Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 1
Capítulo 1- Recomeçar


Notas iniciais do capítulo

Neste capítulo conhecemos Mellany (ou Mel)uma garota tentando enfrentar grandes mudanças em sua vida. Mal sabe ela que as mudanças estão apenas começando.



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          O relógio despertou, ao som de "Little Happy Days". Que irônico, por que eu ainda não havia trocado aquela música? Talvez não fosse a música quem estava me irritando, talvez ela não fosse alegre demais. Talvez eu quem estivesse triste demais pra qualquer coisa. Virei-me de lado na cama, desde quando tudo ficara tão frio? Deitada naquela posição, pela primeira vez reparei de verdade na pintura da parede. Nela haviam incontáveis e minúsculas flores em tons de roxo, lilás e púrpura. Lembrei-me do dia em que cheguei do colégio e Ela arrastou-me para o quarto. Sem dizer nada, abriu a porta e mostrou-me sua mais nova arte. Eu gritei e disse que ela não deveria ter feito algo tão invasivo, que o quarto era meu e que eu quem deveria escolher. Por que? Por que eu fui tão cruel com ela? Encolhi-me na cama e sem perceber adormeci.


–-Quem é você?- Perguntou-me uma voz vinda da escuridão. Apesar de não conseguir enxergar sua face, pude perceber o tom de desespero.
–-Eu me chamo Mellany.- Respondi confusa, enquanto tateava o ar.
–-Precisamos Dela, não deixe-a ir!
–-Dela, quem? O que aconteceu com você? - prossegui caminhando lentamente no breu.
–-Liane!
Liane, minha mãe. Mãe! Senti meu peito afundar e então meu corpo tremeu em espasmos. Logo despertei. Era Abby, minha irmã mais nova, me chamando.
–-Mel, a tia Amanda não deixa eu usar meu vestido azul!- Esbravejou ela, enquanto saltava por cima de mim na cama. Abby era pequena, para os seus 4 anos. O cabelo dourado, preso em uma pequena penugem no alto da cabeça, fez minha mãe a apelidar de Pequena Calopsita.
–- O quê? Por que? -Perguntei, ainda sonolenta.
–-Ela disse que eu tenho que usar o preto, mas eu não gosto dele!
Preto, essa era a cor de nossa família hoje. A cor que deveria representar ao mundo a imensidão de nossa dor. Mas, eu não queria saber do mundo. No momento, só Abby me importava.
–-Você pode usar o vestido que quiser.
–-Qualquer um?
Aquele sorriso despreocupado e inocente parecia destoar da aura de nossa casa.
–- Qualquer um que você quiser!
Tentei sorrir e em um instante ela já havia corrido do quarto.

Levantei-me, corri para o meu pequeno banheiro, construido de maneira improvisada em um dos meus surtos por privacidade . Escovei os dentes e o cabelo. Olhando no espelho, reparei que a única coisa viva em mim era a cor vermelha de meus cabelos. Nem meu pai, nem minha mãe eram ruivos. "Ruivos são fruto de um erro genético", recordei-me da frase do médico. De fato, tudo em mim era um erro. Meu nariz não era minúsculo, nem meus lábios finos. De fato não era parecida com as atrizes famosas. Meus olhos negros, nariz mediano e a boca sem graça, me deixavam um tanto longe dos padrões hollywoodianos. Recordei-me da infância, quando peguei uma tesoura e sem medo cortei minha franja. Ficou desregular e desarrumada, mas minha mãe disse-me que eu estava linda. Ela adorava quando eramos expontâneas e criativas. Duas coisas que eu raramente era. "Você é única e tudo que você faz sem pensar vem direto de dentro de você, isso torna essas coisas únicas também", ela me disse, compreensiva como sempre. Mamãe e suas filosofias que só ela entendia.
Quando voltei para o quarto havia um vestido preto sobre a cama. Preto, cintura imperial e renda nos braços. Era tudo que eu adorava, porém o vesti como uma mortalha. Desci as escadas rapidamente, estava muito atrasada. Meus atrasos nunca foram novidade pra ninguém.
–-Podemos ir?
Era tia Amanda, irmã de meu Pai. Acenei com a cabeça que sim. Estávamos rumo ao aniversário de minha mãe. Fazia mais de um ano, desde sua morte. Lembro-me do dia em que cheguei em casa e não a encontrei. Logo mais, recebi a visita de dois oficiais que levaram-me ao hospital para receber aquela notícia que meu cérebro se negava a processar. "Sua mãe faleceu." Disseram-me que fora vítima de um tumor, apesar de ela nunca ter apresentado sintomas antes, me explicaram que essas coisas as vezes não dão aviso prévio. Mas é obvio que qualquer explicação em um momento desses, não faz a mínima diferença. Todos nós vivemos na ilusão de que nossas mães serão eternas, e naquele dia, essa ilusão foi tirada de mim.
–-Espere!- Subi correndo as escadas, abri a segunda gaveta de minha escrivaninha e peguei uma tesoura. Corri para o banheiro e em um picote, os cabelos foram ao chão. Lá estava a franja que ela adorava. E era assim que ela iria se lembrar de mim, pra sempre.
–-Podemos ir.- Eu disse, passando pela porta da sala e me deparando com Tia Amanda. Ela mantinha seu costumeiro olhar de julgamento. Amanda nunca gostou de minha mãe e fazia questão de tornar isso público, ainda mais após meu nascimento a 17 anos atrás. Dizia que mamãe nos criava soltas, que era uma hippie perdida. De fato minha mãe sempre fora alegre, criativa e nos incentivava a sermos o que quisessemos. Ela não se importava com os julgamentos de tia Amanda. Sua única tristeza era de Ela e meu pai terem se separado por causa disso. A implicância da família dele os separou.
–-Vai ficar parada? Quer nos atrasar como sempre faz? Pensei que ao menos para a missa de aniversário de sua mãe você faria um esforço para ser pontual.
As palavras de Amanda me despertaram. --Seu pai está esperando. E arrume esse cabelo.

