltou a cuidar de meus ferimentos. Ele pegou um band aid grande e colocou em um dos meus joelhos. Fitei-o perplexa, ele cuidava de mim com uma expressão séria, as sobrancelhas ligeiramente erguidas. Finalmente percebi que estava sentada em minha antiga cama, que agora recebera edredons brancos novos e uma mesinha de cabeceira. Nela havia uma bíblia, o que estranhamente deixou-me espantada. Mas, mais espantada fiquei quando notei que minhas roupas haviam sido trocadas e que meu cabelo estava molhado. No lugar de meu casaco, da calça jeans e dos tênis, eu vestia somente um casaco de lã fina, grande demais em mim, o bastante para ficar no comprimento de um vestido curto.
–- O que aconteceu com as minhas roupas? Você... - Com dificuldade, recordei-me de Enzo me sentando na banheira. Todo o sangue de meu corpo correu direto para minha face, deixando-me corada de vergonha. Ele não poderia ter feito isso! Que falta de respeito!
–- Fique calma. – Ele me disse, pegando minha mão e avaliando meu corte. – Eu não fiz nada.
–- Como se isso mudasse alguma coisa! – levantei-me da cama. Enzo permaneceu sentado na cadeira ao lado.
–- Eu quis dizer que não fiz nada, literalmente. – ele disse, pacientemente. - Quem cuidou de você foi sua tia.
Minha tia?!
–- Oh, meu Deus! Que horas são? - olhei para as grandes janelas do sótão. A cortina semi aberta exibia um fim de tarde negro que ainda era castigado pela chuva agora um pouco mais calma. - Meu pai deve ter ido me buscar e não me encontrou, então a tia Amanda veio atrás de mim! – Mil coisas passavam pela minha mente, quando Enzo interrompeu-me.
–- O que eu quero saber é o que você estava fazendo sozinha aqui. – ele levantou-se.
–- E que você estava fazendo aqui? Não deveria estar dando aula? – perguntei acusadoramente, fugindo de sua pergunta.
–- E você não deveria estar assistindo-a? – ele respondeu, deixando-me sem saída.
–- Onde está a tia Amanda? – desviei novamente o rumo da conversa.
–- A tia da qual eu me referia era a Deborah. – ele explicou, surpreendendo-me.
Ergui as sobrancelhas, evidenciando a confusão na qual minha mente se encontrava. Tia Deborah? O que ela fazia aqui? Ainda mais, desde quando ela e Enzo se conheciam?


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Notas finais do capítulo

50 tons de casaco de lã hihihi
Não sei o que se passa com o editor do Nyah, mas as vezes ele me impede de criar o espaço dos parágrafos --' então, não é culpa minha... sorry!
Beijos ♥