O caminho até a igreja não era longo, na verdade era na mesma rua onde ficava nossa pequena casa. "Dois quartos, dois banheiros, amplo quintal com horta e lindos jardins. Varanda e sótão." Era assim que nossa casa estava anunciada no jornal, á venda. O sotão, meu sótão. Uma casa pequena, pequena demais para minha necessidade de individualidade. Me restou o sótão, mas eu fiz dele meu canto; era melhor do que dividir espaço com os brinquedos de Abby. Só quem já sentiu sabe o que é a dor de pisar em um lego. Esse pensamento me fez sorrir. Faziam tempos que eu não sorria, não expontâneamente.

A missa durou cerca de 40 intermináveis minutos e várias pessoas compareceram. Mamãe era conhecida na vizinhança. Os vizinhos a adoravam, ela era o tipo de pessoa impossivel de ser odiada. A não ser pela família de meu pai, que só não a aceitaram por não se encaixar no padrão dos "Vidalgo". Mas pra mim, ela era tudo que eu queria ser.
–-Vamos jantar no Pasta Di Angelo?-- perguntou meu pai. --Vai nos alegrar um pouco. Nós sempre íamos lá.
–-Nos alegrar? Nós íamos? Você nunca ia. Você nem estava aqui!- Minhas palavras demonstravam o abismo entre nós, estava claro que um prato de macarrão não mudaria isso. -- Você chega aqui, vende a nossa casa, lota a igreja com esses seus parentes. Eles nem gostavam dela! Mesmo quando nós precisamos, vocês não vieram nos ver nenhuma vez, nem um telefonema!
Meu pai ficou em silêncio, depois levantou a cabeça e disse
–-Eu sei que nunca fui um bom pai, mas já faz mais de um ano e eu estou aqui agora e eu estou tentando! Eu não quero ficar no lugar dela e sei que por um tempo também não vão me aceitar no lugar de pai, mas eu vou continuar tentando e nós vamos ter que aprender a conviver juntos. Eu sei que você me odeia agora, mas pelo menos, me dê uma chance. Eu não posso pedir pra que você me ame filha, mas eu só quero e vou cuidar de você apartir de agora.
As palavras dele me fizeram desabar, fez se dissolver o muro que construi.
–-Eu não odeio você, mas sinto muita, muita falta dela! -- As palavras saíam sufocadas. --Eu quero a minha casa, quero a minha mãe de volta!
Meu pai me abraçou e ficamos assim por alguns instantes.


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Notas finais do capítulo

Obrigada a todos que lerem, aceito todos os tipos de review de críticas até elogios. Sempre escrevi, mas esta é minha primeira história publicada. Foi feita com carinho, espero que gostem e podem aguardar muitos capítulos. Beijos. -Beatriz